sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Fila do Banco e a Radiografia do Nosso Povo

15 minutos na fila do banco são suficientes para uma radiografia do nosso povo. É impressionante.

Um senhor reclamou de todos os procedimentos a que se submeteu para sacar o maldito FGTS. “Tive que pedir um documento para uma empresa que eu trabalhei em Santa Catarina, acredita?”. Eu, já puto com o banco, disse que eles fazem mesmo tudo pra complicar a nossa vida.

Depois, uma grávida estava já para ser atendida e, só então, resolveu reclamar. Mas não se queixou com o pessoal do banco, e sim com os outros clientes da fila. Todos acharam um absurdo o fato dela não ter tido preferência na fila, mas ninguém que estava na sua frente deu lugar a ela. Mais do que isso, vários resmungaram que “é por isso que o Brasil não vai pra frente”. Concordei quieto.

Não fosse o bastante, a senhora à minha frente estava reclamando que não tinha emprego pra ninguém e que sentia dó dos jovens. Outra mulher falou “mas agora o Brasil vai melhorar, você vai ver, tem que pensar positivo!”. Nessa hora eu não me contive e disse “Eu não acho. Desde que tiraram a Dilma uma gangue assumiu o governo e está roubando nossos direitos!”. Surpreso, recebi a concordância de todos. Mas eles, antes tão dispostos a falar sobre tudo, não prolongaram o assunto. Imagino que pela saturação dele na mídia. “Por falar em gangue”, a senhora do “vai melhorar” começou a contar sobre uma que tinha sido presa ontem em Sorocaba.

Não passou um minuto, outra senhora disse que os caixas deveriam trabalhar das 7h às 18h, “como todo mundo”. Eu, que tava com a macaca, disse: “Mas o problema não são os funcionários, o problema é o banco. O banco é que quer nos roubar em tudo. Eu acho que o expediente do banco deveria mesmo ser aumentado, mas o banco deveria contratar mais funcionários, só que eles gostam que a gente fique na fila porque eles economizam dinheiro. Eu acho é que os outros trabalhadores dos outros setores deveriam exigir trabalhar também só 6 horas por dia, igual aos bancários. Já imaginou quanto emprego seria gerado?” Ela pensou e concordou.

Para encerrar, um senhor bem maltrapilho reclamava do aumento dos impostos. Disse que o “governo devia pensar que quando ele aumenta o imposto está tirando a comida da mesa do pobre”. Fiquei quieto, mas pensei no quanto ele estava certo. É isso mesmo, só que mais ou menos. Refleti sobre o quanto seria importante para ele saber direitinho como funciona a estrutura tributária e financeira do país. Imaginei qual não seria a revolta dele se soubesse que a carga tributária dos pobres é obscena e a dos milionários, banqueiros e rentistas chega a ser ridículamente baixa, ou que as isenções fiscais que as grandes empresas e os empresários têm daria para triplicar o orçamento da saúde e da educação, ou que dos impostos que ele paga, 45% vão para as mãos daqueles mesmos milionários, rentistas e banqueiros através da dívida pública, ou que Milton Friedman e Friedrich Hayek, dois dos “pais” do neoliberalismo, eram a favor ao “imposto negativo” para os mais pobres, ou tantas e tantas e tantas outras coisas.

Ficou claríssimo que o discurso liberal - anti-Estado, anti-imposto e anti-trabalhador - está na boca do povo, é hegemônico. Porém, as pessoas não são bestas. Elas estão atentas, só falta um tiquinho de boa informação. E é aí que a esquerda deveria terminar o serviço e correr para o abraço, transformando todo esse resmungo em revolta e ação.

Chegou a minha vez e tive que pagar meu boleto. Sorte do capital. Mas eles que me aguardem. Agora eu sei que a chave para a revolução está ali, na fila do banco.

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