quarta-feira, 26 de junho de 2013

A loucura e o acordar


Certamente estaria internado por alguma doença mental o sujeito que há duas semanas afirmasse categoricamente que, ainda em junho:

- O preço da passagem de ônibus diminuiria em São Paulo e em inúmeras outras cidades pelo Brasil.

- O Haddad iria cancelar a licitação do transporte público e falar abertamente em estatização do transporte público.

- O Alckmin iria reduzir a tarifa do trem e do metrô, cancelar o aumento dos pedágios e prometer aumento do valor do auxílio-habitação.

- O Renan Calheiros iria defender o passe livre.

- O Joaquim Barbosa teria que vir a público dizer que não tem a menor intenção de se candidatar à presidência.

- O STF iria, pela primeira vez na vigência da atual Constituição, mandar para a cadeira um parlamentar em exercício.

- A PEC 37 seria arquivada.

- O Congresso aprovaria a destinação dos lucros do petróleo em 75% para a Educação e 25% para a Saúde.

- A Dilma iria chamar representantes dos movimentos sociais para conversar e mobilizar o Congresso para fazer plebiscito sobre a reforma política, tendo como pauta o financiamento público de campanhas.

- A Câmara dos Deputados aprovaria o fim do voto secreto para cassação de parlamentar e a corrupção como crime hediondo (tudo com apoio de Renan Calheiros).

- A Comissão de Constituição e Justiça do Senado iria aprovar a PEC contra o trabalho escravo, que confisca a terra daqueles que mantêm empregados em condições de escravidão.

- O imposto sobre grandes fortunas voltaria à pauta política.

- Todos veriam que a polícia não tem vocação ou treinamento para lidar com movimentos sociais e reivindicatórios.

- Em plena Copa das Confederações, milhões e milhões de pessoas sairiam às ruas protestar e o assunto mais comentado seria política.

- Senadores iriam estar trabalhando durante o jogo do Brasil.

- A Globo teria interrompido a transmissão da novela das 9 para televisionar protestos.

- Após tudo isso, a oposição se limitaria a dizer que a maquiagem da Presidenta é muito cara.


Talvez isso seja o tal “acordar” do povo brasileiro.

Sobre as medidas anunciadas pela Dilma

Medidas anunciadas e defendidas pela Dilma:

● Defesa da corrupção como crime hediondo, além de anunciar fortalecimento na transparência e punição severa a empresas envolvidas;
● Intimação a Governadores e Prefeitos para adiantarem e acelerarem a aplicação dos investimentos já contratados nos hospitais;
● Destinação de 100% dos royalties do petróleo para a EDUCAÇÃO;
● Maior ampliação de vagas de Medicina da história: criação de 11.447 novas vagas de graduação e 12.376 novas vagas de residência médica;
● Mais 50 bilhões de reais em mobilidade urbana e mais metrôs,
● Responsabilidade fiscal e controle da inflação;
● Criação do Conselho Nacional do Transporte Público com participação do POVO;
● Plebiscito para formação de uma constituinte sobre REFORMA POLÍTICA!

As medidas não são todas maravilhosas, ok, mas depois disso, se você continuar dizendo que a Presidenta não está agindo, que não liga para o que o povo está exigindo e que ela tem que se cassada, passo a ter certeza de que a coisa é pessoal mesmo.


(Postagem em 24.6.2013)

Pontos para reflexão sobre a Copa no Brasil

Pontos a se refletir antes de ser radicalmente contra a realização da Copa no Brasil:

- O orçamento total da Copa é de R$ 26 bi. Desse valor, R$ 16 biserão direcionados a investimentos de infra-estrutura, aeroportos, trânsito, mobilidade urbana, transporte público.
- Serão gastos R$ 7 bi com estádios para a Copa.
- O Governo Federal não bancará diretamente esse valor, mas vai sim financiar boa parte através do BNDES. Por informações do UOL (refutadas pelo Governo Federal), isso custará 1,1 bi aos cofres públicos.
- Com Saúde, o governo terá gastado ao final dos sete anos de preparos para a Copa, R$ 500 bi.
- Os investimentos no evento, segundo estudo da FGV, deverão movimentar R$ 142,39 bi na economia, gerando 3,63 milhões de empregos por ano e R$ 63,48 bi em renda para a população no período de 2010 a 2014.
- A arrecadação de impostos deverá ser acrescida de R$ 18,3 bi. O PIB brasileiro também terá impactos desse esforço da economia pública e privada.
- Sim, há problemas nas exigências da FIFA aos quais o Governo Federal deveria resistir em cumprir.
- Existem mesmo desapropriações exageradas, péssimas condições de trabalho dentre operários dos estádios, mas esse não é um problema exclusivo das obras da Copa, mas de qualquer obra estatal, basta ler os jornais.

