terça-feira, 23 de abril de 2013

Maioridade


No fundo a gente simplesmente não gosta dos menores infratores por saber que eles são parte de nós mesmos, fruto de toda a história que nos levou a ser o que somos, incluídos, e os levou tornarem-se o que viraram, excluídos.
Reduzir a maioridade, certamente, é a solução mais fácil e simbólica para dizer "Não aceitamos mais que menores cometam crimes!" Mas alguém realmente aceita?
Em vez de criticar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dizendo que ele "protege demais" e permite que jovens cometam crimes impunemente, não seria melhor de fato aplicar as disposições dessa lei, que visam a garantir o desenvolvimento pleno e saudável da criança e do adolescente, integrando-os à sociedade antes, mas também depois, de infringirem a lei? 
E, pior, alguém realmente acha que faz alguma diferença para o jovem que está na criminalidade se ele vai para a Fundação Casa (nome diferente da antiga FEBEM) ou para a cadeia comum?

Danuza Leão reinventa leis trabalhistas


Impressionante a coluna de Danuza Leão da semana passada na Folha, relatando o caso de uma amiga que dispensou uma empregada doméstica que trabalharia das 16h às 21h. Motivo: não queria pagar o adicional noturno.
Impressionante não pela doméstica, que já deve ter achado outro emprego, mas pela patroa, que sequer teve o trabalho de buscar no Google sobre esse adicional para saber que ele só é devido depois das 22h.
Nada que não se espere de quem vive dedicando seu espaço semanal no jornal a humilhar os mais pobres.
Mas é triste ver o quanto a mídia desinforma sobre os temas que lhe convém manter nebulosos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

