terça-feira, 18 de novembro de 2014

Divulgação de salários de servidores – precisamos mesmo fulanizar?

Nesta última semana, a Folha de S. Paulo publicou a lista com o salário dos docentes da Universidade de S. Paulo (USP), após conseguir decisão judicial favorável, pois a instituição de ensino havia se recusado, inicialmente, a divulgá-la.

Não nego que as instituições públicas precisam de transparência em sua gestão e na prestação de contas. O povo tem o direito de saber como cada centavo de seus tributos é aplicado e este é um bom começo, mas, por outro lado, uma questão delicada aparece, que é o direito à privacidade dos servidores públicos.

Se até mesmo quem trabalha na iniciativa privada recebe diariamente ligações de bancos, operadoras de cartão de crédito, propostas de financiamento, seguros etc, como ficam as pessoas que têm seus salários divulgados?

E não é apenas o excesso de abordagens que pode prejudicar as pessoas, pois nada impediria, por exemplo, que um clube rejeitasse a venda de um título de associado a uma pessoa que eles não entendem como dentro dos “padrões” do lugar. As pessoas passariam a ser “selecionadas” com base nestes dados, poderiam passar a deixar de frequentar determinados locais por causa da divulgação dos seus vencimentos.

É por isto que seria melhor se, em vez de publicarem nomes ao lado dos salários, colocassem outros dados como número de matrícula, por exemplo. Não é por você ser um servidor público que tudo a seu respeito deve ser público.  Não é preciso fulanizar para se ter transparência.

A meu ver, o acesso livre e desimpedido a esse tipo de informação, com nomes e tudo o mais, deveria ser conferido a instituições como o Ministério Público, as polícias (civil e federal), Poder Judiciário, Receita Federal, entre outros.

Como eu disse anteriormente, a privacidade dos servidores poderia ser resguardada com a publicação do número de matrícula, por exemplo. A meu ver, quem deveria ter uma divulgação ampla desse tipo de informação são os políticos, os ocupantes de cargos eletivos.

E sobre a matéria da Folha, o jornal, talvez dolosamente, ou por desconhecimento (prefiro acreditar nesta última hipótese), não diferencia o que são verbas indenizatórias, honorários (para o caso dos procuradores da USP, por exemplo), entre outros pagamentos que são variáveis. Deveriam mostrar também o quanto há dessas verbas na composição de casa salário, para que não fique a impressão de que a USP é um oásis de super salários.

Tão importante quanto a divulgação de quanto pesa a folha de pagamento, é mostrar dados como assiduidade no serviço, notas obtidas em eventuais avaliações de desempenho, o quanto recebem a título de ajuda de custo, bolsas de estudo, entre outros. Isso sim ajuda a sociedade a avaliar se o serviço público está sendo prestado com a devida qualidade, e não dados jogados, com o (suposto) intuito de criar o imaginário de que toda repartição pública é um paraíso da gastança.

E parafraseando um site de notícias, “divulgar salário é fácil, quero ver quanto pagam no tijolo”. Basta lembrar a desastrosa gestão do Professor Grandino Rodas na Faculdade de Direito, com a reforma das bibliotecas, e na Reitoria, com o aumento vertiginoso de gastos dos mais diversos. Foram essas “trapalhadas” um dos principais fatores que levaram à situação caótica da USP.


O importante é não perder o foco, não deixar que esse “caça aos marajás” seja um subterfúgio para encobrir gastos escandalosos com coisas supérfluas. 

Autor: Guilherme Kamitsuji

Vai Cair!

É sempre a mesma coisa. Eu me acho tranqüilo, até que o trem de pouso descola do chão. Quando sobe, muda tudo. Imediatamente me dou conta da besteira que fiz por não ter preferido qualquer meio terrestre de transporte, por mais longa que a viagem seja. E não consigo sossegar enquanto não explodir, cair ou, em último caso, aterrissar normalmente.

Totalmente cético, não tenho nada sobrenatural em que me apegar, e, por melhores que sejam as estatísticas, as explicações e a minha confiança nas leis da física, simplesmente não é possível achar normal que toneladas de metal voem tão rápido, e, pior, me levando junto. Não tem nada de normal nisso! Estamos numa altura acima do Everest e ninguém parece ligar. "Será que só eu aqui tenho amor à vida?", me pergunto.

Em viagem mais longa, tenho certeza, não há NENHUM tipo de tragédia que eu não tenha imaginado. Desde o choque com outra aeronave, até a turbina falhando, a asa quebrando, o combustível vazando, parafusos mal apertados se soltando, pouso na água com explosão, piloto com "mal súbito" ou suicida, looping mal executado, controlador de vôo preguiçoso, meteoros, infarte, crise de apendicite, e por aí vai.

Tento dormir para relaxar, mas o efeito é logicamente o oposto. Fecho os olhos e começo a desenhar em minha mente a trajetória em espiral da queda, a ouvir com nitidez o grito desesperado de todos os passageiros, a sentir o calor da turbina em chamas. Eu me convenço de que da próxima vez vou levar na bagagem de mão um paraquedas, muito mais útil que o assento flutuador.

Cada curva e cada microturbulência são, para mim, o prenúncio do fim, pois mostram que estamos sem controle e que em breve o piloto anunciará a tentativa de pouso de emergência numa planície qualquer, que procuro lá embaixo mas não encontro. Inspiro. Expiro. Enquanto isso, os outros passageiros estão como na sala de casa, lendo, assistindo, conversando, digitando, batucando. O inconformismo é maior que a inveja. "Será que só eu aqui tenho amor à vida?", dessa vez me dá vontade de gritar. Mas fico firme na minha inevitável e incansável auto-tortura silenciosa.

Mudanças mínimas no som das turbinas me fazem já ler o meu próprio atestado de óbito em cópia autenticada. Aliás, desconfio mais quando o barulho é pouco, porque algo tão grandioso quanto ter a vida por um fio não pode ser silencioso.

