sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Périplo desumanização na Justiça

Hoje passou por mim um processo que me chamou a atenção por alguns motivos:
1) O réu era um dos maiores BILIONÁRIOS do Brasil, que NÃO QUERIA PAGAR HORAS EXTRAS e indenização por dispensa em período de estabilidade PARA O CASEIRO que trabalhara 18 anos naquele emprego...
2) O processo teve início em 2003, tendo feito aniversário de 9 anos em agosto último, o que na Justiça do Trabalho é raro. Isso porque o caseiro era idoso e havia prioridade de tramitação.
3) O advogado do caseiro, na petição inicial, registrou que seu cliente tinha adquirido uma doença em decorrência do trabalho, mas simplesmente não disse qual era a doença, limitando-se a dizer que por estar doente ele tinha direito a indenização por tais e quais artigos da lei. Ou seja, transformou o trabalhador em uma coisa, um nada, como se não fosse uma pessoa, mas sim um objeto sobre o qual incidem algumas leis. O que ele tinha, o mal que lhe afligia, pouco importava, já que o importante é que tinha um dinheiro a receber.

Fiquei pensando em como a sociedade trata e destrata essas pessoas. Elas são reiteradamente desumanizadas por todos os lados. Primeiro no trabalho, já que o patrão, mesmo tendo dinheiro de sobra, não cumpre com os deveres legais mínimos de respeito a sua condição humana. Depois, pelo advogado, que os trata como coisa. E, por fim, pela própria Justiça, que os penaliza com uma espera de longos anos para receber o bendito dinheiro que lhe é devido...

Se fosse um caso isolado não seria um grande problema. Mas o fato é que o Périplo do "hipossuficiente" (não se engane: leia "pobre") é árduo e ingrato.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

11 de setembros mundo afora

É interessante ver o pessoal colocando no Facebook homenagens aos EUA no 11 de setembro, pois nunca vi ninguém homenagear o Japão nos aniversários das bombas atômicas, o Vietnã e o Afeganistão nos aniversários da guerra naqueles países contra os estadunidenses, o Iraque nos aniversários da(s) invasão(ões), o México no aniversário do roubo do território correspondente ao Texas, nem o resto do mundo nos aniversários da Base de Guantánamo ou da eleição de Ronald Reagan, etc.
Nada contra as famílias que perderam entes queridos há 11 anos, lamento por elas, mas o fato é que o atentado foi consequência quase que lógica da política bélica, unilateral, imperialista e ultra-liberal dos próprios EUA.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Repulsa aos EUA e ideologia


Incrível como hoje ainda há pessoas que defendem os Estados Unidos de forma aguerrida, como se  eles tivessem uma história invejável, uma sociedade exemplar, uma política externa excelente e uma economia poderosa e livre, como manda a cartilha.

Para quem pensa dessa forma, o antiamericanismo parece ser uma infantilidade, coisa de moleque, uma idéia que se tornou antiquada e contraproducente. Em vez de ficar reclamando disso e daquilo, deveríamos tentar imitá-los para atingir o crescimento e desenvolvimento econômico, pois os EUA são o exemplo máximo de nação bem sucedida. Será? E o antiamericanismo sentimento de repulsa aos EUA é só um preconceito bobo?

Pois bem. Dia desses eu estava navegando no Facebook e me deparei com uma foto do Ronald Reagan e uma citação sua: 

I believe the Best social program is a job.

A legenda (não sei como, em português mesmo) dizia:

"Putz, isso devia ser implantado aqui."

Consternado com o que via, pois foi justamente o Reagan quem implementou o neoliberalismo nos EUA e, por conseqüência, no mundo inteiro, desmontando aos poucos o Estado de Bem Estar Social arduamente conquistado pela humanidade às custas de muito suor e sangue - que levou a uma evolução na racionalidade internacional a fim de evitar a repetição dos desastres das guerras, sabidamente causadas pelas inconsequentes desventuras econômicas e sociais das nações mais ricas - não resisti e teci algum comentário crítico. Iniciou-se um debate a respeito da política, economia e sociedade dos Estados Unidos e sua repercussão no Brasil e no mundo. Confesso que fiquei chateado de ver que pessoas esclarecidas vêem nesse homem, conservador ao extremo, um herói.

O responsável pelo post chegou a afirmar também, como todo bom representante da classe média paulista, que os programas sociais servem mesmo é para sustentar os vagabundos, e, expressamente, bradou que a culpa é mesmo do pobre que não se esforçou (sim, foi uma conversa memorável), além de fazer questão de afirmar que está na faixa de renda que paga mais impostos.

Em determinada altura da discussão, o meu colega e a essa altura adversário disse que os EUA estavam certos em invadir países alheios, que se fosse qualquer outra nação que tivesse o poder que eles têm o resultado não seria diferente, e que qualquer um toma providências "quando tem o quintal invadido". Disse, ainda, que não se referia com aquela afirmação ao Iraque, mas ao Afeganistão, e que, de qualquer maneira, o Saddan não era santo e que é a favor hoje a uma invasão do Irã(!).

