sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Black Mirror: Quarta Temporada!

Por não ser um grande entusiasta da terceira temporada, eu achei que Black Mirror vinha caindo de produção. Mas aí chegou essa quarta temporada que, mesmo tendo também 6 episódios, como a terceira, foi muito digna da primeira e da segunda. Ufa, o problema não era a quantidade! 

Atenção: Este texto contém spoiler e é para quem realmente gosta muito dessa série. Eu sou até meio obcecado, já assisti pelo menos duas vezes quase todos os 19 episódios, alguns 3, outros 4 e outros eu realmente perdi a conta. Quem não liga muito provavelmente vai achar tudo uma grande besteira, então, nem comece. rs

Interessante observar a importância crescente da captura (download/upload) da consciência humana pela tecnologia. Como lidar com uma máquina que tenha sentimentos realmente humanos? Esse tema é velho e, se a gente pensar bem, é só uma variante da questão que atormenta a humanidade há milênios: O que nos faz humanos? Recorte semelhante já havia sido explorado inúmeras outras vezes, como na história do Frankenstein e nos filmes O Homem Bicentenário (1999), A. I. Inteligência Artificial (2001), Ela (2013) e Ex Machina (2015). E, também, no próprio Black Mirror, tanto na segunda temporada (com White Christmas) quanto na terceira (com San Junipero). Mas agora a questão foi levada ao extremo na quarta (com USS Callister, Hang The DJ e, sobretudo, Black Museum). Será que houve esgotamento? Tudo depende da criatividade dos roteiristas. Eu mesmo imagino a junção da tecnologia dos cookies presente no White Christmas com a de Be Right Back, o que resultaria num clone artificial com a própria consciência da pessoa clonada! Seria de assistir rezando.

Apesar de alguns exageros pontuais nos enredos, a questão essencial, que é a reflexão sobre a nossa relação potencialmente problemática com a tecnologia, sai ilesa de cada um dos episódios. 

Brevíssimos comentários sobre cada novo episódio:

1) USS CALLISTER
O menos bom, a meu ver. Tem severos problemas no roteiro. Por exemplo: (i) uso de DNA para produzir um clone virtual com a mesma consciência da pessoa original. Isso é completamente absurdo; (ii) num primeiro momento, os botões da nave são indiferentes, não fazem nada relevante. Depois, quando interessou, foi possível usar os botões na programação do jogo para enviar mensagem a uma pessoa fora do jogo; (iii) a inexplicável facilidade da invasão da casa do Daly pela Cole; e (iv) a difícil de engolir prisão do Daly no jogo. Ora, se o cara é um ultra-gênio da programação, porque diabos não fez um sistema mais seguro face a possíveis bugs como aquele? O cara morreu porque o jogo foi deletado! Ah, faça-me um favor! Apesar disso, acho um episódio divertido. De Volta Para o Futuro II tem um gravíssimo furo de roteiro e nem por isso deixa de ser um dos meus filmes prediletos. E também o ar retrô de Star Treck é muito interessante. Gostei do final, quando a voz do Jesse Pinkman (Breaking Bad) deixa claro que aquela liberdade recém-conquistada dos personagens não era lá tão livre assim. E eles, cujo único desejo era não participar mais daquele jogo, acabam jogando voluntariamente, algo que me lembra um pouco o fim de Bing, do episódio 15 Milhões de Méritos.

2) ARKANGEL
É simplesmente brilhante. Remete ao tema da perda da privacidade, já explorado de forma espetacular em The Entire Story of You, mas desta vez abordando o perigo desse tipo de tecnologia para as crianças, em especial com pais super-protetores. Também esbarra num tema já tocado no episódio de Natal (White Christmas) e no Engenharia Reversa (Man Against Fire), que é o bloqueio ou manipulação, literalmente, da visão e da interação para certas coisas: naqueles casos, pessoas indesejáveis; neste, acontecimentos que causem medo e apreensão nas crianças. E ainda há uma cutucada na questão das grandes empresas que - na busca por lucros imediatos e sem fazerem testes de longo prazo em novos produtos -, embora embasadas em propagandísticos "depoimentos inspiradores", vendem novas tecnologias sem a devida segurança.

