sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Como Destruir um País

Nunca imaginei que seria tão fácil destruir um país. Quer dizer, eu sabia que a nossa classe dominante era genocida, escravista e burra, mas não que a coisa chegaria a esses níveis.

Eu estudo direitos trabalhistas há uns 8 anos mais ou menos e digo sem pestanejar que essa reforma trabalhista é a maior perda de direitos sociais que o Brasil já viu. As pessoas não notam, mas o que muda não são só as relações de trabalho. Muda tudo. O Brasil adotou ontem um outro modelo de sociedade, um modelo novo que sequer tenta entregar aos mais pobres alguma migalha da riqueza que eles produzem. O país que estava aos poucos caminhando numa trilha capenga mas relativamente correta escorregou no golpe, caiu num buraco e não vai sair de lá tão cedo.

A legislação trabalhista no Brasil surgiu num contexto muito particular, fruto de bravas lutas dos trabalhadores nas décadas de 10, 20 e 30 do século passado. A classe trabalhadora emburreceu muito desde então. Deixou que praticamente todas essas conquistas fossem para o ralo ontem. Regressamos pelo menos 80 anos em níveis civilizatórios. E eu sinceramente não tenho a menor esperança de que tudo que foi perdido seja reconquistado. Já era. Nunca teremos de novo uma proteção ao trabalhador como um dia se teve.

A tendência do capital é sempre concentrar riqueza nas mãos dos proprietários e empobrecer a classe trabalhadora. Os direitos trabalhistas servem para amenizar um pouquinho essa situação. Se o capital tem uma qualidade é a capacidade de se adaptar a regulações como essa. E essa medida, que no fim é humanitária, acaba sendo extremamente positiva e necessária para o próprio sistema econômico ao permitir que o trabalhador tenha dinheiro, tempo e inclusive condições de saúde para consumir. E o consumo gera mais emprego, num ciclo virtuoso que funciona bem dentro do sistema.

Então, não são só os empregados que estão ferrados com essa reforma. Eles perderam diretamente mais de 100 direitos, vários relacionados à proteção ao salário, ao descanso, à saúde e ao acesso à Justiça. Mas os empresários também saem perdendo muito. Qualquer empresa que dependa do consumo interno vai sofrer os efeitos dessa reforma. Afinal, quem, contratado por “contrato intermitente” - aquela nova modalidade através da qual o patrão chama o empregado "apenas quando necessário" - vai comprar uma casa, um carro ou mesmo uma geladeira ou uma viagem à praia que seja? Como a pessoa vai se programar para comprar uma coisa mais cara se ela não tem a menor segurança se estará empregada e, mesmo que estiver, de quanto ela vai receber de salário?

Tirar poder de compra da classe trabalhadora é a coisa mais idiota que os próprios capitalistas poderiam fazer. E fizeram. É por isso que reformas como essa não funcionaram em nenhum lugar do mundo. Não há nenhum estudo que comprove que ela gera empregos, como alega o governo e os defensores da reforma. Pelo contrário. Todo país que flexibilizou as leis trabalhistas precarizou o trabalho, teve dificuldades para recuperação econômica e hoje tem uma geração de jovens sem esperança de dias melhores. Na Espanha, por exemplo, o desemprego dos mais jovens está em 50%.

E num país com população já pobre, essa precarização gera reflexos em todos os lados. Aumenta a miséria, aumenta a violência. Se aumenta a violência, aumenta a repressão policial, o que reduz os direitos individuais de todos e também faz aumentar a violência. Com trabalhos precários, as pessoas adoecem mais, o que gera mais gastos em saúde e assistência social, e isso acarreta menos dinheiro para outras áreas e atravanca o desenvolvimento do país como um todo. Adicione a essa receita o congelamento dos gastos, aprovado no fim do ano passado e pronto, estamos gestando um explosivo desastre social. Enfim, todos os países que você olha no mapa e pensa “esse país deu muito certo, vejam como o cidadão a ali é tratado” se preocupam com o bem-estar do trabalhador. O Brasil ontem decidiu seguir para o caminho oposto.

Meu otimismo só me permite acreditar que talvez este seja o último suspiro desse sistema nefasto, o início do fim. A única coisa que me consola é que esse pessoal que defende as reformas e os que se acham super bem empregados e estão fingindo que nada está acontecendo, em pouco tempo, vão também se ferrar. Pra mim, será uma alegria imensa.

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