A esse comentário último eu não resisti e precisei responder resumindo os motivos pelos quais eu não simpatizo nem um pouco com os Estados Unidos. Nada contra os cidadãos e as pessoas propriamente, mas a história, a cultura, a forma de pensar e de agir deles, enfim, o "espírito estadunidense", são o que incomoda.

Respondi, então, da seguinte maneira:

Se um líder não é santo, então, surge automaticamente o direito unilateral da maior potência econômica, política e militar do mundo invadir o país e liberá-lo do mal. Lógico que isso não vale para eles próprios nem para os aliados Israel, Arábia Saudita, Paquistão, Iêmem, Jordânia, Uzbequistão, Baharein, Cazaquistão, China, etc., afinal, dinheiro não tem cheiro. Aliás, santo mesmo foi o Mubarak, o Kadaffi ou o Assad, que não mereceram o mesmo destino de Saddan apesar de terem aberto fogo contra seu próprio povo.
Mas tem razão. Se prestarmos bem atenção nos filmes hollywoodianos os EUA são sempre os mocinhos. E eu não tinha percebido! Acho infantilidade minha ficar com essa bobagem antiquada de antiamericanismo em plena era da globalização.
Eu estava, na verdade, superestimando alguns fatos como:
  • A crença no "destino manifesto", segundo o qual os EUA são o povo escolhido por deus para comandar a humanidade. Aqui reside o erro da argumentação de que “qualquer nação faria o mesmo” (como se o fato de todo mundo fazer tornasse algo correto). Aliás, o próprio nome do país já indica uma pretensão absurda, pois indica que eles se consideram toda a América, os estados unidos da América, como se não existisse mais nada ao sul ou ao norte.
  • As doutrinas políticas imperialistas, de dominação dos países mais pobres, como a Doutrina Monroe, a Diplomacia Missioneira, a Diplomacia do Dolar, a Política da Boa Vizinhança, a Doutrina da Segurança Nacional, a Segurança Hemisférica (todos decorrência do “destino manifesto”).
  • O roubo do terreno mexicano (Texas).
  • As políticas de extermínio dos indígenas e nativos. (Benjamim Franklin falava em "estirpar esses selvagens para abrir espaço aos cultivadores de terra").
  • A existência de bases militares espalhadas por todo o mundo, o que indica a mentalidade bélica e as pretensões imperialistas.
  • As bombas atômicas (que foram extremamente necessárias em locais habitados, para livrar o mundo dos loucos japoneses).
  • Os embargos econômicos avassaladores. 
  • A invasão pura e simples ou intervenção, já no Século XX, sobretudo para depor líderes legítimos, na América Latina (Caribe, Cuba, Panamá (onde forjaram uma guerra separatista), República Dominicana, Nicarágua (onde invadiram), Haiti, Guatemala, México).
  • A implantação e o apoio a ditaduras no Chile, Paraguai, Argentina, Uruguai.
  • A aprovação de armas nucleares obtidas por seus aliados e o ataque a qualquer sinal de enriquecimento de material nuclear nos demais países.
  • A não intervenção na Líbia e na Síria, deixando milhares morrerem (pactos internacionais autorizam a intervenção humanitária, nesses casos).
  • A ameaça ao Irã e a invasão do Iraque, paralelas a alianças com os Talebãs (depois desfeita convenientemente), com a Arábia Saudita, Iêmem, Jordânia, Uzbequistão, Baharein e Cazaquistão, todas ditaduras tão ou mais cruéis que a daqueles dois países.
  • A negação a ratificar diversos tratados de direitos humanos.
  • O cerceamento reiterado do direito de greve e à liberdade sindical dos trabalhadores.
  • A Promiscuidade entre igreja e Estado.
  • O Patriot Act, que cerceou direitos civil individuais.
  • A crise de 2008, que teve origem nos EUA, pela falta de regulação da atividade dos bancos.
  • A presença da maior indústria bélica do mundo.
  • As fraudes nas eleições, respaldadas pela Suprema Corte.
  • A mídia comprada, manipulada pelos conservadores. 
  • A base de Guantánamo (que envergonha toda a raça humana).
  • A inexistência de programas sociais.
  • A maior população carcerária do mundo. (0,8% da população está atrás das grades).
  • A não assinatura do Protocolo de Kyoto.
  • O fato de serem, disparados, o país desenvolvido mais desigual do mundo.