3) CROCODILE 
Outra obra prima. Também toca no mesmo tema da falta de privacidade. Como seria viver num mundo em que não se pode esconder nada? É ainda mais assustador que The Entire Story of You, em que é possível se livrar daqueles olhinhos que tudo registram, porque aqui em Crocolile a memória de qualquer pessoa ou animal pode ser acessada sem muita dificuldade. É o ser humano perdendo as capacidades essenciais e vitais de omitir, distorcer e mentir. Aliás, é exatamente isso que condiciona o comportamento mortal da protagonista, ou seja, o medo de alguém resolver investigar as coisas, já que inevitavelmente seu crime seria descoberto.

4) HANG THE DJ 
Muito bom também. Ele eleva as discussões sobre os algoritmos a nível inimaginável. Final bem surpreendente.

5) METALHEAD 
Visualmente, é o mais bonito da temporada. Fotografia maravilhosa. Ação de tirar o fôlego do começo ao fim. Mas é o mais misterioso também. Assisti duas vezes em seguida para ver se tinha pulado alguma informação especial, mas não encontrei nada. Procurei na internet e achei uma entrevista com o roteirista e, de fato, ele quis propositalmente deixar a história pela metade, não explicar o que estava acontecendo. O que ele pretendeu mesmo foi problematizar os robôs do mundo real projetados pela Boston Dynamics, idênticos aos do episódio, dizendo algo como “e se essas coisas, que já existem, caralho!, forem programadas para matar?”. Entendo quem não curtiu muito, mas eu meio que estou acostumado com filmes e curtas que são nessa pegada de jogar para o expectador completar a história. Eu interpretei como um mundo pós-apocalíptico em que os robôs “resolveram” exterminar todo tipo de vida. E li uma crítica com a qual eu concordei bastante, dizendo que o episódio tem uma visão otimista sobre o ser humano, já que aquelas três pessoas, alguns dos últimos sobreviventes, resolvem arriscar a própria vida apenas para pegar um brinquedo e fazer os últimos dias de uma criança, provavelmente atingida por um rastreador, mais feliz.

6) BLACK MUSEUM 
O melhor da temporada. Está pau a pau com o meu episódio preferido de todos, que é o White Christmas. Mostrou como nenhum outro o que a junção da crueldade humana banalizada com a tecnologia são capazes de fazer. Capturar a consciência humana e infligir sofrimento torturante perpétuo – sim, é impossível morrer para se livrar do mal – seja por simples exposição, seja para dar esse sofrimento como “brinde” a visitantes, é realmente o maior sinal de que a humanidade deu errado e precisa acabar. Para quem, como eu, já havia ficado aterrorizado com o final de White Christmas, em que o cookie é deixado ligado no Natal com a sensação de tempo acelerada em mil anos por minuto (o que, segundo calculei, dá alguns milhões de anos), esse sofrimento perpétuo é realmente o fim do mundo. E além de tudo o episódio é muito bem feito, prende a atenção, tem reviravoltas e é emocionante. Nota 10/10 com louvor.

Mais uma vez a missão dessa série foi cumprida: deixar para o expectador mais perguntas que respostas.

Obsolescência Programada e a Moralidade do Capitalismo

O documentário “A História Secreta da Obsolescência Programada”, apesar do nome meio besta, é muito interessante. Deixa bem claro que a irracionalidade do consumo é um dos grandes pilares desse capitalismo que temos hoje e mostra o quanto é ridículo dizer que se trata de um sistema eficiente. Como pode ser eficiente se é baseado na própria ineficiência? Sem falar da questão ética, de se produzir coisas propositalmente inúteis e defeituosas. Resumindo:

1) Produtos que deveriam ser duráveis são, na verdade, feitos para estragar após um tempo de uso. Começou com as lâmpadas e hoje essa lógica está em praticamente tudo e é até ensinada nas faculdades ligadas ao mercado como “ciclo da vida útil do produto”.

