terça-feira, 9 de junho de 2015

Direito emburrrecedor


Enquanto a maioria das pessoas está discutindo seriamente a pertinência ou não da "crucificação" na Parada Gay, muitos dos estudantes de Direito e bacharéis se limitam a bradar a todos que a conduta da trans é crime, tendo em vista os artigos X ou Y do Código Penal.

E meu deus, que educação é essa que esse pessoal recebeu e está recebendo? Um computador ou um macaco bem treinado fazem essa análise de adequação entre o que está friamente escrito na lei e o que houve no mundo real. Não se precisa de técnicos, mas de gente que saiba pensar. Raciocinar criticamente sobre questões como essa tendo em vista os princípios constitucionais e demais consequências sociais envolvidas parece ter virado luxo. Parece que o curso de Direito às vezes coloca a pessoa numa redoma onde as pessoas, o mundo real, viram um simples detalhe que passa despercebido.

Às vezes acho que errei de curso.

Mas aí eu lembro que existem juristas como Norberto Bobbio, Goffredo Telles Junior, Eugenio Raúl Zaffaroni, Fábio Konder Comparato, Evaristo de Moraes, Jorge Luis Souto Maior, Gustavo Tepedino, Marcus Orione, Ari Marcelo Solon, sem mencionar o Barbudo, dentre diversos outros, os quais são, muito mais do que meros conhecedores da lei, verdadeiros pensadores e agentes transformadores do mundo, e me sinto mais confortável e até orgulhoso pela escolha da minha faculdade.

A Parada Gay e a Trans Crucificada

Para quem alguma vez já refletiu sobre o verdadeiro significado do Novo Testamento e pensou sobre a polêmica da Parada Gay deste ano, uma coisa ficou bem clara:


Se Jesus voltar, vai ser em forma de transexual. Dessas espirituosas, de presença, que causam nojo no homem cis, hétero, branco, cristão, de classe média. E vai ser crucificado(a) de novo, de forma ainda mais cruel, sob as ordens dos fanáticos e o silêncio dos acovardados. 



Afinal, dois mil anos se passaram e a mensagem não chegou nem aos cristãos, menos ainda ao mundo todo, como pretendido pelo seu Emissor. Talvez 4 mil, 6 mil, 10 mil anos bastem. Ou talvez, e essa parece ser a melhor hipótese, nem toda a eternidade nos salve. Qual a diferença entre os romanos que não acreditaram que o Messias poderia vir em forma de um pobre nazareno, subversivo, filho de carpinteiro e os que hoje se ofendem(!) com a mera representação da possibilidade dele voltar na pele de um(a) trans? 



Porque comprar nO Boticário é bem mais fácil do que colocar a mão na consciência e repensar os próprios preconceitos.



No fim foi só isso que a encenação quis dizer, de uma forma tão bela quanto impactante, é verdade, mas nunca foi nada além disso.



E o mais bizarro: muitos dos que defenderam o direito sagrado de Charlie Hebdo de ofender a religião alheia, postando "Je suis Charlie" na timeline, agora se fazem de horrorizados. Eu acharia que é zoeira, se não soubesse que é ignorância ou má-fé mesmo.



E quer saber, se me permitem o trocadilho fajuto: Je suis trans!

quinta-feira, 30 de abril de 2015

O nada que somos

No Século XVI, Giordano Bruno dizia, para quem quisesse ouvir, que a Terra não era o centro do Universo e que, além disso, o próprio Universo era infinito. Obviamente, foi queimado vivo pela Igreja, aquela mesma do "amor ao próximo".