Durante toda a viagem relembro os roteiros de O Náufrago, Lost, Premonição. Lembro do World Trade Center, do Malasyan Airlines, do Fokker 100. Nem Dilma, nem Aécio: todos os pensamentos mais próximos a política que consigo ter são relacionados a Eduardo Campos. Música? Apenas ouço a voz de Raul Seixas cantando Dentadura Postiça. Eu praguejo contra Santos Dumont, Irmãos White, até Leonardo Da Vinci e todos que contribuíram para essa barbaridade.

As mãos doem de tanto apertar os plásticos da poltrona, o que por alguma razão causa um pequeníssimo conforto.

Finalmente, anos-luz depois, pousamos com perfeição e segurança. Apesar de não ter havido nenhum tipo de incidente, por menor que seja, me sinto um sobrevivente, orgulhoso. Com os pés no chão, penso no quanto viajar é bom e vejo nessa insanidade um preço pequeno a ser pago. Começo a pensar e programar a próxima vez.

Talvez por não acreditar nele, deus tenha pregado em mim uma peça: me deu muita vontade de sair para conhecer o mundo, mas transformou justamente o céu em meu inferno na Terra.

Individualismo programado

O último Globo Repórter, que tive a infelicidade de assistir, fez uma propaganda descarada do individualismo.

O programa se dedicou a mostrar diversos casos de pessoas que nasceram pobres e "venceram" após muito "trabalho duro", "fazendo a própria oportunidade". Uma delas sequer deixa os filhos a ajudarem porque quer "chegar lá" sozinha.

A mensagem é clara: o caminho correto é o cada um por si, não a solidariedade e a luta pela transformação e por direitos. Em suma, o oprimido deve se submeter à opressão e, melhor ainda, assumir a lógica do opressor.

Mas o mais grave é a mensagem implícita, de jogar nos pobres a culpa pela própria pobreza, "fracassados" que são, como se tudo fosse questão de vontade e de esforço. Convenientemente, como qualquer veículo da grande mídia, escondem qualquer análise crítica sobre o porquê do sistema socioeconômico ser tão excludente e fazer dessas exceções tão raras a ponto virarem notícia.

Poderiam aproveitar a oportunidade para educar as pessoas, não emburrecer e embrutecer ainda mais. Mas sem isso a perversidade extrema do nosso capitalismo não sobreviveria, e a própria mídia estaria em risco. Infelizmente, nenhuma novidade.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Racismo e reação desumana

A menina errou ao chamar o goleiro de macaco. Disso ninguém tem a menor dúvida. Mas é possível julgar uma pessoa por causa de uma única atitude, cometida no calor do momento e da torcida em um jogo intenso de futebol?

Uma reportagem do Terra mostrou que os vizinhos da menina todos gostavam dela, falam que ela é uma pessoa boa, dizendo que acham, inclusive, que se tratou apenas de uma molecagem típica de torcida organizada para provocar o adversário, e não uma atitude intencionalmente racista. Segundo dizem, ela já teve namorado negro e os parentes estão desesperados postando fotos dela cuidando voluntariamente de crianças negras. Ela é santa por isso? Não. Mas também não é um demônio por ter feito o que fez. Ela é só humana, que acerta e erra, como todos somos. E é exatamente disso que se tratam, aliás, os direitos humanos.

Ela vai pagar pelo que fez, e deve mesmo responder nos termos da lei perante a Justiça. Agora, é fato que a lei não inclui, como punição, o apedrejamento da casa dela, a perseguição e a execração pública que ela está sofrendo. A vida dela foi destruída. Desde o tal jogo ela se refugiou na casa de parentes e nunca mais voltou para a casa, ao que tudo indica, ainda está totalmente desnorteada. Isso é proporcional? Será que é possível, por um instante, colocarmo-nos não só na pele do ofendido, mas também na dessa moça? E se fosse uma amiga ou parente nossa que tivesse feito uma merda dessas? Impressiona a velocidade com que pessoas autodenominadas cristãs se esquecem do “quem nunca errou que atire a primeira pedra”.

“Ah, mas ela serviu de exemplo!” Exemplo, amigo, é a Justiça que tem que dar mostrando que a lei é efetivamente cumprida. E outra: acho que a punição do clube é muito mais efetiva do que ficar compartilhando mensagens de ódio.

Essa fúria coletiva, no intuito de afirmar a importância de não se cometer determinado erro, o racismo, acaba levando a diversos outros erros, como se uma coisa justificasse a outra. A soma de tudo isso acaba sendo zero. Exatamente para isso existe a lei penal, para evitar que o espírito de vingança dite as regras e destrua vidas, que se não são inocentes, não deixam em nenhum momento de ser... humanas!

De todo o modo, fico curioso para saber por que quando o Danilo Gentile faz suas piadas racistas, a comoção pública não é nem 10% da que essa moça gerou.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Tiozão reacionário e você: Tudo a ver

Sabe aquele tiozão que acompanha o noticiário apenas pela Globo, que tem certezas absolutas sobre tudo que envolve política, que adora lembrar de como as coisas eram “melhores” durante o “regime militar”, que reclama da corrupção dizendo que odeia tanto o PT como o PSDB (mas que até duas semanas amava Aécio Neves), que tem como principal argumento chamar Lula de “sem dedo analfabeto” e Dilma de “sapatão”, que é contra o Bolsa Família por “sustentar vagabundos”, que odeia os médicos cubanos, que grita para todos que “direitos humanos são só para defender bandidos”, que é totalmente contra qualquer tipo de cota ou reserva de vaga porque, segundo ele, as oportunidades são iguais para todos, que fala que a Petrobras está falida, que vê o Joaquim Barbosa como um deus, que tem ódio mortal do MST e dos sem teto, que abomina manifestações que atrapalhem o trânsito, que sempre é contra sindicalistas e grevistas? Sabe esse cara? Seja curioso e pergunte pra ele em quem ele vai votar.

