quinta-feira, 15 de março de 2012

Greve dos policiais: um direito fundamental


Recentemente aconteceram greves de policiais em diversos Estados. Por conta desses movimentos, na Bahia e no Rio de Janeiro, por exemplo, o carnaval quase foi cancelado, pois sem o aparato policial público as festas trariam imensuráveis riscos à segurança e saúde da população.

O que se leu na grande mídia é que a greve de policiais militares é inconstitucional. E de fato a nossa Constituição, em seu artigo 142, § 3º, combinado com o artigo 42, § 1º, expressamente proíbe a sindicalização e o exercício de greve para os militares, incluindo os policiais e bombeiros. 

Porém, o direito é dinâmico e nunca se pode descolá-lo da dinâmica social. Ler a letra fria da lei nunca deve encerrar um assunto jurídico por completo. No caso da greve policial, então, é necessário averiguar se essa vedação se justifica, se é legítima e se condiz com as finalidades do Estado. 

A história mostra que qualquer categoria deve ter o direito de batalhar por melhores condições de trabalho. E o exercício da greve é sem dúvidas o único meio realmente efetivo que os trabalhadores possuem para lutar contra os desmandos do “patrão”, de modo a evitar que a exploração humana seja levada a seu extremo, ceifando parte da dignidade dos mais frágeis. Muito sangue e suor foram derramados para que se aprendesse esta lição: Em uma democracia, o direito de greve é essencial e sempre desejável.

Feliz ou infelizmente, o direito não briga com fatos. No século XVIII, Inglaterra e França proibiram a greve, mas mesmo assim elas continuavam acontecendo, cada vez com mais razão e com mais força. O Estado, então, foi forçado a, em um primeiro momento, permitir e, posteriormente, garantir o exercício da greve como direito fundamental. E a Constituição do Brasil atual, de 1988, sensível a esse fato, colocou no seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, o seguinte mandamento (artigo 9º): “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”

Com isso não estou dizendo que à população resta apenas aceitar tornar-se reféns de grevistas. Pelo contrário, a permissão e regulamentação adequada do direito de greve impõe aos paredistas uma série de restrições, dentre as quais a manutenção dos serviços essenciais, que serve de escudo para a sociedade proteger seus direitos fundamentais, sua liberdade, saúde e segurança. O consagrado direito de greve, como todos os outros, não é absoluto. Deve ser exercido com moderação, respeitando, como já se disse, os direitos dos demais cidadãos, conforme os §§ 2º e 3º do artigo 9º da Constituição Federal. E no caso dos militares não é diferente.

Como dito, a proibição teve efeito contrário ao desejado, e assim será enquanto não for revogada. Por não serem sindicalizados e não estarem habituados a fazer greves, os policiais acabam se excedendo e usando meios absolutamente reprováveis, até criminosos. Com o uso de métodos extremos, perdem toda a legitimidade de seu movimento. 

Caso a greve fosse permitida e garantia para os policiais, como para todos os demais trabalhadores, haveria muito mais moderação e, para o bem estar e alegria de todos, foliões ou não, a população pagaria um preço muito menor pelo descaso dos governantes com a situação dos policiais.

Convém registrar ainda que não é de se ignorar que a melhora das condições de vida do policial beneficia a toda sociedade, que terá pessoas mais selecionadas, preparadas e motivadas e, ainda, menos corruptíveis exercendo a função tão essencial de assegurar ao povo a paz e a segurança.

Claro que no caso dos policiais deve haver um cuidado especial, uma vez que eles são o braço armado do Estado, tendo um poder de coação do qual não se vê nem rastro em outras categorias. O movimento deve ser pacífico. O uso de armas, por exemplo, está totalmente fora de questão, posto que uma greve bélica nunca é pacífica e jamais pode ser legítima. Assim, seria justo retirar dos militares o único instrumento do qual dispõem para conseguir melhorar seus salários, seus benefícios, suas jornadas, suas férias e licenças, seus equipamentos de proteção, seus veículos, enfim, seus direitos e suas condições de trabalho? A meu ver, apesar de a Constituição responder com um estridente sim, a resposta só pode ser não.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Doce cigarro: liberdade ou saúde?


Ontem a Anvisa proibiu a venda de cigarros com sabor no Brasil. Muita gente está esbravejando, dizendo que o Estado não tem direito de se intrometer nas escolhas e na vida das pessoas, etc. 

