segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Uso de animais em experimentos

Publico o texto de um amigo meu, Guilherme Kamitsuji, sobre os experimentos com animais, com o qual eu não necessariamente concordo, mas acho a discussão muito relevante.

"Ganhou grande repercussão na mídia o grupo que invadiu o instituto Royal para libertar os cães da raça Beagle utilizados em experimentos. E mais uma vez, foi novamente aberto o debate sobre a utilização de animais em pesquisas científicas, evidenciando muitas vezes que por trás de argumentos supostamente a favor da bioética, se escondem apenas visões apaixonadas e desconhecimento científico.

Um argumento aceito sem nenhuma contestação, quase uma verdade absoluta, utilizado pelos ativistas dos direitos dos animais, é o de que os países “civilizados” estão abolindo de vez o uso de animais em experimentos.

 Antes de mais nada, o que não levam em consideração é a amplitude das pesquisas em saúde. Temos pesquisas sobre doenças causadas por parasitas, vírus, fungos, bactérias e tumores, doenças auto imunes, doenças tropicais (ex. malária, doença de Chagas), doenças decorrentes do estilo de vida moderno, como é o caso do diabetes e a hipertensão, e das relativas ao aumento da longevidade. E claro, existem as pesquisas sobre a eficácia de medicamentos para todas essas doenças. Pergunto: todas essas doenças utilizam o mesmo tipo de experimento? São todas pesquisadas da mesma forma. A resposta, obviamente, é não, cada uma delas possui peculiaridades que podem afastar, ou não, o uso de animais.

Existem muitos tipos de pesquisa em que o uso de animais já está sendo dispensado, como no caso de alguns cosméticos. Mas não é verdade que o uso dos animais é dispensável para todos os tipos de experimentos. Infelizmente isso ainda não é possível. A diversidade de doenças e remédios é tão grande que não existe um modelo de experimento comum a todos eles. Cada tipo de doença, cada classe de medicamentos possui especificidades que podem, ou não, exigir que animais sejam utilizados nos testes.

Outro argumento utilizado é o de que apenas 6% (alguns dizem 10%, outros 1%, aí a manipulação de dados rola solta) desses experimentos tem algum resultado conclusivo, chegando, de fato, a testes clínicos em humanos, o que levaria à conclusão de que os testes em animais deveriam ser abolidos.

Ocorre que o que eles não se dão conta é que a ciência se faz com base em tentativas e em observação, principalmente quando se trata das biomédicas. E sempre ocorrem muito mais erros do que acertos, porque não são ciências exatas. Os animais – nós incluídos – têm uma infinidade de características que podem levar a respostas diferentes a um determinado medicamento. Apenas para exemplificar: os cães têm alguns tipos de anticorpos que não temos, o mesmo para os ratos, os bovinos etc. E seu organismo pode metabolizar ou não algumas substâncias. Isso sem contar que as características individuais, como idade, peso, tamanho, tipo sanguíneo, entre outros, podem influenciar no resultado do experimento.

Só com base nessas variáveis descritas já é possível ver que para chegar a uma conclusão simples, como a de que para tratar uma infecção é necessário tomar dois comprimidos de 1 mg, duas vezes ao dia, por uma semana, é necessário um número enorme de experimentos e testes, antes de se chegar a um dado seguro. Isso sem contar os testes que foram feitos para chegar à conclusão de que um determinado fármaco é eficiente para combater uma determinada doença.

É por isso que aquela porcentagem, embora pequena, em nada serve para abolir o uso de animais. Para se chegar a um dado conclusivo é preciso uma quantidade enorme de testes, que em sua maioria vai dar errado. Seria ótimo se houvesse outro jeito. O que os ativistas não conseguem é mostrar alternativas. Só dizem que a porcentagem é baixa e que por isso deve acabar. Ponto.

A todo instante nos deparamos com novas doenças. Quem há dez anos achava que teríamos uma gripe nova, como foi a gripe suína e a aviária? Há 40 anos não conhecíamos a AIDS. Não é questão de colocar o dinheiro em primeiro lugar. Medicamentos importantes, vacinas e outros tipos de tratamentos são desenvolvidos com base em testes em animais. Drogas para câncer, AIDS, pesquisas com células tronco, tudo isso hoje é pesquisado com animais.

A todo momento nós temos que lidar com doenças novas, novas drogas são descobertas, podem aparecer novos tipos de neoplasias, os microorganismos estão em constante mutação, enfim, não se pode generalizar, nem todos os testes dispensam o uso de animais, infelizmente. Seria ótimo se fosse desse jeito, mas não é.
E mais: quem disse que conhecemos tudo sobre fisiologia, biologia molecular, genética, imunologia, farmacologia etc? Ainda há muito a ser descoberto e pesquisado. E os animais ainda terão muito a contribuir nessas descobertas. Descobertas que um dia podem ser a diferença para a cura da AIDS, da dengue, do mal de Alzheimer, entre tantos outros males que matam milhões de pessoas todos os anos.

Causa muita comoção ver animais serem utilizados em experimentos. Mas antes de criticar, de chamar os cientistas de mercenários, os ativistas precisam entender como se faz pesquisa, quais são as variáveis envolvidas, o que dispensa e o que não dispensa o uso de animais, antes de chegar a posicionamentos radicais como o de que os testes devem ser abolidos por completo. Ciência se constrói com base em tentativas e, principalmente, em somatória de conhecimentos, das contribuições de todos os pesquisadores. Seria muito mais útil se apontassem alternativas factíveis, e não argumentos rasos como “os países europeus já estão abolindo”, sem levar em conta qual tipo de medicamento ou doença está se levando em conta."