Agora você, que é jovem, bem informado, que, sabendo da manipulação que a grande mídia faz, lê as notícias em várias fontes diferentes para verificar qual a versão mais confiável, que vê a ditadura militar como uma época sombria e terrível da nossa história, que entende a importância dos programas sociais e de políticas que priorizem a redução da desigualdade social, que compreende a importância de trazer médicos para o Brasil a fim de atender os mais pobres, que sabe a importância dos direitos humanos para a história da humanidade, que conhece as razões históricas que justificam as cotas, que sabe que a Petrobras dá lucros extraordinários e passa longe de estar em crise, que já se informou a respeito do despotismo tirânico de Joaquim Barbosa, que entende a importância dos movimentos sociais, das manifestações e das greves para a conquista de direitos, enfim, você que guarda dentro de si ideais de um mundo melhor, mais justo e solidário, você mesmo, jura por deus que não vê nada de minimamente estranho em fazer a mesma escolha política que aquele tiozão?

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

PORQUE NÃO VOTAR EM MARINA SILVA

Após a lamentável e trágica morte de Eduardo Campos, o cenário político-eleitoral mudou completamente e a ameaça à Dilma e à continuidade das políticas sociais iniciadas por Lula já não é mais tanto o Aécio Neves, que teve a candidatura enfraquecida, mas sim Marina Silva.

Muita gente passou agora a ver a Marina como a representante da mudança, uma messias, a salvadora da pátria que vai livrar todos dos males do PT, do PSDB e dos outros partidos. Mas será que ela difere muito do que há de pior nesses dois partidos, sobretudo no PSDB? É como se, caso eleita, a corrupção fosse acabar no Brasil. Marina é o maior engodo político dos últimos tempos, uma candidatura insossa mas que virou o “canto da sereia”, que não resiste a uma análise crítica um pouco mais aprofundada.

Na verdade, inicialmente, ver Marina crescer foi positivo, porque Aécio ficava ainda mais longe de ser eleito, o que é, em si, uma vitória tremenda para o país. Contudo, pesquisando um pouco sobre quem é realmente Marina Silva e quais são as suas intenções no governo, percebe-se que, na verdade, do ponto de vista econômico e social, ambos não se diferenciam em quase nada. Pode-se dizer que Marina é, hoje, um Aécio mais esverdeado. 

Marina foi do PT durante mais de uma década, depois foi para o PV e, por fim, tentou fundar um novo partido, mas não conseguiu por falta de apoio e assinaturas necessárias. O partido que ela queria formar era “sem ideologia”, “nem de esquerda, nem de direita”, voltado especialmente para quem “está cansado de política”, na mesma esteira do sucesso eleitoral de Tiririca. Aliás, o último Presidente que vendia essa ideia foi Collor. Mais fácil que politizar as pessoas para decidirem conscientemente é desqualificar toda a política e, fingindo estar fora do jogo, fazer o povo de idiota. Luiza Erundina, companheira atual de partido de Marina, disse que ela “emburrece o debate político”, e é isso mesmo que está acontecendo. Afinal, alguém viu alguma proposta de Marina? Ela limita-se a falar que é “a cara da mudança”, que vai fazer a “nova política”, mas proposta que é bom, nada. Ou alguém sabe efetivamente o que ela vai fazer pela educação, saúde, segurança, saneamento,  infra-estrutura, transporte e demais questões sociais?

No “quem dá mais” político, para não ficar fora da disputa presidencial, Marina filiou-se a um partido qualquer, o PSB de Eduardo Campos, com o qual não tem nenhuma afinidade. Desde a sua entrada no partido para concorrer como vice, entrou em atrito constantemente. Agora, o próprio partido não sabe mais o que fazer com ela, que pegou para si a legenda, desvirtuando o programa deles. Diverge em vários pontos do próprio vice, assim como divergia de Eduardo Campos. Por exemplo, Marina antes disse que não apoiaria Geraldo Alckmin (embora seu partido apoiasse), agora diz que espera governar com o apoio de José Serra, aquele que afirmou não ver ilicitude na formação de cartéis, e seu vice atual aparece pedindo voto para Alckmin na TV. Essa é a “nova política”, baseada no velho oportunismo. Não à toa alguns já abandonaram o barco. Ela é um vazio. Não tem propostas e as que tem são altamente incoerentes entre si.

Como disseram: “Alguém que saiu do PT, saiu do PV, não conseguiu fazer o jogo político pra fundar um partido, foi aceita em uma legenda alugada mas está quebrando o pau lá dentro... Eu teria como melhor amiga. Mas tenho dificuldade em querê-la como Presidenta.” Sendo esse chamariz de conflitos, com que apoio Marina vai governar? Que nunca saibamos a resposta.

No mais, ela está garantindo a todos que vai "recrutar" os melhores para compor sua equipe, os melhores do PT, do PSDB e de outros partidos. Se ela fosse mesmo capaz de fazer isso o teria feito em seu próprio partido, que não foi fundado exatamente por falta de apoio. Vive mencionando que vai “unir todos os brasileiros”, negando veementemente a luta de classes, como antes defendia. Quer dizer, esse discurso de “grande conciliadora acima do bem e do mal” é megalomaníaco e nitidamente enganoso.

Sobre a candidatura, já pende um problema sério relacionado ao avião de Eduardo Campos ter sido comprado por empresas fantasmas, com suspeita de financiamento por caixa-dois da campanha. Ela disse no Jornal Nacional que sabia da irregularidade e que o avião teria sido emprestado, o que foi rapidamente desmentido, já que não havia empréstimo. Absurdamente, o pessoal do partido dela disse inicialmente que os documentos que comprovariam a regularidade da compra estavam dentro do avião (!).Não é o argumento perfeito para esconder qualquer coisa? A “nova política”, pelo jeito, eleva o cinismo a níveis superiores aos da “velha política”. Além disso, reportagem do Estadão mostrou que Campos, a quem Marina se aliou, enquanto era governador de Pernambuco havia favorecido o dono do helicóptero.