Entendo esse pessoal. De fato, dizer o que é bom e o que é ruim para a própria pessoa cabe só a ela, não sendo uma tarefa de entes estatais. Estes precisam, sim, informar as pessoas a respeito das conseqüências que seus atos podem ter, inclusive adotando medidas para desestimular certos comportamentos prejudiciais e incentivar atitudes desejáveis, mas não devem dizer o que é bom e o que não é.

Proibir, pura e simplesmente, acho que não é sempre o melhor caminho. Na verdade, considero que drogas leves, como a maconha ou LSD, deveriam ser lícitas, tanto para evitar o tráfico e a criminalidade dele conseqüente, quanto para gerar receitas com tributos, criar empregos diretos e indiretos, etc. Mas a discussão sobre a legalização não se confunde com a questão dos cigarros com sabor, que envolve o problema ético de atrair jovens, sempre mais vulneráveis, para o consumo desse tipo de substância.

Entendo que a luta contra o cigarro não é só uma questão de direito e liberdade meramente individuais (desconsiderando-se, é claro, a questão dos fumantes passivos). Trata-se de um problema sério de saúde pública e de políticas públicas em geral. Senão vejamos.

A incidência de câncer nos fumantes é incomparavelmente maior do que nos abstêmios. E quando as doenças começam a aparecer quem é que paga a conta? A maioria dos doentes vai para o SUS, havendo gasto direto de todos os cidadãos contribuintes com aquele tratamento. E mesmo que o paciente vá para um hospital particular, ele se abstém do trabalho, deixando de produzir riqueza, e, no meio tempo, é sustentado pela Previdência Social, cujos recursos advém de todos os trabalhadores, empregadores privados e do Estado. Se a pessoa morre, como infelizmente não é incomum, o problema deixa de ser temporário, perpetuando-se nas pensões por morte.

No fim, o debate todo diz respeito à boa e velha ponderação de valores. De um lado, a liberdade individual de fumar (no caso, o cigarro com sabor). Do outro, o dinheiro público que poderia muito melhor ser aproveitado na execução de políticas públicas voltadas para outras áreas, como educação, segurança, saneamento, trabalho e emprego, a própria saúde, etc.

Por isso, não acho tão absurda a decisão da Anvisa de vedar a comercialização desses cigarros, que são o chamariz do marketing para capturar os jovens e torná-los, a longo prazo, consumidores fiéis, viciados e doentes. Até ontem, era um bom investimento para a indústria do fumo, e seu retorno certo se dava nas filas dos hospitais e do INSS, sentidas sempre apenas pela "gente diferenciada".

Para finalizar, o que mais espanta é ver que os mesmos jovens que não sabem nem do que se tratam os problemas de Pinheirinho, Belo Monte, Crackolândia, PM na USP, etc., são os que ficam indignadíssimos com esse “Estado autoritário, que está cerceamento o direito fundamental a se matar lentamente tragando fumaça docinha”.

Enfim: “Danem-se todos! Só não mexam na minha meia-entrada, na minha meia-passagem, na minha meia-nicotina, na minha meia-consciência.”

quarta-feira, 7 de março de 2012

Sobre a laicidade do Estado


Excelente texto sobre a laicidade do Estado, escrito pelo meu amigo Guilherme Kamitsuji.


"O dia 6.3.2012 pode ser considerado um marco na luta pela afirmação da laicidade do Estado no Brasil.

O Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por decisão unânime, acatou o pedido da Liga Brasileira de Lésbicas e de outras entidades sociais sobre a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos nos espaços públicos dos prédios da Justiça Gaúcha.

O Relator do caso, Desembargador Cláudio Baldino Maciel, defendeu que uma sala de julgamento sob um expressivo símbolo de uma Igreja e de sua doutrina não parece a melhor forma de mostrar o Estado-juiz equidistante dos valores em conflito. Defendeu que nos referidos espaços somente deveriam comportar os símbolos oficiais do Estado.

Este julgado remete a um caso analisado ano passado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), que anulou a condenação imposta à Itália em relação à recusa de retirar crucifixos das salas de aula, frente a uma queixa de uma cidadã ítalo-finlandesa, a qual argumentou que a presença dos referidos objetos religiosos poderia constranger a opção dos não-cristãos, além de exercer potencial capacidade de doutrinação dos alunos.

A Corte Europeia alegou que a presença dos crucifixos era inofensiva à preservação da laicidade do Estado, porque não representava proselitismo, mas sim a herança cultural e histórica da Itália.

Não discordo desse argumento. Contudo, há uma gama maior de fatores que deveriam ser considerados com mais apreço pelos julgadores. 

É demasiado exagero considerar que a retirada dos crucifixos atenta contra o legado histórico e cultural dos países. Isto porque basta ver o número de feriados de origem religiosa que temos no calendário do Brasil e da Itália.

