sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sobre a Sentença do Moro que Condenou Lula

Acabei de ler a sentença do Moro que condenou Lula. 218 intermináveis páginas. Não sei porque eu insisto nessas coisas, como se no estado de exceção em que estamos houvesse alguma relevância no que está ou não escrito ali. De qualquer forma, para que besteiras não sejam ditas, recomendo que todos leiam. Leiam e vejam se vocês mesmos gostariam de ser condenados com base nos dados que Moro usou e, talvez, refletindo um pouquinho mais, se acham que uma sociedade que aceita e até comemora esse tipo de sentença pode ser considerada civilizada.

Não vou torrar a paciência de ninguém com argumentos jurídicos, até porque Direito Penal está longe de ser minha especialidade. Mas posso dizer sem medo de errar que, no geral, a sentença contém o que já era esperado de Moro.

A controvérsia toda é se o tríplex era ou não de Lula, apesar da escritura do imóvel sempre ter estado em nome da OAS. A tese da acusação é que o imóvel e a reforma seriam pagamento de propina disfarçada.

O que eu concluí? O apartamento era ou não de Lula? Não sei. Tem vários documentos e depoimentos que podem ser interpretados como favoráveis e desfavoráveis ao ex-Presidente. É tudo muito vago. Cada um diz uma coisa e Moro escolheu considerar verdade uma das versões.

O que isso mostra? Que há dúvidas, há fatos que podem ser considerados indícios, mas, em resumo, não há provas. E como se sabe praticamente desde o fim da Idade Média, ninguém pode ser condenado sem provas e, se existe dúvida, o réu deve ser absolvido.

Chamou muito a atenção, aliás, o fato do Moro inverter o ônus da prova em vários momentos. Ele diz: “se o ex-Presidente não comprovou isso, então, só pode ser por isso”, como se a defesa tivesse obrigação de comprovar alguma coisa. Lula teve as contas bancárias, a casa, o escritório do advogado e até o iPad do neto, tudo devassado pela Justiça e o juiz ainda exige que ele apresente provas de inocência? Parece brincadeira. Fora o fato de Moro ter usado várias vezes, além de documentos rasurados e outros sem assinatura, matérias de jornal para fundamentar a decisão, contrariando algo que já no primeiro ano de faculdade se aprende: “Recorte de jornal não é prova”.

Além disso, Moro desconsidera que a OAS chegou a usar o imóvel como hipoteca numa outra operação financeira e que as reformas foram contabilizadas regularmente pela OAS, o que torna muito pouco defensável a tese acusatória de que o apartamento era e sempre foi de Lula. Moro ainda finge não ver o relatório da auditoria independente feita pela KPMG, segundo a qual não houve na Petrobras nenhum ato de corrupção de Lula.

Aqui temos outro ponto crucial, aliás, no qual Moro nem toca. Ainda que se comprovasse que o verdadeiro dono era Lula, isso indicaria apenas a existência de enriquecimento sem causa por parte de Lula, e não, automaticamente, que o dinheiro seria fruto de propina, algo que teria que ser provado, mas tampouco o foi. Sim, enjaular uma pessoa é ou deveria ser coisa séria.

Os procuradores e Moro montaram o enredo que quiseram com as informações, documentos e depoimentos que tinham. O bom e velho “não tenho provas, mas tenho convicção.”

Lembrando que isso tudo foi baseado no que Moro escreveu lá. Muita coisa ele não colocou, e sabendo da notória parcialidade que ele sempre demonstrou, ninguém duvidaria que muita coisa favorável à defesa de Lula foi simplesmente omitida. Só para constar, ele admitiu que sequer leu vários documentos do processo porque estava "com excesso de trabalho"(?).

Pra resumir, como diz o brilhante Brenno Tardelli, trata-se da “única condenação no mundo pelo réu ter recebido por corrupção um imóvel registrado em outro nome, com hipoteca, com sessão fiduciária, com lista de credores, com 73 testemunhas negando a acusação (dentre as quais todas as 27 arroladas pela acusação), com Supremo, com tudo."

Enfim, tudo isso no fim das contas não tem importância alguma. O que vale é o senso comum dos mais desatentos, de que Lula é bandido e pronto. Ficou mais do que claro que a preocupação dessa gente nunca foi a corrupção, a Petrobras ou qualquer causa digna. Tudo sempre girou em torno de 2018.

Link para a sentença: https://abrilveja.files.wordpress.com/…/sentenc3a7a-lula.pdf

Nenhum comentário:

Postar um comentário