2) O documentário mostra casos de donos de fábricas de lâmpadas e de tecidos que propositalmente pediram para seus engenheiros e químicos baixarem a qualidade dos produtos para que esses estragassem mais fácil e rapidamente, gerando mais consumo e, portanto, mais vendas.

3) Nos EUA, inclusive, na década de 30, a coisa chegou ao ponto de surgir um projeto de lei para obrigar as empresas a estabelecer um prazo máximo de duração dos produtos, institucionalizando a obsolescência programada. O projeto não passou, mas os cartéis de obsolescência sempre funcionaram a todo o vapor. E se pensarmos bem, a “garantia” dos produtos, com baixíssimos prazos mínimos, acaba fazendo o papel dessa lei: garantir que o consumidor fique desprotegido quando o produto estraga de forma programada.

4) Muito boa a parte sobre a União Soviética, cujo sistema não se baseava no consumo irracional. Lá, os produtos sempre foram feitos para durar e de fato duravam. Muitos duram até hoje. Aliás, a Alemanha Oriental chegou a ter uma lei que impunha que eletrodomésticos deveriam durar 25 anos.

5) Grandes empresas que se vendem como “sustentáveis” ou “verdes” simplesmente depositam seu lixo eletrônico em países pobres da África, como Gana, que está virando um grande lixão do mundo. E os produtos se originam também de países capitalistas que “deram certo”, como os escandinavos, donde se percebe que a coisa não deu tão certo assim.

Conclusão: O capitalismo, ainda que se tire a questão da exploração do trabalho humano, é fundado, em sua essência, no monopólio, no egoísmo, na ineficiência, no engodo e na falta de ética.

Link para o documentário: https://www.youtube.com/watch?v=o0k7UhDpOAo

A Guerra Contra a Direita

Amigos de esquerda, é o seguinte. Na guerra contra a direita, estamos hoje perdendo de lavada. Temos que entender todas as estratégias que eles estão usando para, só assim, conseguirmos responder à altura.

Uma das artimanhas sujas deles – não sei se todo mundo já percebeu isso com clareza – é promover o revisionismo de certos fatos históricos e até de conceitos. Eles falsificam grosseira e desavergonhadamente a realidade para impor a própria ideologia liberalesca. Talvez a principal “tese” deles, divulgada sempre como verdade absoluta, seja dizer que onde o Estado intervém há, ipso facto, fascismo e esquerdismo (exceto quando realmente há fascismo, por exemplo, nas atuações truculentas da polícia, que eles sempre fazem questão de apoiar). Daí eles tiram conclusões completamente absurdas e ilógicas, como a de que a CLT é fascista ou de que o fascismo, o nazismo e inclusive a ditadura civil-militar (1964-1985) eram de esquerda! Também se apegam a nomenclaturas: Não gostam do uso da palavra “capitalismo” (preferem “livre-mercado”) e combatem o uso do termo “neoliberalismo” (porquanto se trataria de uma palavra “ideológica”). A coisa ganha até ares lúdicos quando eles colocam no topo do "ranking de liberdade econômica" os países escandinavos. E, é claro, eles não se dizem "de direita", obviamente tentando passar a ideia de que são imparciais - os mais ingênuos de fato acreditam piamente na própria neutralidade.