Para quem não se lembra, Marina fez uma gestão medíocre no Ministério do Meio Ambiente. Os dados são conflitantes, mas durante a sua gestão, ao que tudo indica, a Amazônia teve recordes sucessivos de desmatamento, o que só foi corrigido com a sua substituição pelo Ministro Carlos Minc. Falando em má-gestão, por que será que Marina ficou em terceiro lugar na última eleição presidencial justamente em seu berço eleitoral, o Acre? Quem conhece mais de perto parece não recomendar.

Sobre o fato, em si, dela ser evangélica, não há nenhum problema. Mesmo. O problema, na verdade, começa quando ela mistura política e religião, como se o estado brasileiro não fosse laico. Ela é, por exemplo, contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo e contra estudos com células tronco, mas a favor da isenção tributária às igrejas e templos religiosos. Aliás, embora ela hoje negue, já se pronunciou favoravelmente ao ensino do criacionismo nas escolas, ao lado do evolucionismo, como se a versão bíblica da origem do mundo e da vida tivesse algum tipo de embasamento científico minimamente comparável ao da teoria darwiniana, que até o Vaticano hoje em dia aceita. Ela chegou até a defender o racista, machista e homofóbico Marco Feliciano, enquanto presidente da comissão de direitos humanos, dizendo que ele estava sendo atacado apenas por ser evangélico, num vitimismo muito bem planejado para comover os desatentos.

Em outras palavras, em relação aos costumes e às leis moralistas que temos, se alguém deseja algum avanço, pode esquecer. Ela sequer discutirá algum dia pautas progressistas como, para citar dois exemplos, a legalização da interrupção voluntária da gravidez ou da maconha ou qualquer outra droga hoje proibida. O cargo político mais importante do País não pode ser ocupado por alguém que coloca a sua convicção religiosa pessoal acima do interesse público.

Ainda: é muito difícil dar voto a quem, pouco depois da morte de seu companheiro de chapa, afirma que foi salva por “providência divina”... Meio estranho a providência não ter simplesmente salvado Eduardo Campos e ela da morte, e não apenas ela. Apesar de entender a ambigüidade da declaração, contar com a providência divina não é um perfil especialmente adequado para um Chefe de Estado e de Governo. E quem acompanha o noticiário sabe que ela não perde a oportunidade de aproveitar-se da morte de seu companheiro como isca de voto. 

Como se não bastasse, reiteradas vezes ela já mencionou que é a favor a legislar sobre direitos humanos via plebiscito. Isso seria um completo desastre do ponto de vista da proteção às minorias e aos desassistidos. No Brasil, infelizmente, pouquíssima gente sabe o que são realmente os direitos humanos, seguramente a maior conquista da humanidade de todos os tempos, qual a sua origem e importância para a paz social. Levar isso a consulta popular é jogar os tudo isso no lixo, porque a noção que as pessoas têm sobre esses direitos é aquela fascista trazida pela grande mídia, de que "direitos humanos só protege bandido".  Uma candidata que nega dessa maneira os direitos humanos e a dignidade humana não merece o voto de ninguém. Interessante é que ela não quer fazer consulta popular a respeito da isenção de impostos para igrejas...

Recentemente ela disse que pretende adotar a "autonomia" do Banco Central. Parece uma declaração inofensiva, mas, traduzindo, ela assumiu de vez sua ideologia NEOLIBERAL, uma vez que bancos centrais autônomos são desvinculados da política do governo, mas, em contrapartida, vinculados às vontades das grandes empresas, dos banqueiros, dos bilionários, do mercado, do capital. Ou seja, é uma autonomia em relação ao povo; mas quem decide sobre a política econômica serão as elites, às quais Marina declarou seu incondicional amor no debate da Band (além de ter dito que o Brasil precisa de mais elite e que Chico Mendes, que deve ter virado cambalhotas no túmulo, era parte da elite).

Sua coordenadora de campanha é uma herdeira e sócia do Banco Itaú, Neca Setúbal. Justo Marina, que antes dizia que bancos eram “vorazes por lucro” e “não tinham nenhum compromisso com o povo”. E precisava ser justo do Itaú, que deve R$ 18 bi (mais de 4 vezes o gasto público federal com arenas da Copa) em impostos? Que forte interesse uma banqueira tem nas eleições, senão o de garantir que seu banco vai lucrar ainda mais, às custas do trabalho do povo? Como alguém escreveu, os jovens que foram às ruas em junho de 2013 contra os bancos vão votar na candidatura do Itaú?

Para completar, ela tem em sua equipe econômica políticos neoliberais declarados, como André Lara Resende, que sugeriu ao Collor que confiscasse a poupança popular e foi ligado ao PSDB na época de FHC, tendo, inclusive, participação nas privatizações, e Eduardo Giannetti da Fonseca. Este último disse recentemente que alunos de universidades públicas devem pagar mensalidades (o que indica a sanha de privatização) e que a Unicamp é fruto da ditadura, unicamente porque a Faculdade de Economia segue, em regra, uma escola de pensamento econômico diferente do (neo)liberalismo.

Para quem não sabe, neoliberalismo econômico é a doutrina que FHC seguia, do Estado Mínimo, que resultou em desemprego, inflação alta, juros altos, leis trabalhistas e direitos previdenciários revogados, salários reduzidos, empresas falindo e formação de monopólios, privatizações desastrosas, poucos e desprezíveis programas sociais. Por isso é perfeitamente possível dizer que Marina muito pouco se diferencia de Aécio Neves nesse ponto, que na verdade talvez seja o principal a ser levado em conta numa escolha política.