Quanto ao Brasil, tenho dó mesmo da classe média brasileira. Vou esquecer das minhas aulas de Direito Tributário, em que aprendi que no Brasil quem paga mais impostos proporcionalmente à renda são as pessoas mais carentes, afinal, os impostos nos produtos básicos de subsistência, como arroz, detergente e sabonete, são extremamente maiores do que dos bens duráveis. (só pra exemplificar: dados de 2008 do IPEA: quem ganha até 2 salários mínimos destinou 54% a tributos. Quem ganha 30 salários mínimos ou mais, destinou em média 29%).
Dar dinheiro pra montadora (reduzindo o IPI) pode (pois estimula o consumo!). Dar dinheiro para universidades particulares alienarem ainda mais os seus alunos (o governo perdoou a dívida dessas instituições) pode. Bolsa Família, que muitas vezes significa a diferença entre a fome extrema, a morte, e a vida, além de fomentar o desenvolvimento econômico nas áreas mais pobres, não pode (pois “apenas” garante a subsistência dos mais necessitados). Certo mesmo é dar dinheiro para os bancos que estão falindo, como fez os EUA com o Brothers. Afinal, o banco faliu não porque é incompetente, mas a pessoa que nasceu na miséria e não arruma emprego, essa sim é incompetente. E outra, o milionário que inventa pirotecnias tributárias para sonegar impostos não está, por razões muito menos nobres (diga-se, que não envolvam o sustento direto seu e de sua família), também mamando nas tetas do "governo", gozando do seu rico dinheirinho pago em impostos?
Esse senhor da foto, e da frase “genial”, é um herói, juntamente com os Bush e a Margaret inglesa. Afinal, ele diminuiu a importância do Estado, favorecendo o crescimento de empresas monopolistas, bancos altamente especulativos (o que desencadeou a crise de 2008), em detrimento da chamada economia real, multiplicou por 15 a desigualdade social em 10 anos, transferiu a maior carga tribútária dos ricos para os pobres (ler o Nobel de Economia Paul Krugman), etc. Hoje, 400 pessoas sozinhas têm a mesma renda de metade (50%) do povo dos EUA graças a esse visionário! A diferença entre o salário do operário e do patrão cresceu de 42 vezes (em 1982) para 325 vezes (em 2010 e subindo). O individualismo e o consumismo floresceram como nunca. Enfim, sucesso absoluto! Isso realmente deveria ser aplicado aqui, como você comentou! 
Pensando bem, acho que eu vou me mudar para os EUA, porque a simples adoção impensada do American Way of Life pelos meus compatriotas não está bastando à minha sede de "vencer na vida", ou seja, ter dinheiro para comprar uma mansão, um iate e dois ou três Bugattis.
Sem zoeira, você disse que o neoliberalismo tem defeitos mas é o melhor que se tem. Eu, por minha vez, digo que não há dúvidas de que esse seja o pior sistema sócio-econômico já forjado para a humanidade - e podemos incluir a escravidão (pesquisas revelam que as diferenças de condições de vida nos estados escravistas entre o escravo e o senhor eram muito menores do que hoje) e a servidão (ao contrário do que se pensa, o senhor feudal nunca foi rico) neste bolo. Só espero que isso seja percebido logo, porque, como se vê nos jornais diariamente, nem o capitalismo o está aguentando mais."
Obviamente, nenhum de nós dois se convenceu de nada do que o outro disse, mas pelo menos foi uma discussão que valeu a pena, pois me fez reavivar na memória a maioria dos motivos pelos quais os EUA, enquanto país, são tão amados e odiados. E também me fez entender um pouco mais qual a força da ideologia tanto nas atitudes mais importantes das nações como em atitudes corriqueiras como um mero post  ou comentário no Facebook.

sábado, 1 de setembro de 2012

Os sem-teto e a ignorância

Excelente matéria da Folha retratando as dificuldades cotidianas dos sem-teto, em especial, a batalha de uma aluna para simplesmente ir à escola:

Desalojada, filha de sem-teto luta para ir à escola em SP

Mas o que mais impressiona são os comentários absolutamente preconceituosos e ignorantes que os leitores fazem da matéria. 


Em geral, dizem não querer o dinheiro
que pagam em impostos sustentado "vagabundo", que a culpa é dos pais das crianças, que é necessário o controle de natalidade para os pobres, e, finalmente, que "é errado invadir a propriedade dos outros". Mas heim???


Será que esses "comentaristas" não vêem que aquelas pessoas foram jogadas para fora do sistema social, e que muito mais "errado" é o dono de um prédio urbano inteiro manter o local desocupado e sem nenhum uso, para fins únicos de especulação imobiliária, enquanto ao lado vivem milhares de famílias sem ter onde morar, passando fome, frio e toda a sorte de necessidades?


A moradia é um direito fundamental (artigo 6º da Constituição Federal). E, como se não bastasse, toda propriedade privada só pode existir se utilizada conforme a sua função social (artigos 5º, inciso XXIII, 170, 182, 184 e 186, todos também da Constituição, além do artigo 8º da Lei n.º 10.257/2001).
Abandonar a propriedade, sem qualquer dúvida, é desviar a sua finalidade maior. Os governos podem e devem, tal como alguns já fazem (ver decisão proferida no Processo 1.0000.00.271812-0/000(1), da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais), desapropriar esse tipo de habitação sem uso, garantindo indenização ao dono, para, entregando-a aos excluídos, restabelecer o seu real sentido. 


Em suma: a ocupação de terras e prédios abandonados é um bravo ato de cidadania! Merecem apoio total aquelas famílias, que estão apenas fazendo valer os seus direitos.

Sobre o assunto, ainda, ver o documentário "Eu existo", do Centro Acadêmico XI de Agosto:

Documentário "Eu existo"