Pense, faça as contas, reflita bem antes de sair por aí propagando desinformações. Conheça o problema primeiro, depois proponha as soluções.


(Postagem em 23.6.2013)

Sobre a aversão a partidos políticos

Esse aversão a partidos políticos só demonstra o quanto as pessoas são ignorantes e alienadas politicamente. PSTU, PSOL e PCO, apesar de terem defeitos como toda associação de indivíduos, sempre estiveram fazendo protestos por aí, defendendo as mais diversas causas dos trabalhadores e trabalhadoras do país. Você que "acordou" agora vai querer calá-los? Qual o problema deles apoiarem a manifestação do Passe Livre? Colocar esses partidos no mesmo saco que PSDB, DEM, PMDB, PPS é realmente a maior demonstração de burrice que alguém pode dar. Tá aqui seu diploma de retardado, reaça! Se for para fazer uma manifestação autoritária, que agrida militantes partidários, que fiquem em casa vendo novela e assistindo o jogo mesmo.
Os fascistas adoravam esse mesmo nacionalismo e anti-partidarismo que está aflorando nessas manifestações que pululam cada vez mais sem causa. Pronto, falei.


(Postagem em 20.6.2013)

Eu acordei

Eu acordei, sim, mas não foi agora.

Acordei quando estudei mais a fundo a História, sobretudo a partir do Século XVIII, quando a humanidade deu um basta ao poder absoluto do monarca e o colocou nas mãos da nova classe social ascendente, a burguesia, que desde então, embora tenha feito algumas concessões, nunca largou o osso.

Acordei quando percebi que o grito por liberdade deve ser necessariamente acompanhado pelo de igualdade, caso contrário serve apenas ao opressor.

Acordei quando vi que a “fraternidade” que os franceses tinham por lema em sua Revolução se transformou em “propriedade”.

Acordei quando passei a questionar as baboseiras que meus professores da faculdade diziam a respeito da imparcialidade do Direito, do caráter meramente “programático” das normas de direito social, da manutenção da ordem como valor em si.

Acordei quando notei que o Direito é apenas uma técnica de dominação como tantas outras que a elite usa para se manter no poder esmagando os mais pobres, que cinicamente se costuma chamar de “hipossuficientes”.

Acordei quando percebi que o poder econômico das grandes empresas engoliu o poder político, liberando caminho para devorar todo o resto.

Acordei quando me dei conta de que os relatos de exploração extrema dos trabalhadores à época da Primeira Revolução Industrial não estão, na verdade, nem um pouco longe de mim, pois presentes nas cabines dos ônibus e caminhões, nas tecelarias, nos frigoríficos, nos bancos, nas lojas de magazine.

Acordei quando me veio à luz que apesar do fim do feudalismo a sociedade continua, com raríssimas exceções, estamental e, sobretudo, estratificada.

Acordei quando ficou claro que os grandes veículos de mídia são podres, mostram apenas o que não lhes contrarie os interesses: manter a situação como está, alienando as pessoas e aumentando seus lucros, nunca formar ou informar devidamente o povo.

Acordei quando percebi que o filho da minha empregada sofria “batidas” pela polícia quase diariamente e eu, com vinte e poucos anos, nunca havia sido revistado.

Acordei quando me dei conta que um cortador de cana ou colhedor de laranja, que sofrem para pagar aluguel de um barraco e manter os filhos alimentados, trabalha muito mais do que a esmagadora maioria das pessoas do topo da pirâmide social, que compram jóias no Iguatemi numa tarde de quarta-feira.