Hoje se sabe que o ser humano é uma espécie dentre milhões de espécies na Terra, que a Terra é um planeta de diversos outros planetas do Sistema Solar, que o Sistema Solar é um Sistema Estelar dentre bilhões de outros Sistemas Estelares da galáxia, que a nossa galáxia é uma galáxia dentre bilhões de outras galáxias do Universo, e ainda cogita-se a hipótese de que nosso Universo seja apenas um dentre infinitos Universos do Multiverso. Nós, humanos, assim como qualquer outra coisa no planeta, somos feitos de poeira cósmica que restou de alguma estrela morta (Supernova), reciclada num Berço de Estrelas qualquer da Via Láctea. A própria vida é um acaso rarissimo, quase impossível, mas considerando a imensidão do Cosmos, ninguém deveria se espantar com a existência de muitas e muitas formas de vida Terra afora. Além disso, só existimos por causa de um acidente cósmico, que por alguns centímetros não deixou de acontecer, e levou a um choque de asteróides que resultou na queda do meteoro que extinguiu os dinossauros.

Ou seja, a rigor, a gente, arredondando bem, não é NADA. Cada um de nós é um nada cósmico. A espécie humana não é nada. A Terra, o sistema solar e até mesmo a nossa galáxia, tudo isso é nada. Nadinha. Menos que poeira. Isso não é uma diminuição de nós mesmos, é apenas a colocação de tudo sob uma perspectiva diferente do nosso habitual egocentrismo, servindo, inclusive, para valorizarmos a nossa existência e a possibilidade de compreensão sobre tudo isso.

E essa ideia da nossa insignificância continua, ainda, sendo altamente subversiva. Pouca coisa mudou na mentalidade terráquea desde Giordano Bruno. Se as instituições fossem fracas e absolutas como naquela época, afirmar tudo isso certamente ainda levaria a severas punições.

Por essas e outras eu sou ateu e cético. Não só por simplesmente não conseguir acreditar em nenhum tipo de divindade ou sobrenatural, mas por achar que essa visão realista e científica de mundo é, de longe, muito mais mágica e maravilhosa do que qualquer religião jamais ousou forjar. E o melhor: não leva ninguém a virar carvão em praça pública.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Protestos e terceiro turno

Se fosse para protestar contra a nomeação de um neoliberal para Ministro da Fazenda (Levy), de uma ruralista-escravista para Ministra da Agricultura (Kátia Abreu), de um mafioso para o Ministério das Cidades (Kassab), eu iria.
Se fosse para protestar por um empenho efetivo do governo em promover uma reforma política que democratize a representatividade do Congresso Nacional, eu iria.
Se fosse para protestar em favor da regulação e democratização da mídia, eu iria.
Se fosse para protestar contra a promessa de privatizar a Caixa Econômica Federal, eu iria.
Se fosse para protestar contra a regulação do seguro-desemprego e de alguns benefícios previdenciários que acabou por prejudicar os trabalhadores eu iria.
Se fosse para protestar contra a falta de empenho do governo em projetos como o de redução da jornada de trabalho para 40 horas sem redução salarial, o da reforma agrária, o de estabelecimento de imposto sobre grandes fortunas, o de regulamentação dos direitos das domésticas, o do confisco de terras onde haja trabalho escravo, o de desmilitarização da polícia militar, ah, sim, eu iria.
Agora, ir aos protestos de amanhã para, como uma criança mimada, simplesmente mostrar que eu não aceitei o resultado das eleições e que desejo um golpe de estado – porque no fundo é essa a reivindicação principal – isso eu jamais faria, pois quero poder dormir em paz comigo mesmo. Defender impeachment ou, ainda mais ridículo, "intervenção militar" e, assim, destruir a ainda frágil democracia brasileira é coisa ou de canalha, ou de mal informado.
Há um terceiro grupo, que são os insatisfeitos com a atual condução de nossa política econômica, com o preço da gasolina, com o preço da energia elétrica, com a inflação, etc., esses, se de fato souberem direitinho as razões pelas quais cada medida do governo foi tomada, merecem respeito e acho até que nem deveriam se misturar com os golpistas.
Demonstrar insatisfação é uma coisa, lutar por uma ruptura da ordem constitucional democrática, arduamente conquistada, é outra. Colocar tudo no mesmo bolo é assumir o risco, ser cúmplice, da merda que pode vir.

Protesto contra a corrupção?

