sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Black Mirror: Quarta Temporada!

Por não ser um grande entusiasta da terceira temporada, eu achei que Black Mirror vinha caindo de produção. Mas aí chegou essa quarta temporada que, mesmo tendo também 6 episódios, como a terceira, foi muito digna da primeira e da segunda. Ufa, o problema não era a quantidade! 

Atenção: Este texto contém spoiler e é para quem realmente gosta muito dessa série. Eu sou até meio obcecado, já assisti pelo menos duas vezes quase todos os 19 episódios, alguns 3, outros 4 e outros eu realmente perdi a conta. Quem não liga muito provavelmente vai achar tudo uma grande besteira, então, nem comece. rs

Interessante observar a importância crescente da captura (download/upload) da consciência humana pela tecnologia. Como lidar com uma máquina que tenha sentimentos realmente humanos? Esse tema é velho e, se a gente pensar bem, é só uma variante da questão que atormenta a humanidade há milênios: O que nos faz humanos? Recorte semelhante já havia sido explorado inúmeras outras vezes, como na história do Frankenstein e nos filmes O Homem Bicentenário (1999), A. I. Inteligência Artificial (2001), Ela (2013) e Ex Machina (2015). E, também, no próprio Black Mirror, tanto na segunda temporada (com White Christmas) quanto na terceira (com San Junipero). Mas agora a questão foi levada ao extremo na quarta (com USS Callister, Hang The DJ e, sobretudo, Black Museum). Será que houve esgotamento? Tudo depende da criatividade dos roteiristas. Eu mesmo imagino a junção da tecnologia dos cookies presente no White Christmas com a de Be Right Back, o que resultaria num clone artificial com a própria consciência da pessoa clonada! Seria de assistir rezando.

Apesar de alguns exageros pontuais nos enredos, a questão essencial, que é a reflexão sobre a nossa relação potencialmente problemática com a tecnologia, sai ilesa de cada um dos episódios. 

Brevíssimos comentários sobre cada novo episódio:

1) USS CALLISTER
O menos bom, a meu ver. Tem severos problemas no roteiro. Por exemplo: (i) uso de DNA para produzir um clone virtual com a mesma consciência da pessoa original. Isso é completamente absurdo; (ii) num primeiro momento, os botões da nave são indiferentes, não fazem nada relevante. Depois, quando interessou, foi possível usar os botões na programação do jogo para enviar mensagem a uma pessoa fora do jogo; (iii) a inexplicável facilidade da invasão da casa do Daly pela Cole; e (iv) a difícil de engolir prisão do Daly no jogo. Ora, se o cara é um ultra-gênio da programação, porque diabos não fez um sistema mais seguro face a possíveis bugs como aquele? O cara morreu porque o jogo foi deletado! Ah, faça-me um favor! Apesar disso, acho um episódio divertido. De Volta Para o Futuro II tem um gravíssimo furo de roteiro e nem por isso deixa de ser um dos meus filmes prediletos. E também o ar retrô de Star Treck é muito interessante. Gostei do final, quando a voz do Jesse Pinkman (Breaking Bad) deixa claro que aquela liberdade recém-conquistada dos personagens não era lá tão livre assim. E eles, cujo único desejo era não participar mais daquele jogo, acabam jogando voluntariamente, algo que me lembra um pouco o fim de Bing, do episódio 15 Milhões de Méritos.

2) ARKANGEL
É simplesmente brilhante. Remete ao tema da perda da privacidade, já explorado de forma espetacular em The Entire Story of You, mas desta vez abordando o perigo desse tipo de tecnologia para as crianças, em especial com pais super-protetores. Também esbarra num tema já tocado no episódio de Natal (White Christmas) e no Engenharia Reversa (Man Against Fire), que é o bloqueio ou manipulação, literalmente, da visão e da interação para certas coisas: naqueles casos, pessoas indesejáveis; neste, acontecimentos que causem medo e apreensão nas crianças. E ainda há uma cutucada na questão das grandes empresas que - na busca por lucros imediatos e sem fazerem testes de longo prazo em novos produtos -, embora embasadas em propagandísticos "depoimentos inspiradores", vendem novas tecnologias sem a devida segurança.

3) CROCODILE 
Outra obra prima. Também toca no mesmo tema da falta de privacidade. Como seria viver num mundo em que não se pode esconder nada? É ainda mais assustador que The Entire Story of You, em que é possível se livrar daqueles olhinhos que tudo registram, porque aqui em Crocolile a memória de qualquer pessoa ou animal pode ser acessada sem muita dificuldade. É o ser humano perdendo as capacidades essenciais e vitais de omitir, distorcer e mentir. Aliás, é exatamente isso que condiciona o comportamento mortal da protagonista, ou seja, o medo de alguém resolver investigar as coisas, já que inevitavelmente seu crime seria descoberto.

4) HANG THE DJ 
Muito bom também. Ele eleva as discussões sobre os algoritmos a nível inimaginável. Final bem surpreendente.

5) METALHEAD 
Visualmente, é o mais bonito da temporada. Fotografia maravilhosa. Ação de tirar o fôlego do começo ao fim. Mas é o mais misterioso também. Assisti duas vezes em seguida para ver se tinha pulado alguma informação especial, mas não encontrei nada. Procurei na internet e achei uma entrevista com o roteirista e, de fato, ele quis propositalmente deixar a história pela metade, não explicar o que estava acontecendo. O que ele pretendeu mesmo foi problematizar os robôs do mundo real projetados pela Boston Dynamics, idênticos aos do episódio, dizendo algo como “e se essas coisas, que já existem, caralho!, forem programadas para matar?”. Entendo quem não curtiu muito, mas eu meio que estou acostumado com filmes e curtas que são nessa pegada de jogar para o expectador completar a história. Eu interpretei como um mundo pós-apocalíptico em que os robôs “resolveram” exterminar todo tipo de vida. E li uma crítica com a qual eu concordei bastante, dizendo que o episódio tem uma visão otimista sobre o ser humano, já que aquelas três pessoas, alguns dos últimos sobreviventes, resolvem arriscar a própria vida apenas para pegar um brinquedo e fazer os últimos dias de uma criança, provavelmente atingida por um rastreador, mais feliz.

6) BLACK MUSEUM 
O melhor da temporada. Está pau a pau com o meu episódio preferido de todos, que é o White Christmas. Mostrou como nenhum outro o que a junção da crueldade humana banalizada com a tecnologia são capazes de fazer. Capturar a consciência humana e infligir sofrimento torturante perpétuo – sim, é impossível morrer para se livrar do mal – seja por simples exposição, seja para dar esse sofrimento como “brinde” a visitantes, é realmente o maior sinal de que a humanidade deu errado e precisa acabar. Para quem, como eu, já havia ficado aterrorizado com o final de White Christmas, em que o cookie é deixado ligado no Natal com a sensação de tempo acelerada em mil anos por minuto (o que, segundo calculei, dá alguns milhões de anos), esse sofrimento perpétuo é realmente o fim do mundo. E além de tudo o episódio é muito bem feito, prende a atenção, tem reviravoltas e é emocionante. Nota 10/10 com louvor.

Mais uma vez a missão dessa série foi cumprida: deixar para o expectador mais perguntas que respostas.

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