terça-feira, 18 de novembro de 2014

Divulgação de salários de servidores – precisamos mesmo fulanizar?

Nesta última semana, a Folha de S. Paulo publicou a lista com o salário dos docentes da Universidade de S. Paulo (USP), após conseguir decisão judicial favorável, pois a instituição de ensino havia se recusado, inicialmente, a divulgá-la.

Não nego que as instituições públicas precisam de transparência em sua gestão e na prestação de contas. O povo tem o direito de saber como cada centavo de seus tributos é aplicado e este é um bom começo, mas, por outro lado, uma questão delicada aparece, que é o direito à privacidade dos servidores públicos.

Se até mesmo quem trabalha na iniciativa privada recebe diariamente ligações de bancos, operadoras de cartão de crédito, propostas de financiamento, seguros etc, como ficam as pessoas que têm seus salários divulgados?

E não é apenas o excesso de abordagens que pode prejudicar as pessoas, pois nada impediria, por exemplo, que um clube rejeitasse a venda de um título de associado a uma pessoa que eles não entendem como dentro dos “padrões” do lugar. As pessoas passariam a ser “selecionadas” com base nestes dados, poderiam passar a deixar de frequentar determinados locais por causa da divulgação dos seus vencimentos.

É por isto que seria melhor se, em vez de publicarem nomes ao lado dos salários, colocassem outros dados como número de matrícula, por exemplo. Não é por você ser um servidor público que tudo a seu respeito deve ser público.  Não é preciso fulanizar para se ter transparência.

A meu ver, o acesso livre e desimpedido a esse tipo de informação, com nomes e tudo o mais, deveria ser conferido a instituições como o Ministério Público, as polícias (civil e federal), Poder Judiciário, Receita Federal, entre outros.

Como eu disse anteriormente, a privacidade dos servidores poderia ser resguardada com a publicação do número de matrícula, por exemplo. A meu ver, quem deveria ter uma divulgação ampla desse tipo de informação são os políticos, os ocupantes de cargos eletivos.

E sobre a matéria da Folha, o jornal, talvez dolosamente, ou por desconhecimento (prefiro acreditar nesta última hipótese), não diferencia o que são verbas indenizatórias, honorários (para o caso dos procuradores da USP, por exemplo), entre outros pagamentos que são variáveis. Deveriam mostrar também o quanto há dessas verbas na composição de casa salário, para que não fique a impressão de que a USP é um oásis de super salários.

Tão importante quanto a divulgação de quanto pesa a folha de pagamento, é mostrar dados como assiduidade no serviço, notas obtidas em eventuais avaliações de desempenho, o quanto recebem a título de ajuda de custo, bolsas de estudo, entre outros. Isso sim ajuda a sociedade a avaliar se o serviço público está sendo prestado com a devida qualidade, e não dados jogados, com o (suposto) intuito de criar o imaginário de que toda repartição pública é um paraíso da gastança.

E parafraseando um site de notícias, “divulgar salário é fácil, quero ver quanto pagam no tijolo”. Basta lembrar a desastrosa gestão do Professor Grandino Rodas na Faculdade de Direito, com a reforma das bibliotecas, e na Reitoria, com o aumento vertiginoso de gastos dos mais diversos. Foram essas “trapalhadas” um dos principais fatores que levaram à situação caótica da USP.


O importante é não perder o foco, não deixar que esse “caça aos marajás” seja um subterfúgio para encobrir gastos escandalosos com coisas supérfluas. 

Autor: Guilherme Kamitsuji

Vai Cair!

É sempre a mesma coisa. Eu me acho tranqüilo, até que o trem de pouso descola do chão. Quando sobe, muda tudo. Imediatamente me dou conta da besteira que fiz por não ter preferido qualquer meio terrestre de transporte, por mais longa que a viagem seja. E não consigo sossegar enquanto não explodir, cair ou, em último caso, aterrissar normalmente.

Totalmente cético, não tenho nada sobrenatural em que me apegar, e, por melhores que sejam as estatísticas, as explicações e a minha confiança nas leis da física, simplesmente não é possível achar normal que toneladas de metal voem tão rápido, e, pior, me levando junto. Não tem nada de normal nisso! Estamos numa altura acima do Everest e ninguém parece ligar. "Será que só eu aqui tenho amor à vida?", me pergunto.