Por fim, e essa questão realmente me intriga: como é possível uma candidata que pretende impedir que o Estado intervenha na economia se dizer a favor da ecologia e da tão repetida “sustentabilidade”, se apenas o Estado pode adotar políticas que impeçam as empresas de destruir e degradar o meio-ambiente? As empresas, por si mesmas, vão deixar de poluir e respeitar a natureza? Isso ela não explicou, mas "neoliberalismo ecológico" é um exemplo de contradição em termos, um paradoxo, um oxímoro. Aliás, Marina é contra os transgênicos, seu vice, é a favor, e o interlocutor direto dela com o agronegócio, João Paulo Capobianco, disse recentemente, nessas palavras: "não somos contra, nem a favor aos transgênicos". Bela posição. Pelo menos combina com o “nem direita, nem esquerda”.

Sim, “nem contra, nem a favor”, “nem direita, nem esquerda”, “nem pra trás, muito menos pra frente”, apenas o poder pelo poder, a “boa” e velha política, pintada de verde para parecer nova, mas passada de podre por dentro.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Na Moral e Feminismo

Ontem o "Na Moral" foi sobre machismo. Até que foi interessante, mas acho que deveriam escolher melhor as pessoas que vão lá defender ideias. Digo, o lado feminista estava extremamente bem representado, mas o lado contrário estava um fracasso.

Havia uma autodenominada "filósofa", contrária ao movimento feminista, dizendo que as mulheres não devem nada ao feminismo, pois, segundo ela, o próprio avanço da democracia já permite a conquista de direitos pelas mulheres. É necessário ser filósofo para ver nesse argumento um engodo?

Ora, em Atenas havia "democracia" e as mulheres passavam longe de ter alguma voz. Hoje, a democracia já avançou bastante e ainda assim as mulheres são vítimas de violência doméstica, são assediadas na rua, ganham menos que o homem, não podem se vestir como bem entendem sem serem julgadas, etc. Inclusive, basta lembrar que se deu no Canadá, uma sólida democracia, o episódio do policial que reclamou das roupas das mulheres, dizendo que elas não deveriam se vestir como vadias, gerando protestos e desencadeando a famosa Marcha das Vadias mundo afora.

Quer dizer, o próprio conceito do que seja democracia é mutável no tempo e no espaço, e a história mostra que apenas a luta organizada dos oprimidos, tal como fazem as militantes feministas, gera a conquista de direitos, o que no fundo se traduz na distribuição do poder na sociedade - poder este que, no capitalismo desregulado, tende a se concentrar exclusivamente nas mãos dos mais ricos e conservadores.

Ainda, a "filósofa" afirmou que a repercussão negativa que recai sobre as mulheres vítimas de revanche pornô (divulgação pelo ex-namorado de vídeos de sexo do casal) não tem nada a ver com machismo, pois poderia existir o caso de homem ser filmado brochando, o que seria, também, igualmente vergonhoso. Porém, na verdade essa idéia acaba confirmando a tese feminista. Ora, o homem precisa brochar para ser estigmatizado (essa supervalorização da "potência" sexual é também uma forma de machismo); já para a mulher, só o fato de ter feito sexo já é motivo de vergonha, afinal, as mulheres são criadas, conforme a Bíblia, para se tornarem donzelas, subservientes aos homens (1 Coríntios 11:3; Efésios 5:23).

Se são nessa linha os argumentos antifeministas, não há dúvidas de que o movimento feminista é, sim, de suma importância para a efetivação da igualdade entre os sexos e, por consequência, para o fortalecimento da democracia.

E convenhamos, homens: brochante mesmo é mulher antifeminista.

sábado, 12 de julho de 2014

O “imagina na Copa” ficou só na imaginação.


Disseram que seria um fracasso, que iríamos passar vergonha, que os estádios não ficariam prontos, que haveria insegurança, arrastões e tumultos nas ruas, que os aeroportos não funcionariam e que teria caos aéreo, que os atletas ficariam mal instalados, que uma epidemia de dengue iria estragar a festa, que o trânsito iria parar as cidades e prejudicar os jogos, que haveria atentados do PCC, dentre outras previsões sombrias que foram sendo desmentidas com o tempo. O “imagina na Copa” ficou mesmo só na imaginação.

Problemas pré-Copa de fato existiram. Houve desalojamentos, muitos sem a devida assistência às famílias por parte dos governos, e mortes de operários das obras, causadas por negligência, para os quais de fato “não teve Copa”. E não se esqueça de uma espécie de “estado de exceção” imposto pela autoritária FIFA, e aceito pelo governo, como condição de realização do evento. Que seja repensada a forma anti-democrática de realização desse tipo de evento.

Tirando esses pesares, que não devem ser esquecidos, o que se viu foi um evento que, salvo um ou outro problema de logística normal pela sua magnitude, empolgou e arrancou elogios do mundo todo. Nosso povo, essa gente bronzeada, soube mostrar seu valor. “Os brasileiros são o conjunto de almas mais acolhedoras com que eu já me deparei”, disse o jornalista do Wall Street Journal. Quem veio quer voltar. Quem podia e não veio, tal como quem estava aqui e não aproveitou, arrepende-se até o último fio de cabelo.

A eliminação traumática da seleção brasileira fica como um detalhe triste, desses que nos farão perguntar "por que" ainda por um bom tempo. Mas futebol é esporte, e esporte tem dessas. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. (Aliás, antes tomar essas duas surras e ficar entre as quatro melhores seleções do mundo do que fazer uma campanha igual à da Espanha ou de Portugal, ambas que também tomaram goleadas e sequer passaram para a segunda fase.)

A maioria das coisas que realmente deram errado foram relacionadas à FIFA, desde a fraca apresentação de abertura, os horários de alguns jogos com sol a pino, as porcarias de árbitros, a limitação aos ingressos populares, até a máfia dos ingressos clandestinos, que acabou desbaratada e presa. A torcida xingou a Presidenta e chegou a vaiar o hino do time adversário, mas, no geral, torceu como se deve. As polícias, truculentas e arbitrárias, mais uma vez deixaram claro que não sabem lidar com manifestantes.