O (neo)Liberal


Parte do pensamento econômico de hoje tenta resgatar o pensamento liberal de Adam Smith. Seus propugnadores sentem-se ofendidos com o uso do termo "neoliberalismo" para definir a aplicação de uma nova teoria de cunho liberal na economia política a partir do final da década de 70, impulsionada pela atuação incisiva de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan, que, justificando-se pelo novo liberalismo de Hayek e Friedman, implodiram o Estado de Bem-Estar Social.
A definição de social que os liberais usam é a da voluntariedade, da autonomia. Sempre que há autonomia e liberdade individual, há sociedade. Certamente esqueceram-se de ler o clássico da literatura “Robinson Crusoé”, o que lhes permitiria perceber que o conceito que têm de sociedade é precisamente a definição de indivíduo. Social relaciona-se a solidariedade entre as pessoas, sendo, assim, o oposto da individualidade.
Os liberais argumentam que a ideia de Estado está equivocada e é imoral porque se trata de coerção, de armas apontadas determinando às pessoas o que fazer. O indivíduo só age de determinada maneira por estar sob a mira da arma do Estado. Ou seja, o pressuposto é que o uso da força é ilegítimo em qualquer situação. Porém, fico me imaginando a posição do liberal quando ele, de posso de uma arma, depara-se com alguém prestes a matar um inocente. Não seria o caso de usar a arma exatamente para acabar com a opressão e libertar o oprimido?
Ignorando todo o conhecimento das demais áreas do conhecimento de humanidades, esses liberais afirmam que os monopólios só o são porque satisfazem os consumidores (ideia que a própria Economia já refutara há tempos, pois um ente poderoso de mercado, detendo mais conhecimento do que os menores, vai inevitavelmente lesar a livre-concorrência e submeter os seus rivais).
Mas e se o monopólio for tão intenso que atinja dos produtos primários aos supérfluos? Aliás, em tese, o monopólio de qualquer segmento irá desembocar em monopólios de vários deles, que irão recair em monopólio de todos os produtos, inclusive de produtos básicos, como alimentos, educação, saúde, comunicação e transporte. Afinal, os entes econômicos agem, na maior parte das vezes, racionalmente, e dominar todos os mercados, do ponto de vista econômico, é sem dúvidas o mais lógico a ser feito.
Ademais, sem o Estado, o que garantiria o cumprimento dos contratos e a própria propriedade privada? O Estado é formado por seres humanos investidos de poderes públicos. Existindo uma contenda entre um contratante e outro ou entre um proprietário e um não proprietário, um ser humano vai decidir quem está com a razão, e, com isso, vai aplicar a lei conforme a tenha interpretado, tendo em vista toda a sua carga cultural e visão de mundo. Não existe aplicação neutra das leis, assim como não existe neutralidade na Economia.
A meu ver, o problema não é o Estado em si, mas quais interesses o Estado representa, afinal, de fato, os governos são formados pela classe dominante. Se o Estado for pensado para efetivamente construir uma sociedade solidária, do ponto de vista dos interesses do povo e dos trabalhadores, não das grandes empresas, o seu fortalecimento é o único caminho viável para a justiça social e a conquista da igualdade material.
Ainda, a cruzada da liberalização tem uma contradição intrínseca. Quanto mais a força do Estado vai diminuindo, mais são os detentores do poder econômico que restam no seu comando. Afinal, o poder que era do Estado vai parar em algumas mãos, que, no caso, por estarem liberadas as amarras anti-predatórias, são as das grandes corporações, que já antes possuíam imenso poder. Para a aplicação do liberalismo puro seria necessária uma empreitada revolucionária.
Com efeito, não é à toa que o liberalismo é defendido por grandes bancos, privados e governamentais, pelas grandes corporações que já detém monopólios ou oligopólios, pelos bilionários e etc., porque eles sabem que a desregulamentação progressiva só vai acarretar mais concentração do poder econômico. Aplicando a Lei de Lavoisier, segundo o qual nada se cria, tudo se transforma, o poder que se retira do Estado será canalizado para algum lugar, e pelo próprio raciocínio econômico chega-se à conclusão de que cairá nas mãos de quem já detém o grande poder econômico. Ou seja, os neoliberais apenas instrumentalizam a teoria liberal, que de fato é muito bonita e sedutora ao propor a liberdade como valor humano único e supremo (como se a liberdade só ela pudesse garantir outros valores no mínimo igualmente importantes, como a igualdade), para perpetuar, senão aumentar, seu poder econômico e social.
Ademais, o liberalismo puro presente durante a Revolução Industrial mostrou que as consequências sociais da falta de regulamentação do capital são catastróficas.