E se a gente pensar bem, faz todo o sentido do ponto de vista deles. Pensem comigo: a direita nunca fez absolutamente nada de bom na história humana. Rigorosamente coisa nenhuma e não vai ser agora, com fãs de Olavo de Carvalho e leitores do Mises.org, que isso vai mudar. E até hoje eles não têm coragem de expor à luz do dia suas reais intenções. Afinal, dizer que pretendem a eternização das desigualdades e o favorecimento do grande capital em detrimento da classe trabalhadora, digamos, não pega lá muito bem. Então, o que lhes resta? Falar mal da esquerda. Eles vivem disso. Sim, podem ver, esses ícones da direita atual - Bolsonaro e Dória, por exemplo - não têm nenhuma proposta para nada, são marionetes e bobos-da-corte do capital financeiro que apenas conseguem simpatizantes por falar mal da esquerda, surfando tanto na onda mundial de direita quanto no anti-petismo extremo e radical forjado pela mídia durante todos esses anos. Tirando isso deles, não sobra nada. Afinal, qualquer cidadão, por mais manipulado que seja, percebe que foi só a direita "puro sangue", representada por Temer e seus comparsas, chegar ao poder que as coisas foram de simplesmente ruins para o verdadeiro inferno na Terra.

Por isso, uma reação nossa deve obrigatoriamente passar por aí, colocando as coisas no seu devido lugar, desfazendo essa mentira anacrônica e economicista deliberada de tentar reduzir tudo a “Estado malvadão” contra “defesa heroica da liberdade”. Nós, que estudamos, sabemos como fazer isso. E acreditem em mim, quando a gente efetivamente faz, eles ficam perdidos na própria insignificância.

Como Destruir um País

Nunca imaginei que seria tão fácil destruir um país. Quer dizer, eu sabia que a nossa classe dominante era genocida, escravista e burra, mas não que a coisa chegaria a esses níveis.

Eu estudo direitos trabalhistas há uns 8 anos mais ou menos e digo sem pestanejar que essa reforma trabalhista é a maior perda de direitos sociais que o Brasil já viu. As pessoas não notam, mas o que muda não são só as relações de trabalho. Muda tudo. O Brasil adotou ontem um outro modelo de sociedade, um modelo novo que sequer tenta entregar aos mais pobres alguma migalha da riqueza que eles produzem. O país que estava aos poucos caminhando numa trilha capenga mas relativamente correta escorregou no golpe, caiu num buraco e não vai sair de lá tão cedo.

A legislação trabalhista no Brasil surgiu num contexto muito particular, fruto de bravas lutas dos trabalhadores nas décadas de 10, 20 e 30 do século passado. A classe trabalhadora emburreceu muito desde então. Deixou que praticamente todas essas conquistas fossem para o ralo ontem. Regressamos pelo menos 80 anos em níveis civilizatórios. E eu sinceramente não tenho a menor esperança de que tudo que foi perdido seja reconquistado. Já era. Nunca teremos de novo uma proteção ao trabalhador como um dia se teve.

A tendência do capital é sempre concentrar riqueza nas mãos dos proprietários e empobrecer a classe trabalhadora. Os direitos trabalhistas servem para amenizar um pouquinho essa situação. Se o capital tem uma qualidade é a capacidade de se adaptar a regulações como essa. E essa medida, que no fim é humanitária, acaba sendo extremamente positiva e necessária para o próprio sistema econômico ao permitir que o trabalhador tenha dinheiro, tempo e inclusive condições de saúde para consumir. E o consumo gera mais emprego, num ciclo virtuoso que funciona bem dentro do sistema.

Então, não são só os empregados que estão ferrados com essa reforma. Eles perderam diretamente mais de 100 direitos, vários relacionados à proteção ao salário, ao descanso, à saúde e ao acesso à Justiça. Mas os empresários também saem perdendo muito. Qualquer empresa que dependa do consumo interno vai sofrer os efeitos dessa reforma. Afinal, quem, contratado por “contrato intermitente” - aquela nova modalidade através da qual o patrão chama o empregado "apenas quando necessário" - vai comprar uma casa, um carro ou mesmo uma geladeira ou uma viagem à praia que seja? Como a pessoa vai se programar para comprar uma coisa mais cara se ela não tem a menor segurança se estará empregada e, mesmo que estiver, de quanto ela vai receber de salário?