Vou ser sincero. Protesto contra a corrupção é a coisa mais inútil que pode existir. Ou alguém acha que o Renan Calheiros vai olhar toda a manifestação e pensar: “Nossa, olha essa galera, eles estão querendo o fim da corrupção, mas, gente, nunca tinha pensado nisso, vou parar de roubar!”.
E se fosse contra a corrupção, onde estavam os cartazes referentes, por exemplo, ao tremsalão, ao mensalão do PSDB mineiro, à lista dos 8.000 brasileiros sonegadores do HSBC, aos aeroportos particulares-públicos do Aécio? Onde estavam os cartazes contra o PP (partido do Bolsonaro) que tem 30 parlamentares envolvidos na Lava Jato (enquanto o PT tem 5)? Onde? Aliás, quantos dos manifestantes sabiam que a Dilma sequer aparece na lista de Janot e que Aécio, indicado como beneficiário do esquema, só não aparece por um malabarismo argumentativo do Procurador-Geral? Essa indignação seletiva, para mim, desculpem-me, é o maior sinal de alienação política que as pessoas, reduzidas a massa de manobra, podem demonstrar.
Em 2013, o que estragou os protestos foi justamente essa falta de pauta. “Contra a corrupção” é algo genérico, vago, não atinge ninguém. À época, o governo, entendendo o recado das ruas, propôs ao Congresso uma reforma política que, limpando as engrenagens das instituições, exterminasse a corrupção encalacrada em nosso atual sistema, inclusive proibindo o financiamento empresarial de campanhas. A oposição cuidou de arquivar a proposta, e para onde foram os indignados? Onde estavam os que ontem ao som do hino nacional marcharam contra a corrupção? Provavelmente no mesmo lugar onde estavam quando no Brasil se morria de fome, ou seja, em frente ao sofá assistindo jornal nacional, inertes.
O PT tem corruptos, sim - muito menos do que outros partidos concorrentes, como mostram as listas de fichas sujas - mas toda instituição tem corruptos e o que se deve considerar é como elas lidam com esses desmandos. E se contarmos a história do outro lado, veremos que o governo Dilma aprovou a Lei da Transparência, a Lei da Delação Premiada e a Lei do Ficha Suja. Ainda, para quem não lembra, Dilma, assim que ficou ciente das falcatruas na Petrobras, ainda em 2012, imediatamente demitiu todos os envolvidos sob os quais havia suspeitas consistentes. Vocês têm certeza de que é nesse governo que vocês querem jogar toda a culpa pela corrupção do país? Por que se a resposta for sim, do ponto de vista político, a lição que os manifestantes “contra a corrupção” deixam é a de que é um péssimo negócio descobrir e combater a corrupção, ou seja, compensava ter deixado os roubos debaixo do tapete, para que ninguém ficasse sabendo, como sempre foi. O cálculo não é difícil de fazer.
Então, não digam que foi contra a corrupção. Fica feio demais.

Cinema brasileiro

Quando alguém fala que o cinema brasileiro é ruim, eu sinto um misto de dó e raiva. Dó porque a pessoa provavelmente não conhece nada do que se produz por aqui, e raiva porque ela não passa de um papagaio repetidor de preconceitos.
Mas nem todo filme brasileiro é como aqueles estrelados por ex-humoristas da MTV e atores do Zorra Total.
Para citar alguns poucos exemplos de filmes nacionais, não muito velhos, que não deixam nada a desejar em relação aos filmes de outras partes do mundo, especialmente de Hollywood (estou falando de qualidade, não de tiros e explosões), cito:
- Cidade de Deus
- Tropa de Elite
- Que é isso, Companheiro?
- Entre Nós
- Sonhos Roubados
- Carandiru
- Auto da Compadecida
- O Palhaço
- O Cheiro do Ralo
- O Contador de Histórias
- Estômago
- Quanto Vale Ou É Por Quilo?
- O Som ao Redor
- O Homem que Copiava
- Saneamento Básico
- Praia do Futuro
- Romance
- Meu Pé de Laranja Lima
- Ano em que Meus Pais Saíram de Férias
- O Homem que Virou Suco
- Gonzaga - De Pai para Filho
- Faroeste Caboclo
- Trabalhar Cansa
- Xingu
- Capitães da Areia
- Serra Pelada
- Guerra de Canudos
- Cazuza
- Uma História de Amor e Fúria