O argumento de que nunca se viu uma sociedade capitalista totalmente liberal, sem qualquer interferência do Estado e que não devemos deixar de almejá-la porque não sabemos se vai ou não dar certo, tal como antes havia resistência à abolição da escravatura, é completamente falacioso. Afinal, valeria para tudo o que se imaginasse. Em vez de falar “Está errado dizer que o liberalismo pleno será ruim, afinal, antes de se libertarem os escravos também havia resistência e hoje se sabe que a escravidão é algo terrível” poderíamos falar qualquer coisa, inventando qualquer tipo de sociedade, por exemplo “Está errado dizer que uma sociedade regida exclusivamente por polvos adivinhos será ruim, afinal, antes de se libertarem os escravos também havia resistência e hoje se sabe que a escravidão é algo terrível”. Ou seja, ao se vislumbrar uma sociedade e um sistema socioeconômico melhor, deve-se ter em mente não só as experiências passadas (no caso do liberalismo pleno, a Primeira Revolução Industrial chegou bem próximo a ele), mas também deve-se pensar no que as teoria e abstrações teóricas nos mostram a respeito, não somente de um único e exclusivo ramo do conhecimento, como a Economia, mas levando-se em conta o que diversos ramos das ciências humanas, e mesmo biológica, tem a nos dizer, como por exemplo as Ciências Políticas, a Sociologia, a História, a Antropologia, a Filosofia, a Psicologia, o Direito, a Geografia.
Em um modelo ideal de sociedade devemos levar em conta alguns fatores. É bom que as pessoas se ajudem? Seria bom que o grande fator de coesão social fosse a solidariedade humana, com as pessoas ajudando-se umas às outras? Ou o melhor é um sistema que tenha lastro exclusivo no individualismo puro e simples, o “cada um por si”, vendo com maus olhos qualquer tipo de ajuda social de uns para com os outros, taxando a  assistência ao desamparado como algo sempre abominável?
O que os liberais parecem não querer admitir é que liberdade sem igualdade é simples dominação.
Os liberais sinceros acreditam mesmo que a teoria liberal é válida e, mais do que isso, que se trata da solução para as mazelas da sociedade. E o fazem porque ignoram que a economia não só sofre interferências como tem a própria sorte determinada por fatores externos a ela, interesses dos mais diversos, sobretudo sociais e políticos. E isso não vai mudar, pois o sistema capitalista favorece a essas interferências. Por ignorar essa falta de pureza da economia, acreditam que é possível afrouxar as amarrar do capital sem causar mais dominação e sem agravar aquelas mesmas mazelas que pensam ter a solução para combater. Ainda que o Estado desapareça, a economia, ainda assim, ficando à própria sorte, estará sob a influência dos mais diversos interesses.
A tragédia está, na verdade, no fato de que do ponto de vista estritamente econômico, o desenvolvimento social é algo neutro, não um objetivo a ser perseguido. E nesse sentido, a liberalização plena, não só no sentido do fim do Estado, mas do modo de pensar humano, no todo individualista, é o abandono de qualquer pensamento e atitude sociais e coletivos, que acaba inexoravelmente se traduzindo na perpetuação da dominação, da desigualdade e da pobreza.
Esse novo liberalismo é uma releitura do liberalismo clássico que aceita alguma interferência regulatória do Estado. Sabem, embora não admitam, os neoliberais que o Estado é um aliado do grande capital na manutenção da exploração humana. A teoria é bonita, mas a prática se mostra nefasta. Novamente, o que os liberais parecem ignorar é a impossibilidade de aplicar uma teoria pura da economia e separá-la completamente de influências externas.
O liberal acredita que para se implantar o liberalismo deve-se simplesmente não fazer nada. Confesso que invejo o conforto dessa posição ideológica, posto que é possível melhorar o mundo sem agir. Porém, há uma contradição nesse pensamento. Se o liberal não faz nada para que prevaleça o liberalismo, então alguém vai fazer para impor outro padrão econômico, quem sabe os intervencionista, os desenvolvimentista, os keynesianos, os socialista, os comunista ou os anarquista. E com um adversário completamente passivo, a vitória é certa para o lado que ao menos se mexeu.
Pode-se criticar o uso do termo neoliberalismo. Mas o fato é que, cientificamente, pode-se dar o nome que bem entender ao objeto de estudo. E o nome, diga-se, é bem adequado, já que sendo o liberalismo aplicado hoje baseado no liberalismo clássico, com algumas peculiaridades, não há nenhuma razão para fúria quanto ao nome. Se fosse um sistema que tivesse dado certo, certamente não haveria essas críticas. E não se diga o verdadeiramente pretendido pelos neoliberais não é o real liberalismo puro, mas sim o apoio do Estado para prosseguir sua dominação, porquanto o que ocorre é o uso da justificativa liberal para sustentar as políticas liberais do Estado, que apenas perpetuam a desigualdade e a dominação.