Tirar poder de compra da classe trabalhadora é a coisa mais idiota que os próprios capitalistas poderiam fazer. E fizeram. É por isso que reformas como essa não funcionaram em nenhum lugar do mundo. Não há nenhum estudo que comprove que ela gera empregos, como alega o governo e os defensores da reforma. Pelo contrário. Todo país que flexibilizou as leis trabalhistas precarizou o trabalho, teve dificuldades para recuperação econômica e hoje tem uma geração de jovens sem esperança de dias melhores. Na Espanha, por exemplo, o desemprego dos mais jovens está em 50%.

E num país com população já pobre, essa precarização gera reflexos em todos os lados. Aumenta a miséria, aumenta a violência. Se aumenta a violência, aumenta a repressão policial, o que reduz os direitos individuais de todos e também faz aumentar a violência. Com trabalhos precários, as pessoas adoecem mais, o que gera mais gastos em saúde e assistência social, e isso acarreta menos dinheiro para outras áreas e atravanca o desenvolvimento do país como um todo. Adicione a essa receita o congelamento dos gastos, aprovado no fim do ano passado e pronto, estamos gestando um explosivo desastre social. Enfim, todos os países que você olha no mapa e pensa “esse país deu muito certo, vejam como o cidadão a ali é tratado” se preocupam com o bem-estar do trabalhador. O Brasil ontem decidiu seguir para o caminho oposto.

Meu otimismo só me permite acreditar que talvez este seja o último suspiro desse sistema nefasto, o início do fim. A única coisa que me consola é que esse pessoal que defende as reformas e os que se acham super bem empregados e estão fingindo que nada está acontecendo, em pouco tempo, vão também se ferrar. Pra mim, será uma alegria imensa.

Sobre a Sentença do Moro que Condenou Lula

Acabei de ler a sentença do Moro que condenou Lula. 218 intermináveis páginas. Não sei porque eu insisto nessas coisas, como se no estado de exceção em que estamos houvesse alguma relevância no que está ou não escrito ali. De qualquer forma, para que besteiras não sejam ditas, recomendo que todos leiam. Leiam e vejam se vocês mesmos gostariam de ser condenados com base nos dados que Moro usou e, talvez, refletindo um pouquinho mais, se acham que uma sociedade que aceita e até comemora esse tipo de sentença pode ser considerada civilizada.

Não vou torrar a paciência de ninguém com argumentos jurídicos, até porque Direito Penal está longe de ser minha especialidade. Mas posso dizer sem medo de errar que, no geral, a sentença contém o que já era esperado de Moro.

A controvérsia toda é se o tríplex era ou não de Lula, apesar da escritura do imóvel sempre ter estado em nome da OAS. A tese da acusação é que o imóvel e a reforma seriam pagamento de propina disfarçada.

O que eu concluí? O apartamento era ou não de Lula? Não sei. Tem vários documentos e depoimentos que podem ser interpretados como favoráveis e desfavoráveis ao ex-Presidente. É tudo muito vago. Cada um diz uma coisa e Moro escolheu considerar verdade uma das versões.

O que isso mostra? Que há dúvidas, há fatos que podem ser considerados indícios, mas, em resumo, não há provas. E como se sabe praticamente desde o fim da Idade Média, ninguém pode ser condenado sem provas e, se existe dúvida, o réu deve ser absolvido.

Chamou muito a atenção, aliás, o fato do Moro inverter o ônus da prova em vários momentos. Ele diz: “se o ex-Presidente não comprovou isso, então, só pode ser por isso”, como se a defesa tivesse obrigação de comprovar alguma coisa. Lula teve as contas bancárias, a casa, o escritório do advogado e até o iPad do neto, tudo devassado pela Justiça e o juiz ainda exige que ele apresente provas de inocência? Parece brincadeira. Fora o fato de Moro ter usado várias vezes, além de documentos rasurados e outros sem assinatura, matérias de jornal para fundamentar a decisão, contrariando algo que já no primeiro ano de faculdade se aprende: “Recorte de jornal não é prova”.