O efeito manada e a covardia do conservador

Ontem, vendo o programa Truques da Mente, do NetGeo, fiquei realmente impressionado com o quanto a nossa condição biológica condiciona toda a nossa vida em sociedade. Chocante para quem estuda só humanas há um bom tempo. rs

O programa foi sobre comportamentos que repetimos sem pensar a respeito, os quais fazemos apenas porque todos ao nosso redor estão fazendo. Em um dos testes, por exemplo, havia uma sala de espera de consultório médico, onde vários atores fingiam ser pacientes, sentados, e quando tocava uma campainha, todos ficavam em pé e logo voltavam a se sentar. Quando chegava um paciente real, no começo ele estranhava o comportamento sem sentido dos outros, mas depois, para não ficar diferente, sem que ninguém falasse nada, eles começavam a também levantar-se e sentar-se ao ouvir a campainha. Quase todos fizeram isso, mesmo os mais hesitantes e céticos. Em outro teste, as pessoas simplesmente erravam de propósito a resposta de uma pergunta apenas porque todos os demais haviam errado também e a resposta certa “não poderia ser a certa, já que todo mundo acha que é errada”. Noutro, atores começavam a aplaudir em pé uma palestra propositalmente horrível, e em pouco tempo quase todos se levantaram também. Havia raríssimas exceções, que se negavam a seguir o fluxo.

Explica-se: Evolutivamente, é muito mais vantajoso seguir o grupo, a maioria, mesmo que ela esteja errada, pois as chances de não se dar tão mal são muito maiores. A notícia ruim é que ser idiota parece uma condição humana perfeitamente compreensível.

Isso, aplicado na política, pode resultar em qualquer coisa. Quem assistiu ao filme “A Onda” sabe do que falo.

No Brasil recente, esse “efeito manada” pode ser sentido de várias maneiras: No “Não vai ter Copa”, no “Fora Dilma!”, na subida exponencial de Marina Silva com a morte de Eduardo Campos, no “Aécio 45”, no “nunca houve tanta corrupção quanto agora e é tudo culpa do PT”, nas manifestações do dia 13 de março e agora nas de 12 de abril, no endeusamento de Joaquim Barbosa, na redução da maioridade penal, no “bandido bom é bandido morto”, no “direitos humanos só serve para proteger bandido”, no “o Estatuto da Criança e do Adolescente é que atrapalha a educação das crianças”, no “a família educa e o professor só ensina”, no “Impeachment já”, no “Bolsomito”, no “as ciclovias são mal planejadas”, no “a falta d’água é culpa da falta de chuva e das pessoas que desperdiçam, e não do governo de SP”, no “não faltam médicos, falta apenas infra-estrutura”, no “bolsa família cria vagabundos”, no “sindicalista e grevista é tudo vagabundo”, dentre tantos outros comportamentos que as pessoas no fundo – adotando o comportamento com menos riscos, mas não necessariamente o melhor – apenas se limitam a copiar e sobre os quais jamais realmente pesquisaram ou refletiram criticamente.

Duas teses confirmadas: 1) Quem manda em tudo realmente é a mídia (e claro que quem manda na mídia é o grande capital) e; 2) O conservador, de fato, não passa de um covarde, em seu estado mais animalesco.

Greve dos professores e as prioridades do Jornal Nacional


Nem 30 segundos. Esse foi o tempo que o Jornal Nacional concedeu para noticiar a greve dos professores estaduais de SP. Nenhum sindicalista ou professor entrevistado. Nada. Só falaram que paralisaram a Paulista e que segunda-feira a Secretaria da Educação vai se reunir com os grevistas. O nome de Alckmin sequer foi mencionado. Para efeito de comparação, deram uns 5 minutos para "especialistas" "explicarem" o resultado do PIB de 2014. Quanta imparcialidade! Quanto compromisso com a informação e com a verdade! 

Por essas e outras, a regulação e democratização da mídia é a pauta mais urgente de todas.