O que se passou diante dos nossos olhos foi mesmo a Copa das Copas, dentro e fora de campo. Que não percamos a oportunidade de refletir sobre a exclusão social evidenciada por esse mega evento, inerente a qualquer empreendimento capitalista. Mas também sejamos justos: Se desse tudo errado, como torciam os pessimistas, todos iriam afoitos colocar a culpa no Lula e na Dilma; como deu tudo certo, que eles dividam, sim, com nosso povo, os louros e méritos dessa vitória que trouxeram para o país, mostrando a todos que somos competentes e agimos como gente grande quando há, além do nosso gingado característico, planejamento, organização e empenho. O país está mais rico agora, não só pelas dezenas de bilhões de reais que a Copa gerou, mas porque nos colocamos à prova e passamos no teste com louvor.


Imagina nas Olimpíadas!

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Não ser um idiota útil cansa


Não ser um idiota útil cansa demais. Às vezes eu sinto alguma inveja dessas pessoas que simplesmente reproduzem qualquer discurso de ódio sem se preocupar com a fonte, sem averiguar a veracidade da informação, sem refletir sobre qual o interesse envolvido na disseminação daquela informação. É só acreditar e repassar, sem nenhuma preocupação com honestidade intelectual nem nada disso. Nenhum esforço. Mas eu não conseguiria ficar bem comigo mesmo se procedesse dessa forma. Todavia, infelizmente, vejo que faço parte de uma minoria.

É cada vez mais frustrante tentar conversar sobre política ou sobre qualquer questão social por aqui. O debate é muito despolitizado, a educação política e a noção de cidadania que se tem é absurdamente rasteira. Chega a ser um crime contra o nosso povo o nível de ignorância que a média da população apresenta a respeito de questões políticas, e não estou falando apenas dos mais pobres e sem estudo, que de fato não têm grandes oportunidades de conhecer bem sobre esses assuntos.

O que eu vejo acontecer muito é que temos uma pessoa que olha o mundo e vê que há muita coisa errada, políticos corruptos, pessoas desonestas por toda a parte, crimes acontecendo a todo instante, gente mal educada e etc. Essa pessoa enxerga isso tudo e fica revoltada com a situação, querendo mudanças. Então, ela, bombardeada pela alienação torrencial da mídia, que se soma à falta de educação crítica e crônica, começa a colocar a culpa de todos os males no que a mídia escolheu pra ela como sendo os inimigos: sindicatos, grevistas, manifestantes, "maconheiros" da USP, sem terra, sem teto, direitos humanos, estatuto da criança e do adolescente, direitos trabalhistas, leis e garantias penais, drogas, índios, ambientalistas, militantes dos movimentos negros, LGBT, feministas, ateus, e etc. 

Ao mesmo tempo, começa a achar que o Bolsonaro, a Sheherazade e o Joaquim Barbosa é que são os heróis, por supostamente falarem “corajosamente” o que pensam e “quererem mudar” alguma coisa, sem se dar conta de que na verdade essas figuras são representantes de tudo o que há de mais covarde e atrasado, sendo os que puxam o Brasil para a "vanguarda" do atraso, militando, na verdade, contra uma sociedade verdadeiramente justa e democrática.

Sei que há pessoas que são conservadoras instruídas e convictas, que não vêem qualquer problema na concentração de renda e na desigualdade social, que odeiam qualquer ato de rebeldia contra os desmandos do capitalismo desregulado e selvagem, que acham que pobre é pobre sempre porque se acomoda, que a ditadura militar foi excelente, que direitos trabalhistas e previdenciários devem ser abolidos, e etc. O problema não são esses, até porque eles são minoria, numericamente não causam qualquer temor de retrocesso. O real problema, na verdade, são esses que por falta de educação crítica, por ignorância ou simplesmente por preguiça de pesquisar e pensar mais detidamente sobre os assuntos políticos, limitam-se apenas a, como robôs, reproduzir um discurso fácil e maniqueísta que já lhes vem pronto via Jornal Nacional, Datena, TV Revolta, Veja, e etc., como verdadeiros idiotas úteis.

Sério, quantas pessoas que se dizem contra os direitos humanos sabem, mesmo que por cima, o que de fato sejam direitos humanos, como surgiram e pra que servem? Quantos dos que criticam o Estatuto da Criança e do Adolescente já leram ao menos um capítulo dessa lei? Quantos que acham que o socialismo é uma espécie de encarnação do mal sabem ao menos definir o que é socialismo, conforme preconizado por Marx? Quantos dos que falam que o Bolsa Família gera vagabundos já leu alguma estatística sobre os beneficiários, sobre o número deles que abandonou voluntariamente o benefício, e sobre a revolução social que o benefício, que é exemplo mundial no combate à pobreza, tem causado nas regiões mais pobres do país? Quantos dos que querem jogar os condenados do “mensalão” na fogueira, de fato leram algum especialista sério falando sobre as condenações (porque o “mensalão” do PSDB nem sequer sabe que existe)? Quantos se dizem contra a Copa (não que o modo como foi organizada não mereça críticas) sem ter nem ideia do porquê, acreditando nas inúmeras falácias que se divulgam por aí sobre o evento? Quantos falam que Cuba é uma ditadura sem nunca ter lido nada a respeito da política na ilha?

O que pouca gente parece ver é o seguinte: quem detém o monopólio da informação e da opinião pública são empresas privadas poderosas, que fazem de tudo para não permitir, por si só, que a grande massa tenha acesso a informações e opiniões que lhes contrarie os interesses. Por isso dá muito mais trabalho ter pensamento crítico de verdade, não um pensamento "crítico" já pronto, imbecilizado, feito pra vender e pra manter as coisas exatamente como estão, como o que diz Bolsonaro, Sheherazade, Datena e companhia.

Isso de certa forma explica por que muita gente não gosta de acadêmicos das ciências humanas (embora muitos deles também se formaram para defender interesses dos poderosos), porque eles, em geral, são formados exatamente para fazer o que os demais têm preguiça, que é olhar para o mundo, refletir de forma densa sobre ele e propor soluções para os problemas (exceto os formados em Direito, que são na maioria das vezes formados justamente para manter as coisas como estão). 