Além disso, Moro desconsidera que a OAS chegou a usar o imóvel como hipoteca numa outra operação financeira e que as reformas foram contabilizadas regularmente pela OAS, o que torna muito pouco defensável a tese acusatória de que o apartamento era e sempre foi de Lula. Moro ainda finge não ver o relatório da auditoria independente feita pela KPMG, segundo a qual não houve na Petrobras nenhum ato de corrupção de Lula.

Aqui temos outro ponto crucial, aliás, no qual Moro nem toca. Ainda que se comprovasse que o verdadeiro dono era Lula, isso indicaria apenas a existência de enriquecimento sem causa por parte de Lula, e não, automaticamente, que o dinheiro seria fruto de propina, algo que teria que ser provado, mas tampouco o foi. Sim, enjaular uma pessoa é ou deveria ser coisa séria.

Os procuradores e Moro montaram o enredo que quiseram com as informações, documentos e depoimentos que tinham. O bom e velho “não tenho provas, mas tenho convicção.”

Lembrando que isso tudo foi baseado no que Moro escreveu lá. Muita coisa ele não colocou, e sabendo da notória parcialidade que ele sempre demonstrou, ninguém duvidaria que muita coisa favorável à defesa de Lula foi simplesmente omitida. Só para constar, ele admitiu que sequer leu vários documentos do processo porque estava "com excesso de trabalho"(?).

Pra resumir, como diz o brilhante Brenno Tardelli, trata-se da “única condenação no mundo pelo réu ter recebido por corrupção um imóvel registrado em outro nome, com hipoteca, com sessão fiduciária, com lista de credores, com 73 testemunhas negando a acusação (dentre as quais todas as 27 arroladas pela acusação), com Supremo, com tudo."

Enfim, tudo isso no fim das contas não tem importância alguma. O que vale é o senso comum dos mais desatentos, de que Lula é bandido e pronto. Ficou mais do que claro que a preocupação dessa gente nunca foi a corrupção, a Petrobras ou qualquer causa digna. Tudo sempre girou em torno de 2018.

Link para a sentença: https://abrilveja.files.wordpress.com/…/sentenc3a7a-lula.pdf

Fila do Banco e a Radiografia do Nosso Povo

15 minutos na fila do banco são suficientes para uma radiografia do nosso povo. É impressionante.

Um senhor reclamou de todos os procedimentos a que se submeteu para sacar o maldito FGTS. “Tive que pedir um documento para uma empresa que eu trabalhei em Santa Catarina, acredita?”. Eu, já puto com o banco, disse que eles fazem mesmo tudo pra complicar a nossa vida.

Depois, uma grávida estava já para ser atendida e, só então, resolveu reclamar. Mas não se queixou com o pessoal do banco, e sim com os outros clientes da fila. Todos acharam um absurdo o fato dela não ter tido preferência na fila, mas ninguém que estava na sua frente deu lugar a ela. Mais do que isso, vários resmungaram que “é por isso que o Brasil não vai pra frente”. Concordei quieto.

Não fosse o bastante, a senhora à minha frente estava reclamando que não tinha emprego pra ninguém e que sentia dó dos jovens. Outra mulher falou “mas agora o Brasil vai melhorar, você vai ver, tem que pensar positivo!”. Nessa hora eu não me contive e disse “Eu não acho. Desde que tiraram a Dilma uma gangue assumiu o governo e está roubando nossos direitos!”. Surpreso, recebi a concordância de todos. Mas eles, antes tão dispostos a falar sobre tudo, não prolongaram o assunto. Imagino que pela saturação dele na mídia. “Por falar em gangue”, a senhora do “vai melhorar” começou a contar sobre uma que tinha sido presa ontem em Sorocaba.

Não passou um minuto, outra senhora disse que os caixas deveriam trabalhar das 7h às 18h, “como todo mundo”. Eu, que tava com a macaca, disse: “Mas o problema não são os funcionários, o problema é o banco. O banco é que quer nos roubar em tudo. Eu acho que o expediente do banco deveria mesmo ser aumentado, mas o banco deveria contratar mais funcionários, só que eles gostam que a gente fique na fila porque eles economizam dinheiro. Eu acho é que os outros trabalhadores dos outros setores deveriam exigir trabalhar também só 6 horas por dia, igual aos bancários. Já imaginou quanto emprego seria gerado?” Ela pensou e concordou.