POR QUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL NÃO VAI ADIANTAR NADA

POR QUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL NÃO VAI ADIANTAR NADA

Lembrando das minhas aulas e estudos de Direito Penal e Criminologia, listei alguns motivos para que NÃO seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 171 (número sugestivo), que, sob o pretexto de diminuir a criminalidade, pretende reduzir a maioridade penal para 16 anos.

1) A maturidade de adolescentes de 16 e 17 anos não é a mesma, biologicamente, daquela de uma pessoa de 18 anos ou mais. A maturação cerebral se completa, em regra, apenas perto dos vinte anos. Como diz o psicólogo Daniel Martins de Barros, “os avanços da neuroimagem comprovaram que o amadurecimento do cérebro segue uma ordem em que uma das últimas regiões a ficar 'pronta' é justamente o córtex pré-frontal, a área responsável pelo auto-controle refinado, pelo planejamento de longo prazo e pela capacidade de adiar gratificações. Não é por acaso que adolescentes são impulsivos e imediatistas – não só os hormônios estão em ebulição como seus freios não estão calibrados ainda” (http://bit.ly/1xY6aFd) . Assim, ao contrário do que prega o senso comum, faz total sentido tratar de forma diferente adolescentes e adultos, pois a situação inclusive biológica deles não é a mesma.

2) Hoje, adolescentes são punidos, muitas vezes da mesma forma que adultos, e, em algumas, de forma até pior, ficando mais tempo internados do que passariam na prisão. Então, a ideia de que há impunidade é totalmente incorreta. Há, sim, o cumprimento de medidas que equivalem à pena de prisão, mas de forma diferente, tendo em vista a condição peculiar do adolescente, pessoa ainda em desenvolvimento.

3) Atualmente, a maioria dos países membros da ONU, incluindo aqueles com índices baixíssimos de criminalidade, consideram a maioridade penal aos 18 anos.

4) Diversos países caíram nessa ladainha imediatista, reduziram a maioridade, e depois tiveram que voltar atrás e aumentar de novo, como foi o caso de Portugal, Espanha e Japão, onde a maioridade é 21 anos. Na Alemanha também é 21 anos. E mesmo na Inglaterra, onde todo mundo fala que a maioridade não existe e etc., até os 18 anos o adolescente não é punido da mesma forma que o adulto.

5) Desde o século XVIII, com a obra de Cesare Beccaria, sabe-se que o crime é inibido pela certeza de punição, e não a quantidade da pena. Então, obviamente, a possibilidade de punição maior não vai fazer efeito algum num adolescente que está em vias de cometer o crime. Ou alguém acha eles todos vão pensar: "Nossa, agora eu posso ser preso numa cadeia comum, e não na Fundação Casa (que é praticamente idêntica a uma cadeia comum), vou ficar de boa aqui e me comportar conforme a lei”? Se sim, ousaria dizer que estatisticamente são casos desprezíveis. A Lei de Crimes Hediondos, por exemplo, desde que começou a valer, em 1990, simplesmente não contribuiu em nada para a diminuição dos crimes hediondos, que na verdade cresceram desde então. Ou seja, além de imoral e inconstitucional, essa PEC é extremamente inútil.

6) Apenas em torno de 1% dos crimes são cometidos por adolescentes, proporção diminuta, não se justificando a adoção de medidas drásticas, que apostem no falido sistema de encarceramento, e não na (re)educação desses jovens.

7) Jogar um adolescente de 16 ou 17 anos na cadeia vai servir apenas para que ele aprenda melhor o ofício do crime com os mais velhos e mais perigosos, inclusive sendo muito mais facilmente capturados pelas facções criminosas. Farão a famosa “pós graduação no crime”. Qual a alternativa para isso? Aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sim, aplicar, fornecendo meios para que, por meio das medidas socioeducativas, os adolescentes de fato sejam ressocializados, estudem, se especializem e consigam emprego, etc. A Fundação Casa de São Carlos, por exemplo, fez uma experiência e aplicou o ECA do jeito que tem que ser, obtendo como resultado o fato de que pouquíssimos adolescente voltaram a cometer crimes. Então, o problema não é o ECA, o problema é justamente ele não ser aplicado como deveria.

