quarta-feira, 2 de maio de 2012

Direito do Trabalho e a persistente mentalidade escravocrata



"Que fará um trabalhador braçal durante quinze dias de ócios?

Elle não tem o culto do lar, como ocorre nos paizes de climas inhospitos e padrão de vida elevado. Para o nosso proletario, para o geral do nosso povo, o lar é um acampamento - sem conforto e sem doçura. O lar não pode prendel-o e elle procurará matar as suas longas horas de inacção nas ruas.

A rua provoca com frequencia o desabrochar de vícios latentes e não vamos insistir nos perigos que ela representa para o trabalhador inactivo, inculto, presa facil dos instinctos subalternos que sempre dormem na alma humana, mas que o trabalho jamais desperta.

Não nos alongaremos sobre a influencia da rua na alma das creanças que mourejam nas industria e nos cifraremos a dizer que as férias operarias virão quebrar o equilibrio moral de toda uma classe social da Nação, mercê de uma floração de vicios e talvez, de crimes que esta mesma classe não conhece no presente.
Repitamos como o inclito Ford: - Não podereis fazer maior mal a uma homem do que permitir que folgue nas horas de trabalho.
O proletário é, pois, um elemento da collectividade social que as féias estragarão."
(NOGUEIRA, Otávio Pupo. A Indústria em face das leis do trabalho. São Paulo: Salesianas, 1935, p. 70)

Assustador ver o que pensavam os nossos industriais da década de 20 sobre o direito de férias. Resumindo, para eles, as casas dos operários eram muito ruins, por isso, se lhes fossem concedidas férias, eles passariam o tempo na rua, o que poderia levar-lhes a vícios e à quebra do “equilíbrio moral da sociedade” (não consigo escrever isso sem aspas)... Pior ainda é observar que a mentalidade não mudou. Simples assim. Não mudou em nada.

Os empresários continuam achando que férias é um favor da empresa, e não um direito do trabalhador. Não serve esse tempo de ausência ao trabalho para o obreiro ter seu momento de lazer e descanso, mas trata-se, sim, de um lapso para que ele recupere as energias para poder produzir mais em seguida. Mas havendo algum jeitinho que possibilite a não concessão das férias, imediatamente o patrão mais irresponsável vai colocá-lo em prática sem pestanejar.

A mentalidade escravocrata ainda não foi eliminada do nosso DNA, infelizmente. E pior, parece que cada vez mais se tenta retomá-la, mas sob novas roupagens.

É comum ainda hoje que se demita o empregado sem pagar um mísero tostão, sem o devido pagamento das famigeradas “verbas rescisórias”. Quer dizer, é normal que o obreiro trabalhe - que sua força de trabalho dê lucro para a empresa, portanto - e esta simplesmente deixe de cumprir a sua parte do acordo, mesmo tendo tais verbas natureza inegavelmente alimentar. Trata-se, novamente, de um "favor" do empregador que foi suficientemente benevolente para "permitir" que aquele empregado para ele trabalhasse.

É ainda mais comum que se contrate autônomo, PJ, cooperativado ou estagiário, que na verdade fazem o mesmíssimo trabalho que os empregados efetivos, afim única e exclusivamente de fraudar a legislação trabalhista, reduzindo os custos e retirando do trabalhador quase todos os direitos que arduamente conquistara ao longo da história, como férias, descanso semanal remunerado, limitação de jornada, fundo de garantia, seguro-desemprego, seguro previdenciário, fora os danos sociais pelo prejuízo direto da Previdência Social (INSS).

O Direito do Trabalho como um todo é visto, mesmo por profissionais do Direito, como um Direito menor, um “direitinho”, um não‑direito. Se quem compra e revende esse tipo de pensamento soubesse o tamanho da besteira que está falando, e a que tipo de gente serve essas idéias porcas, certamente não as repetiria, ou pelo menos não o faria a vozes tão altas e peitos tão estufados.

O que me incomoda não é o Eike Batista ou as Mulheres Ricas não entenderem o Direito do Trabalho, afinal, o capitalismo é avesso a qualquer intervenção estatal nas relações privadas, já que isso quase sempre representa menos lucro, menos dinheiro, menos poder. O frustrante mesmo é o trabalhador incorporar o espírito capitalista da empresa, sendo complacente com a (e por vezes partidário da) não aplicação dos seus próprios direitos.

E não estou falando dos mais humildes, que realmente nunca ouviram falar de direitos trabalhistas. Estou me referindo à classe média e à nova classe média, que não se sentem exploradas pelo patrão, mas só pelo “governo” e a sua “estratosférica carga tributária”, que teoricamente a impede de comprar barato o novo iPad, um carro conversível ou o apartamento mais alto do prédio, já que felicidade se mede em megabytes, cavalos de potência e metros quadrados no terraço. Esses sabem muito bem dos seus direitos, mas mesmo assim aceitam os argumentos de que “os custos são altos para os empresários”, de que “assim não haverá mais investimentos no Brasil”, de que “a ‘modernidade’ exige a flexibilização de leis protetivas”, de que “o direito tem que se adequar à dinâmica da realidade social” (como se o direito não fizesse parte e não se somasse a outros fatores na construção da sociedade), etc. etc. etc. Todas alegações muito bem construídas pelos neoliberais, desde o Consenso de Washington, para impor globalmente o capitalismo sem rédeas, que engole pessoas, domina almas, e, sobretudo, destrói a dignidade humana e afasta a igualdade e a justiça social. 