Para encerrar, um senhor bem maltrapilho reclamava do aumento dos impostos. Disse que o “governo devia pensar que quando ele aumenta o imposto está tirando a comida da mesa do pobre”. Fiquei quieto, mas pensei no quanto ele estava certo. É isso mesmo, só que mais ou menos. Refleti sobre o quanto seria importante para ele saber direitinho como funciona a estrutura tributária e financeira do país. Imaginei qual não seria a revolta dele se soubesse que a carga tributária dos pobres é obscena e a dos milionários, banqueiros e rentistas chega a ser ridículamente baixa, ou que as isenções fiscais que as grandes empresas e os empresários têm daria para triplicar o orçamento da saúde e da educação, ou que dos impostos que ele paga, 45% vão para as mãos daqueles mesmos milionários, rentistas e banqueiros através da dívida pública, ou que Milton Friedman e Friedrich Hayek, dois dos “pais” do neoliberalismo, eram a favor ao “imposto negativo” para os mais pobres, ou tantas e tantas e tantas outras coisas.

Ficou claríssimo que o discurso liberal - anti-Estado, anti-imposto e anti-trabalhador - está na boca do povo, é hegemônico. Porém, as pessoas não são bestas. Elas estão atentas, só falta um tiquinho de boa informação. E é aí que a esquerda deveria terminar o serviço e correr para o abraço, transformando todo esse resmungo em revolta e ação.

Chegou a minha vez e tive que pagar meu boleto. Sorte do capital. Mas eles que me aguardem. Agora eu sei que a chave para a revolução está ali, na fila do banco.

Decisão que Liberou a "Cura Gay"

Já li centenas, talvez milhares, de decisões judiciais ao longo da vida e essa do juiz que liberou psicólogos para tratar a orientação sexual é uma das piores e mais desastradas.

Ou esse juiz é homofóbico mesmo ou ele é tapadinho, coitado. Porque se a gente ler a resolução do Conselho Federal de Psicologia, a qual estava sendo julgada, fica claro que a intenção era evitar que psicólogos discriminassem gays e, expressamente, proibir os profissionais de realizar ou colaborar com "tratamento e cura da homossexualidade".

Daí o juiz, no começo, diz que a resolução é ótima, maravilhosa, que homossexualidade não é doença e não se pode de forma alguma propor a cura ou tratamento para o que não é doença. Até aí, ótimo, nota 10.

Porém, na hora de decidir, o energúmeno coloca que o Conselho Federal não pode punir os psicólogos que estudem cientificamente o assunto - a resolução não tem nenhuma menção a estudos científicos, mas até aí tudo bem, presumo que foi só burrice - e, também, mais importante, NÃO PODERÃO SER PUNIDOS PSICÓLOGOS QUE OFERECEREM TRATAMENTO DE "(RE)ORIENTAÇÃO SEXUAL". Porra, "reorientação sexual" é um eufemismo notório para a famigerada "cura gay". Se o Conselho não pode mais punir quem promove a "cura gay", o juiz acabou, por efeito inexorável desse entendimento, liberando, sim, a "cura gay".

A autora da ação é uma psicóloga evangélica fanática que disseminava asneiras sobre cura gay e assessora político da bancada da bíblia. Alguém acha que poderia vir coisa boa dessa pessoa quando o assunto é sexualidade? Alguém acha mesmo que dar razão a ela, como fez o juiz, pode ser bom, de alguma maneira? Então, por favor, isentões, não caiam nessa conversa do MBL e cia. de passar pano nessa decisão ridícula que libera, sim, por tabela, a "cura gay".

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O link, para quem quiser conferir essa desgraça, está aqui: https://d2f17dr7ourrh3.cloudfront.net/…/ATA-DE-AUDI%C3%8ANC…