8) Ao se reduzir para 16 anos a maioridade penal, a criminalidade vai recrutar adolescentes de 15, 14 anos ou menos, que possuem ainda menos discernimento do que é certo e errado do que os de 16 e 17 anos, adiantando a entrada deles no mundo da criminalidade. Sério, adianta alguma coisa?

9) Mesmo nas Fundações Casa existentes hoje, o adolescente que está internado conclui os estudos, pois há ensino regular lá dentro. Resultado: Números oficiais de 2010 apontam que o índice de reincidência dos adolescentes infratores das Fundações Casa não chegou a 13%, enquanto o das prisões comuns gira em torno dos 60% (http://bit.ly/1GgQNsA). Ao ser trancafiado numa cadeia comum, o adolescente certamente vai perder sua vida escolar, tendo ainda menos oportunidades de se reintegrar ao sair da cadeia.

10) Os adolescentes vão ser os alvos preferidos para os estupros pelos mais velhos. Ser rotineiramente estuprado vai ressocializar alguém ou deixar mais revoltado? A resposta parece óbvia.

11) A idade penal de 18 anos é um direito fundamental individual, esculpido na nossa Constituição Federal (artigo 228). Até hoje, desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, nenhum direito fundamental foi retirado do texto constitucional. Esse está para ser o primeiro. Mas será o único? O que virá depois? A revogação do direito à intimidade, à privacidade, à liberdade de expressão? Vamos pagar para ver ou acabar de vez com essa possibilidade nefasta de abrir um precedente? “Ah, mas que exagero!” Exagero de cu é rola. Regimes ditatoriais são implantadas ceifando direitos aos poucos, sempre tem o primeiro para abrir precedentes.

12) A maioria da população ser a favor não significa que seja correto. No século XIX, a esmagadora maioria da população era a favor à escravidão e a que mulheres não votassem. Aliás, o nazismo era celebrado pela grande maioria da população alemã da década de 30. O que deve ser levado em conta, então, é se há ou não argumentos bons e racionais para justificar essa quase-unanimidade. E nesse caso não há. O efeito vai ser contrário ao pretendido.

13) Embora a nossa mente seja programada para pensar em delinquentes como apenas sendo assaltantes, assassinos e estupradores, grande parte dos presos cometeu apenas pequenos furtos e pequenos tráficos de droga.

14) Os presos atualmente existentes já não cabem nas cadeias. Vamos construir mais presídios, apenas por sede de vingança, e deixar de investir na educação desses adolescentes, na ressocialização dos adolescentes infratores, por meio da Fundação Casa e da aplicação do ECA? As empreiteiras, aquelas da Lava Jato, vão adorar.

As pessoas, por serem bombardeadas com programas policiais sensacionalistas como o do Datena, podem até querer se vingar do adolescente que comete algum crime, mas do ponto de vista racional, como visto, isso vai ter um reflexo extremamente danoso na sociedade, inclusive com o natural aumento da criminalidade. Trata-se de uma medida meramente populista e contraproducente, como é típico das “soluções” da direita para os problemas sociais.

Na verdade, nem a direita, de fato, acredita que a redução da maioridade penal vai melhorar alguma coisa na situação da segurança pública. Racionalmente não dá pra crer nisso. Mas se trata de uma questão de honra, para eles, ganhar da esquerda nessa queda de braço, para mostrar poder. Tipo: "Já que os petralhas e comunistas estão defendendo isso, sou contra e pronto e acabou."

O Brasil merece um debate mais maduro do que essa briga de torcidas sobre essa questão, para que as pessoas de fato visualizassem que em jogo está a escolha entre a vingança, de um lado, e a justiça e educação, de outro. Infelizmente, não é o que está acontecendo. A irracionalidade está vencendo de lavada.

Leituras: 
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/…/18-razoes-para-…/
http://vida-estilo.estadao.com.br/…/para-que-serve-alterar…/
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1430
http://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-volte-sete-casas-15749175?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/31/politica/1427836708_419980.html