Acordei quando percebi que o trabalho assalariado nada mais é do que a expropriação da força vital humana do empregado, que fica com o fruto do seu próprio trabalho.

Acordei quando passei a ver o mundo com os olhos das minorias - como os negros, os gays, os índios, as mulheres, os ateus, os moradores de rua -, que são diariamente violentadas de todas as maneiras e nós fingimos que não vemos, pois no fundo sabemos que nos beneficiamos da situação.

Esses são exemplos do que, para mim, significa acordar.

Dizer que acordou colocando de repente a culpa de todas as mazelas em entes abstratos como “governo”, “corrupção” e “altos impostos” é fácil. O buraco é muito mais em baixo. Eu quero é ver o gigante acordar de verdade.


(Postagem em 20.6.2013)

Paulas para os próximos protestos

Como o povo aprendeu a ir às ruas e parece animado para lutar por mudanças, fiz uma pequena lista com sugestão de 12 possíveis causas para os próximos protestos:

1) Pelos 10% do PIB para a Educação.
2) Pela desmilitarização da polícia.
3) Pela tarifa zero no transporte público de todo o país.
4) Pela redução da jornada de trabalho máxima para 40 horas semanais.
5) Pelo fim dos suplentes não eleitos no Senado Federal.
6) Pela aprovação da PEC do combate ao trabalho escravo (que confisca terras de quem escraviza)
7) Pelo financiamento exclusivamente público em campanhas eleitorais.  Pela instituição do imposto sobre grandes fortunas e correção da tabela de imposto de renda até uma alíquota de 50% para os mais ricos.
9) Pela saída imediata do Deputado Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
10) Pela não aprovação do Acordo Coletivo Especial, que flexibiliza as leis trabalhistas e precariza o trabalho, e pela ratificação da Convenção 158 da OIT, que veda dispensa arbitrária e/ou sem justa causa.
11) Pelo fim da unicidade sindical e da contribuição compulsória e pela ratificação da Convenção 87 da OIT, que garante a liberdade sindical.
12) Pela limitação progressiva dos juros bancários até que, nos próximos 10 anos, se proíbam taxas acima de 12% ao ano.

Com essas pautas, evita-se que o pessoal mais conservador consiga convencer alguém de que a transformação do País virá com o impeachment da Dilma (eleita por vasta maioria e com índice de aprovação record), com a redução de impostos (o que impaca o Brasil são os maus investimentos), ou com o cancelamento da Copa (cujos gastos são pequenos em relação às demais rubricas orçamentárias), etc.

A luta continua, mas nunca com pautas reacionárias!


(postagem em 19.6.2013)

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre a manifestação de 18 de junho de 2013 - A Revolta dos 100.000

Eu estava lá ontem, dia 18 de junho de 2013.

O povo na rua, a indignação, os gritos de guerra, os cartazes, tudo aquilo é extremamente contagiante. As pessoas se sentem parte de algo que, de fato, está construindo a história.

Vi milhares fazendo reivindicações sobre os mais diversos temas. Desde o passe livre, até a legalização da maconha, a volta da ditadura militar e mesmo o fim do capitalismo.

Vi gente cantando contra a PM, contra o Governador, contra a Presidente, contra a Rede Globo, contra a Veja, contra o Arnaldo Jabor, contra o Datena e a grande mídia em geral.

Vi uns agitadores passarem acelerados gritando que “o choque” estava batendo em manifestantes “lá na frente”, o que estava longe de ser verdade. São idiotas como esses que, antes de quinta feira passada, arruinavam a causa.

Vi o povo gritando contra as bandeiras de partidos políticos.

Vi pessoas idosas no meio da marcha, mostrando que a utopia não é um lugar exclusivo dos jovens.

Vi meu professor da Faculdade de Direito da USP e Desembargador Federal, gritando com a galera.

Vi, é verdade, mais playboy do que gente realmente pobre. Um cínico poderia dizer que a “gente diferenciada” da favela parece que não foi pra rua e ficou vendo a pela televisão o “povão” de Higienópolis.

Senti, enfim, uma sensação muito boa, pois tudo aquilo era maravilhoso, afinal, algo estava mudando, o povo estava reaprendendo a tomar as ruas para lutar.

Todavia, recuperada a razão, é hora de analisar friamente os fatos. O que de fato aconteceu ontem?