Ambos os países têm cidades que são considerados patrimônio cultural da humanidade em razão das construções e obras artísticas sacras existentes, como é o caso de Roma, Salvador, Ouro Preto... fora os milhões de turistas que vão à Itália para seguirem viagem ao Vaticano. Ou seja, há um intenso turismo em função do legado religioso.

Acho muito difícil haver alguma cidade brasileira sem alguma Igreja ou templo cristão. Quase todo bairro tem uma. O mesmo vale para a Itália, todo vilarejo tem sua Igreja.

Se você pegar um livro de história do Brasil, você vai contar nos dedos de uma mão o número de capítulos em que não há menção à Igreja Católica. Estudar a origem do Brasil implica estudar algum feito da Igreja. Não deve ser diferente na Itália, acredito.

Aqui no Brasil não se passa uma semana sem termos alguma notícia que envolva a Igreja. E ainda por cima, um braço da Igreja Católica, a CNBB, opina sobre tudo e todos em nosso país. Não podemos esquecer também que a Igreja tem diversas concessões de rádio e tv em território nacional.

Na Itália não é diferente, até por causa do Vaticano. A rotina do Papa é notícia assim como é a do Presidente e das celebridades.

Resumindo, nem mesmo se os italianos e brasileiros deixarem de frequentar a escola, eles vão deixar de se lembrar do legado histórico e cultural da Igreja e de seus próprios países. Só mesmo a morte, um estado de coma profundo ou o ostracismo podem fazer com que esqueçamos estes legados.

A Constituição do Brasil estabelece que a educação é um dever do Estado e nos últimos anos aumentou vertiginosamente o número de crianças e jovens matriculados em instituições públicas de ensino. E cabe também ao Estado zelar pela liberdade religiosa e pela sua laicidade.

Por mais que os crucifixos representem o legado histórico e cultural, o respeito às pessoas de outras religiões -  e até mesmo aquelas que não possuem nenhuma – também deve contar. Como procurei explicar anteriormente, o peso da herança da Igreja, seja aqui ou na Itália, é tão forte, que a retirada dos crucifixos é praticamente inofensiva.

Em termos mais grosseiros, a decisão do TJRS é acertada porque entre adotar um símbolo que representa a maioria e procurar cotejar todas as demais crenças religiosas aqui existentes, a opção de não privilegiar nenhuma religião é a mais acertada, justamente para abarcar a pluralidade de credos aqui existentes - e o grande número de pessoas que não professam nenhuma fé.

Não devemos esquecer também que uma característica essencial dos direitos humanos é ser contra-majoritária, ou seja, devem resguardar a dignidade das minorias e daqueles que se encontram sub-representados. 

Ademais, a escola é local de transmissão do conhecimento, científico principalmente, porque os ensinamentos religiosos encontram nas casas dos fiéis e nos templos os lugares adequados para sua difusão. A escola deve transmitir conhecimento científico acima de tudo.

Tanto no Brasil quanto na Itália, as instituições religiosas exercem enorme influência na política, tanto que são raros os políticos que ousam se opôr a elas. Argumentar que tirar crucifixos de prédios públicos atenta contra o legado histórico e cultural é argumento fraco, só representa a vontade de continuar a influenciar o poder..."

terça-feira, 6 de março de 2012

Aos caminhoneiros

Prezados caminhoneiros,

Protestos são muito bem vindos e desejáveis, já que fortalecem e amadurecem os debates públicos, fazendo florescer a democracia.

Porém, bom senso e moderação nos modos de reivindicar são essenciais para assegurar não só a segurança e saúde da população, mas a própria imagem que vocês passam para a sociedade, tanto da sua categoria como da causa que defendem.


Desabastecendo postos de gasolina e supermercados vocês estão apenas tirando toda a legitimidade do movimento, além de estar prejudicando a todos indistintamente, do doente, que não pode ser levado para o (ou transferido de) hospital, até o mais pobre, que não tem nenhuma comida estocada. Refletir de modo sensato e ponderado antes de agir nunca fez mal a ninguém.

Atenciosamente,
Cidadão Paulistano

sexta-feira, 2 de março de 2012

Admirável maçã nova

A Apple, mesmo sem responsabilidade social alguma, foi eleita a empresa mais admirada do mundo pela revista Fortune. A pesquisa foi feita entre executivos, o que explica muita coisa, mas não justifica nada.

O mais estarrecedor é que a VALE apareceu também nas primeiras colocações. Para quem não sabe, a VALE foi eleita neste ano pela Public Eye Peaple como a pior empresa do mundo, por violação dos direitos humanos, condições desumanas de trabalho, pilhagem do patrimônio público e exploração cruel da natureza.