Afinal, ninguém contraria apaixonadamente o parecer de um oftalmologista sobre um problema de visão sem antes estudar minimamente o assunto, mas, de outro lado, discute cada afirmação dita por um sociológico ou um especialista em direitos humanos sobre algum problema social, mesmo sem sequer saber o que foi dito. É sempre mais fácil agir como um colunista da Veja, que nunca fala coisa com coisa, do que pesquisar e refletir. 

Não estou dizendo que todos devemos ser especializados em todos os assuntos, mas seria de bom tom ao menos conferir a informação e pesquisar sobre o que se está falando antes de soltar qualquer besteira em caixa alta. Ok, concordo que algumas vezes a pessoa é limitada ou mentirosa mesmo, mas na maioria delas é preguiça pura. Em boa medida, isso é reflexo da política educacional da ditadura, que excluiu o senso crítico da escola, resultando em sucessivas gerações de zumbis repetidores raivosos. É triste... E cansa. 

Enfim, se você tem uma revolta dentro de si e quer alguma mudança, a atitude mais revolucionária que você pode fazer é se informar bem, pesquisar e, refletir, para só depois tomar partido.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Marxismo cultural


Esse marxismo cultural é que está acabando com o Brasil mesmo!

Quantas pessoas, de tanto assistirem aos jornais e novelas da Globo, da Record e do SBT diariamente, por horas a fio, acabam se revoltando com a exploração extrema do capital, pegando em armas e quebrando bancos para promover a revolução comunista?

Quantos espectadores que acabaram de assistir ao Homem Aranha, ao Homem de Ferro e ao Capitão América passam a falar apenas em mais valia, materialismo histórico e a pregar a emancipação dos trabalhadores?

Quantos milhões de pacientes não lêem nos consultórios as edições semanais da Veja, da Caras e da Boa Forma e imediatamente compram passagem para Cuba a fim de treinar táticas de guerrilha?

Quantos, após ler Paulo Coelho, Dan Brown e Augusto Cury e verem exposições do Romero Brito, não foram a Brasília tentar repetir, desta vez com sucesso, uma nova Comuna de Paris?

Quantas pessoas não vão ao teatro assistir a um stad up do Danilo Gentili ou a uma peça do Arnaldo Jabor ou do Jô Soares e, na volta, acabam se vendo obrigados a passar comprar uma camiseta do Che Guevara e a se filiar ao partido comunista?

Quanta gente, de tanto ouvir as músicas do Michel Teló, do Thiaguinho, ou do Mc Guimê, verdadeiros gritos de guerra bolcheviques, não se sentem no dever de, com outros trabalhadores, impor à força a socialização dos meios de produção?

Quantas pessoas não saem de casa e se vêem inundadas em meio a propagandas e símbolos do comunismo soviético, como a Coca Cola, o Mc Donald’s e a Starbucks, em uma conclamação direta ao leninismo?

Quantas pessoas não têm como ídolos e exemplos de vida Silvio Santos, Antônio Ermírio de Moraes e Roberto Justus, conhecidos agitadores subversivos ao sistema de dominação econômica e social?

A resposta a todas essas perguntas é, invariavelmente: milhões e milhões, quiçá bilhões, ou mesmo trilhões, de pessoas.

É, a direita precisa reagir com urgência, pois a esquerda possui mesmo o monopólio cultural de nosso tempo. Mais um pouco e estarão conseguindo construir uma sociedade mais justa e igualitária, o que é inaceitável.

Conservadores do mundo, uni-vos!

terça-feira, 29 de abril de 2014

Estopim da Nova Consciência


Eu sou filho da classe média, e, como tal, cresci com muitos preconceitos infundados em relação aos mais pobres, preconceitos esses cuidadosamente instalados em mim por todas as estruturas sociais, desde a mídia, a igreja, até a escola.

Deu trabalho pra me libertar disso tudo, se é que inconscientemente ainda não restam alguns vestígios. Fato é que chegou um determinado momento em que eu percebi que a "neutralidade" que eu tentava manter era, na verdade, uma posição covarde, extremamente útil a um dos lados da batalha, sempre o lado mais forte, que estava ganhando de lavada. Portanto, não tinha nada de “neutro”. 

Precisou de muita leitura, muito estudo, muitas conversas, muitas discussões, muita reflexão pra eu definitivamente tomar uma posição. Como diz Renato Russo:

“Depois de 20 anos na escola
Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser”

Uma das coisas que eu não entendia dos mais pobres era por que muitos deles não gostavam de polícia. Pra mim, que era branco, pertencia à classe média e ouvia rock (e não funk), a polícia estava lá para nos proteger dos bandidos, e se a pessoa não gosta dos policias, só podia ser bandida. Mas eu via pessoas próximas, muito boas, que odiavam a polícia, especialmente a PM. Por que? 

Essa questão, eu vejo hoje, é de suma importância, porque entendendo esse ponto de partida se consegue compreender inúmeras questões sociais. Pelo menos foi ela quem despertou em mim a curiosidade pra saber o que de fato acontecia, indo além do que as mídias mostram de forma extremamente tendenciosa, condizente com seu projeto ideológico de dominação.

Achei o comentário abaixo perdido numa notícia do Estadão, de um morador de favela sobre o assassinato do dançarino da Globo, que resume tudo: 

"Sera que vcs classe média alta ainda não perceberam que quem mora na favela não tem medo de traficante, pois os traficantes só mexem com quem mexe com eles, aki o nosso medo é contra esses malditos policias ai que invade nossas casas e bota terror em todo mundo aki só porque é favela, o que eles fazem com nóis aki é tipo abaixa a cabeça e fica quieto e deixa nóis fazer o que quiser, aki na favela toda a noite trancamos nossas portas e fechamos nossas janelas não por causa de ladrão ou traficante, aki o medo é outro nóis tracamos tudo pra não correr o risco de acordar com um fúzil ou uma ponto 40 apontado na cara e levando esculacho na frente do filho e da esposa, mesmo sem ter uma passagem seqer, mesmo vc sendo trabalhador, eles não querem saber de nada disso, a única coisa que importa pra eles é que vc mora na favela e por isso vc não presta, essa é a nossa realidade aki."