A meu ver, deve-se tomar muito cuidado para que o protesto não seja mais contra o “governo” como uma entidade abstrata do que pelo passe livre. O protesto não pode ser contra tudo, pois, no fim das contas, se for assim ele se torna contra nada. As pautas devem ser específicas. Gente falando de impeachment da Dilma, gente protestando contra a corrupção, contra os altos impostos, contra a criminalidade. Pára! Legal mostrar a indignação, mas o protesto não era contra nada disso! Era contra o aumento do preço da passagem e a favor à tarifa zero! Democracia é assim que se faz. Protestando por uma ou alguma causa de cada vez.

No caso das manifestações de ontem, a mensagem deve ser absolutamente clara: enquanto o valor da tarifa não baixar, o povo não vai sair das ruas. Uma estratégia muito simples e milenar. Vencendo essa batalha, que venham as próximas, contra a PEC 37, a favor aos 10% do PIB para a Educação, pela desmilitarização da polícia, pela saída do Feliciano da CDHM-CD, pelo financiamento público de campanhas, pela instituição do imposto sobre grandes fortunas, etc.

- Ou alguém acha seriamente que a Dilma vai renunciar? Ela foi eleita por vasta maioria e, pelo que consta até agora, não há nenhum indício de que tenha cometido qualquer ilegalidade que pudesse dar ensejo à cassação de seu mandato.

- Ou alguém acha que o Renan Calheiros, o Paulo Maluf e o José Sarney vão parar de roubar o povo porque este “se cansou” e saiu às ruas protestar genericamente contra a corrupção? Por isso tem que dar nome aos bois. “Protestamos pela saída imediata do Renan Calheiros, do Paulo Maluf e do José Sarney!” e não algo genérico e fluído como “estamos cansados de tanta corrupção”. É o mesmo que fazer um protesto contra os estupros. Quem é realmente favorável ao estupro? Corrupção é, usando o clichê eloquente, a ponta do iceberg.

- Ou alguém acha que o governo vai diminuir os impostos por que houve protestos? O problema do Brasil não é nem nunca foi o valor dos impostos. O problema é que o sistema tributário cobra, em proporção, muito mais dos pobres do que dos ricos, mais do trabalho do que do capital. Os ricos, que são beneficiários da exploração dos mais pobres devem mesmo pagar altos valores para compensar a sociedade pela exploração que promovem. Pagar imposto faz parte dos mecanismos de redistribuição de renda e de promoção da igualdade material na sociedade. Além disso, cobram-se altas taxas, mas não há o devido retorno em serviços públicos de qualidade. E por que não sobra dinheiro para investir? Sim, uma das causas é a corrupção pura e simples, mas a outra é porque TRILHÕES de reais por ano são usados para pagar a dívida aos bancos, os mesmos responsáveis pela crise mundial que abate o mundo desde 2007/2008. Se o Estado deixa de investir em educação, saúde, segurança e, pasme, transporte público, por exemplo, alegando que não tem dinheiro, é porque se comprometeu com banqueiros nacionais e internacionais a economizar recursos para quitar as suas dívidas (superávit primário). A corrupção é um ralo dos cofres públicos, mas não o único e nem o mais importante.

- Ou alguém acha que os delinqüentes vão parar de assaltar, matar, estuprar porque estão fazendo protesto “contra a criminalidade”? Ou alguém acha que aumentando as penas, reduzindo a maioridade penal e aumentando a repressão e autoritarismo da polícia a criminalidade vai baixar? A história e a sociologia mostram de forma clara que o problema da violência é só um sintoma, cuja doença deve ser tratada na base. Educação crítica, distribuição de renda, serviços públicos de qualidade, investimentos em artes, esporte e cultura, tudo isso diminui os índices de violência, não medidas eleitoreiras e imediatistas.