Em viagem mais longa, tenho certeza, não há NENHUM tipo de tragédia que eu não tenha imaginado. Desde o choque com outra aeronave, até a turbina falhando, a asa quebrando, o combustível vazando, parafusos mal apertados se soltando, pouso na água com explosão, piloto com "mal súbito" ou suicida, looping mal executado, controlador de vôo preguiçoso, meteoros, infarte, crise de apendicite, e por aí vai.

Tento dormir para relaxar, mas o efeito é logicamente o oposto. Fecho os olhos e começo a desenhar em minha mente a trajetória em espiral da queda, a ouvir com nitidez o grito desesperado de todos os passageiros, a sentir o calor da turbina em chamas. Eu me convenço de que da próxima vez vou levar na bagagem de mão um paraquedas, muito mais útil que o assento flutuador.

Cada curva e cada microturbulência são, para mim, o prenúncio do fim, pois mostram que estamos sem controle e que em breve o piloto anunciará a tentativa de pouso de emergência numa planície qualquer, que procuro lá embaixo mas não encontro. Inspiro. Expiro. Enquanto isso, os outros passageiros estão como na sala de casa, lendo, assistindo, conversando, digitando, batucando. O inconformismo é maior que a inveja. "Será que só eu aqui tenho amor à vida?", dessa vez me dá vontade de gritar. Mas fico firme na minha inevitável e incansável auto-tortura silenciosa.

Mudanças mínimas no som das turbinas me fazem já ler o meu próprio atestado de óbito em cópia autenticada. Aliás, desconfio mais quando o barulho é pouco, porque algo tão grandioso quanto ter a vida por um fio não pode ser silencioso.

Durante toda a viagem relembro os roteiros de O Náufrago, Lost, Premonição. Lembro do World Trade Center, do Malasyan Airlines, do Fokker 100. Nem Dilma, nem Aécio: todos os pensamentos mais próximos a política que consigo ter são relacionados a Eduardo Campos. Música? Apenas ouço a voz de Raul Seixas cantando Dentadura Postiça. Eu praguejo contra Santos Dumont, Irmãos White, até Leonardo Da Vinci e todos que contribuíram para essa barbaridade.

As mãos doem de tanto apertar os plásticos da poltrona, o que por alguma razão causa um pequeníssimo conforto.

Finalmente, anos-luz depois, pousamos com perfeição e segurança. Apesar de não ter havido nenhum tipo de incidente, por menor que seja, me sinto um sobrevivente, orgulhoso. Com os pés no chão, penso no quanto viajar é bom e vejo nessa insanidade um preço pequeno a ser pago. Começo a pensar e programar a próxima vez.

Talvez por não acreditar nele, deus tenha pregado em mim uma peça: me deu muita vontade de sair para conhecer o mundo, mas transformou justamente o céu em meu inferno na Terra.

Individualismo programado

O último Globo Repórter, que tive a infelicidade de assistir, fez uma propaganda descarada do individualismo.

O programa se dedicou a mostrar diversos casos de pessoas que nasceram pobres e "venceram" após muito "trabalho duro", "fazendo a própria oportunidade". Uma delas sequer deixa os filhos a ajudarem porque quer "chegar lá" sozinha.

A mensagem é clara: o caminho correto é o cada um por si, não a solidariedade e a luta pela transformação e por direitos. Em suma, o oprimido deve se submeter à opressão e, melhor ainda, assumir a lógica do opressor.

Mas o mais grave é a mensagem implícita, de jogar nos pobres a culpa pela própria pobreza, "fracassados" que são, como se tudo fosse questão de vontade e de esforço. Convenientemente, como qualquer veículo da grande mídia, escondem qualquer análise crítica sobre o porquê do sistema socioeconômico ser tão excludente e fazer dessas exceções tão raras a ponto virarem notícia.

Poderiam aproveitar a oportunidade para educar as pessoas, não emburrecer e embrutecer ainda mais. Mas sem isso a perversidade extrema do nosso capitalismo não sobreviveria, e a própria mídia estaria em risco. Infelizmente, nenhuma novidade.