Isso me lembra muito a situação que ocorria quando, na época escravista, um negro liberto ganhava a vida e comprava escravos. Novamente, nada mudou. Quer dizer, de lá para cá mudaram os tempos, as formas, os meios e os nomes, mas as mentes continuam precisamente as mesmas. 

Mudar a mentalidade é certamente o passo mais difícil e trabalhoso de qualquer revolução. A classe dominante se mantém sempre unida e na defensiva, enquanto os que desejam mudar se dividem e subdividem, lutando uns contra os outros a respeito de diferenças ideais irrelevantes.

Digo mais: enquanto o meio‑termo, o centro, for tido como a posição mais sensata, nada vai mudar de verdade.

Gira mundo


Os últimos tempos foram para mim de muito aprendizado. Passei por poucas e boas, mas no fim está dando tudo certo. Por isso esse grande sem escrever nada por aqui, já que o tempo me faltava para simplesmente sentar e escrever algo que me ocorria.

A primeira mudança foi relacionada ao meu trabalho. Antes tinha uma rotina tranqüila de trabalho e acabava dando tempo de ler bastante coisa, refletir, pesquisar e escrever.

Porém, fui transferido de setor por decisão unilateral da diretoria à qual pertencia. Algo muito, mas muito, desagradável e revoltante, mas é melhor não comentar mais sobre isso.

O fato é que acabei pegando uma das funções mais pesadas do Tribunal onde trabalho, que é a de balconista. Eu era o cara que atendia os advogados e o público em geral na Vara do Trabalho em que fui lotado. Correria absoluta o dia inteiro, já que os advogados têm o dom de querer olhar justamente os processos que não estão no lugar onde deveriam. Ser a boca e o ouvido de uma vara do trabalho, sobretudo na cidade de São Paulo realmente não é nada fácil. E como não dava para sentar, o pé doía muito. E como não dava para respirar nem suspirar, a alma doía mais ainda.

Apesar de esse negócio de fazer as coisas em velocidade absolutamente acelerada não ser nem de longe o meu perfil, acabei me adaptando com o passar dos dias, tendo, inclusive, recebido vários elogios, tanto dos meu chefes quanto de colegas de trabalho. Senti algum orgulho, já que não deixou de ser uma vitória. Nesse meio tempo, conheci pessoas ótimas, muito boas, com quem faria questão continuar a amizade se o futuro permitisse.

Mas algo realmente bom estava para acontecer. Então veio a segunda mudança. Meu trabalho, pra resumir a história, me “obrigou” a retornar para Campinas. Se isso acontecesse no ano passado, certamente eu iria achar a pior coisa do mundo, já que eu estava na faculdade ainda e eu quis ir de São Paulo exatamente para terminá-la, pois estava sendo absurdamente sacrificante ter que pegar a Bandeirantes todo santo dia e ainda ir para a faculdade toda santa noite. Mas agora, veio a calhar.

Tendo colado grau, nada, ou quase nada, me segurava à capital. E para mim, já estava na hora de sair de lá. Tudo muito caro, muito longe, muito grande, muito lotado, muito trabalhoso, muito triste, algo que não me pertencia mais, se é que um dia chegou a pertencer.

Agora, estou em Campinas. E desta vez muito animado para esse novo começo. Cheguei a criticar fortemente a cidade pela má primeira impressão que tive, pois o transporte público deixa muito a desejar e, além disso, o Tribunal daqui protelou a minha transferência para São Paulo, que à época era urgente, o que contribuiu para que eu pegasse certa birra da cidade.

Porém, nesta nova fase só tenho elogios. Parece estar tudo em ordem e a cidade está me parecendo um bom, se não excelente, lugar para se morar.

O que me alegra é poder estar um pouco mais perto da minha família e da minha namorada (que também é da família. RS)

Além do que, agora estou trabalhando com Direito, mais do que isso, com Direito do Trabalho, que é o que eu realmente quero para mim, pois considero ser o palco central do capitalismo, ponto nevrálgico de onde emergem os mais intensos conflitos sociais. Posso fazer a minha pequena parte para tentar mudar alguma coisa nessa realidade desigual e perversa que se desenrola a cada dia.

Agora estou aqui, escrevendo do mesmo hotel em que há quase dois anos eu fiquei algumas vezes por estar excessivamente cansado, ou para fazer um trabalho da faculdade que não daria tempo de terminar se retornasse à grande selva de pedra devoradora de almas chamada São Paulo.

Hoje  não penso em voltar para São Paulo, mas vai saber se daqui há um tempo não estarei escrevendo mais ou menos o mesmo que disse sobre Campinas a respeito da terra da garoa, da terra da oportunidade?

Gira mundo.