Outros fatos merecem críticas. Qual é o problema de subir bandeiras partidárias no meio do protesto? Vi manifestantes erguendo bandeiras do PSOL e outros gritando para que elas fossem baixadas. Há relatos de violência contra um membro do PSTU. Peraí de novo! Faz parte da democracia que entidades se apóiem mutuamente. Democracia é o povo na rua, ok, mas também passa pelos partidos políticos, que podem livremente apoiarem as causas. São os partidos que historicamente, desde sempre, defendem institucionalmente os interesses dos seus representados. No caso do PSOL, PSTU, PCO, etc., sempre são eles que estão lá batendo panela na Av. Paulista. Agora vem um grupo apolítico que “acordou” e aprendeu a protestar ontem querendo impedi-los de fazer o que sempre fizeram! Absurdo. Felizmente isso não se generalizou, pois em outros pontos da quilométrica manifestação os partidos tiveram a liberdade de hastear suas bandeiras e se mostrar como apoiadores.

Confesso que vi muita gente protestando por modismo, porque a mídia passou a apoiar a luta depois de registrar a violência gratuita da PM. Não sei se era a maioria, prefiro acreditar que não. Mas fico me perguntando quantas daquelas dezenas e dezenas de milhares de pessoas estariam realmente dispostas a viver na utopia, a perder privilégios em prol da distribuição de renda e da igualdade e justiça social.

Aparentemente, aprendeu-se que manifestações de rua são positivas. Mas ontem a causa foi simpática a todos, mas e quando se estiver discutindo algo mais controverso, como o aborto ou a legalização da maconha? Será que o direito de se manifestar vai ser bem visto e devidamente respeitado, como valor constitucionalmente assegurado que é?

Percebo que a elite, (tele)guiada pela Globo e pela Veja, está nitidamente querendo se apropriar do movimento para esvaziá-lo, colocando em pauta qualquer causa, inclusive as causas erradas, como as que eu citei acima, corrupção, criminalidade, impeachment e alta de impostos.

Isso não significa, todavia, que a manifestação foi em vão. Não foi. De fato, história foi feita ontem. O Congresso Nacional está discutindo a pauta do transporte público, o Haddad está cogitando ceder, diversas cidades já tiveram aumentos revogados ou cancelados no transporte público. A mídia passou a se referir aos vândalos como minoria radical, e não mais pretendendo generalizar as atitudes violenta a todos os manifestantes. Ainda, as pessoas de fato reaprenderam que democracia é também ir para a rua, e não apenas apertar uns botõezinhos de dois em dois anos. Dane-se o trânsito se o que se discute é um direito maior, e isso deve entrar na cabeça das classes baixas: a rua também é de vocês, os direitos também são de vocês. Por fim, a PM de São Paulo aprendeu que protesto é ato de cidadania e que só excessos extremos devem ser reprimidos, não o movimento em si.

O saldo é positivo, e, apesar dos pesares, continuo orgulhoso de ter feito parte de algo tão grandioso.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Manifesto das manifestações


Sou assumidamente um otimista e, apesar de alguns acontecimentos lamentáveis, acho triste que nem todo mundo perceba o quão maravilhoso é o que está acontecendo em São Paulo e em outras cidades, com os protestos contra o aumento do valor da passagem de ônibus.

A pluralidade se mostra como nunca e as ideologias despontam:

(a)    Aquele mesmo cara que reclama da alienação dos jovens, que “hoje em dia não lutam mais por nenhuma causa”, se enraivesse contra os “baderneiros” que fazem “arruaça” e atrapalham o trânsito.

(b)   O outro, que é um pouco mais politizado, fica irritado porque os protestos deveriam ser a respeito de outros fatos, como a corrupção ou a falta de investimento em educação, como se ele estivesse mais apto que o próprio povo para escolher a razão certa para ir às ruas lutar.

(c)    O conservador, segundo o qual toda a esquerda é comunista e comunistas comem criancinhas, brada aos quatro ventos que é uma manifestação ridícula e violenta, afinal, o preço do ônibus teria subido abaixo da inflação, poucos centavos, e “o que são poucos centavos?”, nem passando pela cabeça dele que para quem recebe um salário mínimo, ou mesmo pouco mais do que isso, aquele valor é a diferença entre refeições que serão ou não feitas ao longo do mês.

(d)   O pró-governo que é a favor de manifestações populares, abstém-se do debate ou procura achar que tudo é obra de uma minoria oposicionista que arranjou um jeito de destruir a popularidade do governante, que não se comove, e nem deveria, diante do clamor da multidão.