Esse era o único comentário que não defendia a polícia e as suas execuções sumárias ao qual nenhum conservador raivoso respondeu, talvez por saberem, pelo menos inconscientemente, que o texto só diz a verdade, muito mais verdades que muito texto de articulistas, sociólogos, antropólogos, e demais "especialistas".

terça-feira, 15 de abril de 2014

Conversão à direita

Dia desses vi alguém dizer que o mundo é assim mesmo, cruel, injusto, desigual, e que devemos aceitar essa realidade e nos esforçar para vencer na vida.

Pensei a respeito e concluí que essa pessoa tem toda razão. Genial!

Antes eu achava injusto que existissem pessoas que não têm onde morar e nem o que comer, enquanto outras velejavam em seus iates e faziam coleção de Ferraris. Hoje vejo o quão idiota eu era. É tudo questão de esforço pessoal! O sistema é maravilhoso porque proporciona oportunidades iguais para todos subirem e vencerem na vida, e por “vencer na vida” entenda-se “ganhar muito dinheiro”.

Assim, quem nasce em uma favela, filho de empregada doméstica e de porteiro semi-analfabetos, tem a mesmíssima chance de se tornar presidente de uma empresa multinacional do que o filho de um executivo milionário. Tudo é questão de trabalho duro. Vi que, no mundo, 85 pessoas detêm mais riqueza do que 3,5 bilhões de pessoas e, meu deus!, como eu admiro esses 85, porque eles se esforçaram e trabalharam mais do que metade da humanidade, um exército de vagabundos, dentre os quais eu me incluo - por enquanto, pois estou me esforçando para ser o 86º!

E concluí isso porque conheci casos de gente que nasceu bem pobre e tornou-se muito rica. Acontece isso com uma pessoa em um milhão, mas pra mim já basta. É só ignorar 999.999 casos e pegar aquele único de exemplo e, pronto!, está “provado” que o sistema funciona e é bom pra todo mundo!

Por esse mesmo raciocínio, concluí que a escravidão era excelente, pois a história mostra que alguns escravos conseguiram se libertar e virar, eles mesmos, proprietários de escravos, ou seja, só continuava escravizado quem quisesse! Aliás, seguindo nesse pensamento, não existiu holocausto na Alemanha Nazista, pois houve casos de judeus e negros que conseguiram fugir e acabaram sobrevivendo, o que mostra que só morreu quem quis, comprovando que aquele regime não era cruel. Da mesma maneira, vendo reportagens sobre violência sexual percebi que algumas mulheres conseguiram reagir e se livrar de estupros, donde concluí que mulher só é estuprada quando quer, por “sem-vergonhice” mesmo, uma vez que se quisesse teria evitado a conjunção carnal.

Enfim, achar um exemplo de “superação” e com isso julgar todas as outras vítimas de determinada injustiça é sempre a melhor saída para negar a própria injustiça! O injusto vira justo num passe de mágica. Como não pensei nisso antes? Maldito petralha comunista esquerdopata que eu era!

Afinal, quantos peões de fábrica a gente não vê por aí cotidianamente comprando a fábrica onde trabalha e ficando mais rico que o próprio patrão? (Pausa reflexiva) Bom, sinceramente não estou lembrando, no momento, de nenhum caso (Walter White não vale), mas deve existir algum... Cortadores de cana, por exemplo, são todos preguiçosos, não trabalham como deveriam, já que se pegassem no batente direitinho seriam bilionários; já o Eike Baptista, esse sim é trabalhador, pois se esforçou arduamente para assinar a papelada da herança do patrimônio que o seu papai construiu aliando-se à ditadura militar, e seu filho Thor, coitado, terá o mesmo destino.

Doravante, acho absurdo o pensamento de quem discorda de mim, geralmente esses que se revoltam contra a injustiça que acomete os outros e se juntam a eles na luta para que as coisas mudem. Quem presencia uma injustiça, penso eu, tem que se calar - como diz o meu novo deputado favorito Jair Bolsonaro – e não querer ajudar. Do contrário, se estará violando o direito sagrado que o opressor tem de continuar oprimindo o mais fraco. Aí já é vandalismo!

E quando argumentam comigo, dizendo que sou insensível, eu imediatamente mudo de assunto e parto para o ataque pessoal, de duas maneiras:
(i)     perguntando por que a pessoa tem iPhone, já que o capitalismo é tão ruim, mas para isso cinicamente finjo que desconheço os fatos da internet que o celular usa ser proveniente de entidade estatal, e não do livre-mercado, e dos satélites, também usados pelo smartphone, terem sido inventados pelos comunistas; e
(ii)    perguntando por que a pessoa não doa sua casa e seus bens para os pobres, afinal, o que conta não é a luta coletiva feita de modos efetivos para resolver definitivamente o problema, e o fardo de todos esses séculos de injustiça é exclusivamente de quem se propõe a ajudar, ou seja, quem não faz voto de pobreza tem o dever de achar o capitalismo justo e maravilhoso, e nesse ponto, dissimuladamente finjo não saber que a luta dos esquerdistas é pela socialização dos bens de produção, e não dos bens pessoais.
Mas tudo bem, pelo menos desvio o assunto, pois meus argumentos pró-“trabalho duro”, por alguma razão que ainda desconheço, não costumam convencer muitas pessoas, sobretudo as mais letradas, talvez por não estarem ainda preparadas para minhas revelações tão perspicazes.

Agora me dêem licença que eu vou comentar notícias nos grandes portais, em caixa alta, xingando os miseráveis, falando mal dos direitos humanos e pondo a culpa de todos os males do país, de Cabral até hoje, no PT.