Maioridade e indignação seletiva

Semana retrasada morreu o estudante e todo mundo se colocou a favor à redução da maioridade penal, como se fosse resolver a questão da violência. Vai da consciência de cada um. 
Semana passada, porém, morreu um operário na construção nas obras do estádio do Palmeiras por puro descuido criminoso da empreiteira. No entanto, a mídia não deu qualquer destaque e, até agora, não vi ninguém exigindo o fechamento da empresa responsável (WTorres), o fim dos estádios de futebol, o encerramento de qualquer tipo de obras de construtoras nem nenhuma medida, leve ou extrema, para que novos assassinatos desse tipo sejam evitados. E o mesmo se diga a respeito da chacina que está acontecendo em Goiânia, onde só neste ano em torno de 30 moradores de rua foram assassinados, provavelmente por grupos de extermínio.
A vida de uns vale mais do que de outros? O que explica essa indignação seletiva?

P.S.: Sobre a redução da maioridade penal recomento fortemente a leitura dos dois textos abaixo:
Os menores e as penas, de Hélio Schwartsman, para a Folha de S. Paulo
Pela ampliação da maioridade moral, de Eliane Brum, para a Revista Época
Razões para não reduzir a maioridade penal, de Vinícius Bocato, na Revista Fórum


Fonte da notícia sobre o acidente com o operário:
Obras no Palestra Itália continuam interditadas e MP planeja multa à WTorres

O preço de um escravo


Está circulando por aí uma carta do sindicato das empregadoras domésticas (que me recuso a compartilhar), segundo a qual a emenda constitucional que ampliou os direitos dos empregados domésticos deve ser imediatamente revogada, pois trará um grande aumento de custos para a família de classe média.
Ok, é legítimo defender os próprios interesses. O problema é que para justificar seus motivos, a carta estabelece que uma empregada que ganha o salário mínimo e trabalha o dia todo, todos os dias, custará, devido às horas extras e adicional noturno, R$ 3.430,91 por mês.
Ouvimos falar da Revolução Industrial e ficamos horrorizados com as jornadas de trabalho absurdas, de 14, 16, 18 horas por dia, sem perceber que hoje, em 2013, tem gente que, sem nenhum tipo de constrangimento, vem a público defender o direito de impor uma jornada de 24 horas para os seus empregados!
Pelo menos aprendi uma coisa, que transmito a quem possa interessar: um escravo (ou um mucamo), no Brasil, hoje, sai por pouco menos de 3.500 reais mensais.

Ditadura gay?

Ditadura gay?
Ouvi alguém falando que estamos vivendo em uma “ditadura gay”. Eu, sendo hétero, que não teria nada a perder ao acatar essa ideia, comecei a pensar seriamente a respeito e percebi que:

Nunca vi igreja oferecendo cura para a heterossexualidade.
Nunca vi algum hétero ser agredido na cabeça, com uma lâmpada, na Avenida Paulista, pelo simples fato de ser hétero.
Nunca vi mãe e filho que se abraçavam numa festa apanharem por serem confundidos com um casal hétero.
Nunca vi alguém vincular a heterossexualidade com promiscuidade, nem falar que uma doença incurável sexualmente transmissível é um "câncer hétero".
Nunca vi alguém dizendo que casal hétero não pode criar filhos saudáveis.
Nunca vi nenhuma indignação contra as emissoras de TV que mostram beijos héteros, nem héteros serem expulsos do Shopping Frei Caneca por se beijarem.
Nunca vi nenhum hétero ter que brigar pelo direito de se casar com alguém do sexo oposto.
Nunca vi alguém deixar de ser contratado por assumir a sua heterossexualidade na entrevista de emprego, assim como nunca vi ninguém tendo que esconder sua heterossexualidade no trabalho.
Nunca vi nenhuma criança sofrer bullying pelos seus trejeitos héteros, nem adolescente ser expulso de casa por assumir namoro com pessoa do sexo oposto.
Nunca vi alguém esperar um hétero sair de perto para cochichar: "Se esse cara não é, leva jeito pra pegador de mulher" ou "que mulher mais feminina, deve gostar de homem"!
Nunca vi uma gritaria geral contra cartilha que ensina crianças a tolerarem e respeitarem a condição heterossexual das pessoas.
Nunca vi pastor afirmando que todo bom cristão tem que ser heterofóbico, e nem bancada de alguma religião impedindo a aprovação de projetos de lei que punem a discriminação contra héteros.
Nunca vi algum líder religioso buscar na Bíblia interpretações tortuosas para justificarem seu preconceito contra héteros.
Nunca vi novelas e comerciais mostrarem todos os personagens héteros de forma caricatural e estereotipadamente héteros, como se só essa característica lhes fosse importante.
Nunca vi a palavra "homem" ou "mulher" serem usadas como xingamento.
Nunca vi passeata de gente contra o casamento de heterossexuais estéreis, justificando-se pelo fato desses casais serem incapazes de gerar descendentes.
Nunca vi organização gay dizendo que o único modelo aceitável de família é o que eles próprios querem para si.

E eu não estou de olhos fechados, porque o oposto a tudo isso eu já vi e continuo vendo cotidianamente.

Ditadura existe sim, mas com certeza não é dos gays.