(e)   O bom e velho social-democrata, aquele que procura obstinadamente sempre o meio-termo, afirma que os protestos são legítimos, MAS se atrapalhar o direito de ir e vir alheio e houver atos de vandalismo por parte dos manifestantes (nada diz a respeito da truculência da polícia), o movimento deve ser sim reprimido “pela força da lei”.

Assinalou alguma alternativa?

Enfim, o que não se pode negar é que esses protestos, mesmo que não atinjam o objetivo final de reduzir a tarifa do transporte público a zero e nem mesmo de impedir o aumento recente, já são um sucesso.

Sim, porque mostra que as pessoas estão reaprendendo a ir às ruas e lutar pelo que acham certo.

Sim, porque o povo está reaprendendo que democracia não se resume a votar de dois em dois anos e que política não se faz só nos gabinetes dos chefes de governos, mas nas ruas.

Sim, porque deixa claro quem tem interesse em ver o povo caladinho assistindo à novela e ao jogo e quem realmente quer um povo politizado que sai às ruas quando se sente injustiçado.

Sim, por mostrar que as pessoas apóiam sim, como indicam as pesquisas, protestos, e inclusive com baderna, se necessária para responder aos desmandos da polícia e do Estado.

Sim, porque mostra que o direito de ir e vir de quem é prejudicado pelo trânsito causado pelas manifestações não é, nunca foi e nunca será mais importante do que o direito de ir e vir das pessoas que utilizam o transporte público por falta de opção e que, quando o preço aumenta, se vêm obrigadas a sacrificar maior parte de seu já minguado orçamento para simplesmente chegar ao trabalho ou a outro ponto da cidade onde queiram ou precisem ir.

Sim, por evidenciar que as pessoas não vão se resignar e assistir passivamente que os impostos pagos não se traduzam em serviços públicos de qualidade.

Sim, porque faz transparecer o quanto a grande mídia é hipócrita de mostrar os protestos que ocorrem em outros países como algo positivo, trazendo à luz informações da perspectiva dos manifestantes, chamados de “ativistas”, que dão a cara a tapa e querem mudanças, enquanto as nossas manifestações, que acontecem nas ruas em que passamos todos os dias, são colocadas pelos como um câncer a ser extirpado a qualquer custo, pois são acentuados apenas os pontos fracos, os atos impensados de uma minoria que apenas quer radicalizar, de modo a transformar todos em vândalos, deixando claro de que lado essa mídia podre realmente está.

Sim, porque daqui para frente os governantes vão pensar senão duas, três, dez, um milhão de vezes, sob pena de criar um problemão e colocar a própria popularidade em cheque, antes de encarecer e dificultar o acesso dos mais pobres aos serviços públicos básicos, como é o caso do transporte (em Campinas, Natal, Porto Alegre e Goiânia, por exemplo, os prefeitos, com medo de manifestações, desistiram de aumentar o valor da passagem).

Sim, porque deixa em parafuso aquele que criticava as massas no Brasil por não terem voz, mas agora, quando elas recuperam o grito perdido, atrapalhando a volta para a casa depois de um longo e estafante dia de trabalho, no fim das contas percebe que os interesses dele dependem da alienação e da passividade agonizante do povo, qualidades que ele antes criticava.

Sim, pois os registros documentados das forças policiais batendo em manifestantes e jornalistas escancaram o quanto a polícia, que sequer tem preparo adequado para conter delinqüentes, não está apta para lidar com movimentos sociais e manifestações legítimas do povo no espaço público, servindo apenas aos interesses dos poderosos, ávidos por manter a situação como está, da qual extrai seu poder.

Sim, porque todos vêm que os argumentos formais dos reacionários são fracos diante da realidade, afinal, fica nítido quanta burrice há por trás de pensamentos como o de que se alguns manifestantes cometem atos de vandalismo, então, todo protestante é vândalo, mas se alguns policiais cometem abusos, agindo de forma truculenta, agredindo gratuitamente os participantes do movimento, prendendo pessoas que portavam garrafas de vinagre (que reduz os efeitos de gás lacrimogênio) e alvejando manifestantes de joelhos e jornalistas com tiros de borracha, esse é um problema pontual que não pode ser generalizado para toda a polícia.

Sim, porque a falácia de que o aumento da passagem se deu abaixo da inflação é desmascarada, pois se realmente não tivesse havido aumento real acima da inflação de 1994 para cá, a passagem de ônibus em São Paulo custaria no máximo R$ 2,16 e a de metrô, R$ 2,59.

Sim, por nos mostrar que um novo paradigma de transporte público, e por que não dizer?, de serviços públicos em geral, é possível se houver vontade política.

Sim, por deixar claríssimo que a “Primavera Brasileira” é possível

Sim, por tornar incontestável que ainda faltam muitos protestos como esses para vivermos em algo que se possa realmente chamar de democracia.

Cabe, agora, a cada um de nós, especialmente aos jovens, decidir se esse momento será levado aos livros de História em um enorme e fascinante capítulo ou em uma frustrante nota de rodapé.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Passeio no zôo ilógico


Estava em um restaurante onde as paredes tinham enormes janelas de vidro. Em determinado momento, percebi que, na verdade, se tratava de uma redoma de zoológico e os animas nos viam de fora, observando atentamente aquelas cenas a fim de conhecer melhor nossa espécie.

De pronto, os bichos ficaram maravilhados imaginando que éramos muito pacíficos e civilizados, afinal, além de nos equilibrarmos apenas sobre duas patas, algo raro em bichos sem asas, não havia nenhum tipo de desordem ou agitação naquele ambiente, que parecia um lugar agradável para todos.

Apesar de sermos muitos humanos lá dentro, cada um de nós interagia apenas com quem estava próximo, os mesmos com quem se dividia a comida. Não devíamos ser uma espécie muito sociável. Aqueles que não comiam, nitidamente estavam esperando a comida chegar, sempre distraídos com um objeto retangular que ora era apertado freneticamente, ora ia para uma das orelhas, algumas vezes era mostrado para quem estava ao lado, raramente era deixado de lado. Os gatos mais sábios se identificaram e perceberam que aquela coisa seria equivalente aos novelos de lã. Quem comia, mal olhava para o lado e interagia ainda menos com os outros.

Mas um fato chamou muito a atenção dos visitantes. Havia alguns humanos que ficavam em pé o tempo todo, vestindo roupas idênticas entre si, apenas servindo os outros humanos que permaneciam sentados e comiam. Aquilo era muito intrigante. O que teria levado àquela situação estranha, em que uns apenas serviam e outros apenas comiam?

As formigas, que já nascem operárias, soldados ou rainha, imediatamente disseram ser uma predeterminação natural, mas os demais bichos protestaram, afirmando que aqueles humanos eram todos muito parecidos para estarem diferenciados biologicamente desde o nascimento. Os cachorros sugeriram que havia um acordo entre as partes, em que livremente uns aceitam servir e outros aceitam ser servidos. Improvável, refutaram os outros. Aquela espécie era de humanos, não de burros ou jumentos. O abutre, então, demonstrou plena convicção de que se tratava de uma imposição dos que são servidos, que por alguma razão têm poder para forçar os que servem a servirem, sob pena de ficarem sem comida. Não, essa última hipótese estava descartada para os demais, pois aquela espécie era notoriamente muito civilizada para um sistema tão rude de sobrevivência.

Após longas discussões, os visitantes, desde a menor das aranhas até a mais gigante baleia, chegaram a um consenso de que os humanos fazem uma espécie de revezamento da seguinte maneira: em uma parte do tempo um grupo serve e o outro é servido; em outra parte, as funções dos grupos se invertem; na parte do tempo que sobra, muito maior do que as duas outras, todos descansam, se divertem ou fazem o que mais lhes agrade. Dessa forma, não falta nada para ninguém e todos, sendo verdadeiramente livres, aproveitam o tempo para existir em sua plenitude. Essa hipótese era, definitivamente, a mais provável, já que aquela espécie maravilhosa realmente parecia ser muito superior, esperta e organizada. Apenas o abutre, com seu faro implacável, continuava desconfiado.

Os animais que haviam nos estudado em outras redomas e conheciam melhor nossos modos de vida, ou se indignavam, ou não conseguiam conter o riso diante da ingenuidade dos demais.