Impressionante como ainda predomina a mentalidade liberal e absolutamente individualista, que visa o lucro acima de tudo, engolindo pessoas, cerceando direitos, destruindo a democracia e a justiça.

Fonte: http://blogs.estadao.com.br/radar-economico/2012/03/01/fortune-apple-e-a-empresa-mais-admirada-do-mundo/

A vaquinha, a manipulação e a ética

O Palmeiras está organizando uma "vaquinha" para contratar o jogador Wesley, que atualmente defende o Werden Bremen, da Alemanha. O preço do jogador pode ultrapassar R$ 21 milhões.

Certo, que o Brasil não valoriza qualquer outro esporte além do futebol já é notório desde que o primeiro colonizador português chutou um côco vazio. Agora, que tinha chegado nesse ponto a cultura que gira em torno desse esporte é algo que ultrapassa qualquer limite do razoável!

A única coisa que realmente importa por aqui parece ser mesmo o futebol. Ele sim move multidões e por ele as pessoas matam e morrem. 

Infelizmente, porém, trata-se de um excelente modo de distrair as pessoas, para que dispendam suas energias preocupadas com algo que passa longe de mudar algo da sua própria condição miserável. Corrupção, má gestão pública, falta investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, segurança, transporte público, saneamento, políticas de habitação, de emprego e de distribuição de renda, nada disso importa. O que importa mesmo é que o Corinthians ganhe (ou não) a Libertadores.

Já disse isso e vou dizer sempre que considerar oportuno, por mais que doa nos inteligentinhos que idolatram esse esporte: Futebol, assim como as novelas, o BBB, o carnaval, e todas essas porcarias que nos são empurradas goela abaixo diariamente pela grande mídia constroem, sim, a política do 'pão e circo' atualizada para os nossos tempos. Substituem-se os valentes gladiadores romanos por jogadores multi-milionários, atores, marqueteiros, roteiristas, etc. 

Não estou dizendo que as pessoas não podem ter diversão, e nem que todo entretenimento disponível é condenável. Pelo contrário. O que estou afirmando é que, sobretudo àqueles que não têm condições - nem culturais-educacionais, nem econômicas - de escolher devidamente o tipo de lazer que quer praticar, leia-se, os mais pobres, só são ofertadas porcarias alienantes. A quem não teve educação minimamente adequada e, mais importante, tampouco possui recurso para autônoma e discernidamente fazer a opção pelo melhor divertimento, resta apenas o futebol, as novelas, o BBB, etc.

Nesse contexto de dominação involuntária, provida pela imersão nessa cultura emburrecedora, surge inocentemente essa "vaquinha" para a contratação de um jogador. Pode-se alegar que tal "vaquinha" não tem nada de mal, pois ninguém é obrigado a contribuir e, além disso, o doador certamente ficará feliz por de alguma forma, dada sua contribuição, fazer parte daquele time vencedor. Pode até ser, mas resta uma pergunta: é ético? 

Um time milionário como o Palmeiras pode pretender tirar dinheiro dos seus torcedores, sobretudo os mais pobres, para fazer uma contratação que as próprias "leis do mercado" (futebolístico, no caso) rejeitaram? Essa nova variável dessas "leis do mercado", qual seja, o dinheiro dos mais frágeis torcedores, é realmente ética? Ou será apenas mais uma aplicação da velha socialização das perdas?

Antes de tudo convém deixar claro. Quem contribuirá serão os palmeirenses mais fanáticos. Porém, não todo e qualquer torcedor do time, mas apenas os mais pobres e menos informados. Os que tiveram uma boa educação, que primou pelo nascimento de um senso crítico aguçado, dificilmente tirarão dinheiro do próprio bolso para ajudar nos milhões de reais necessários à contratação de um jogador de futebol, por melhor que ele seja.

Pois bem. A meu ver, é só mais uma peça na engrenagem da alienação. Não que essa alienação seja algo orquestrado, mas um olhar atento ao que ocorre na sociedade consegue perceber que as pessoas estão sendo consumidas pelo consumo, ou seja, tratadas como apenas consumidoras, não como pessoas, e realmente acreditando que se resumem a isso. Quanto maior o poder de consumo, maior a respeitabilidade. 

A transformação de pessoas em objetos é muito clara ao se perceber que a tendência musical hoje trata basicamente de "Ai, se eu te pego", baladas, "mulheres gostosas", sexo a noite inteira, etc. 

E para se ter uma mentalidade dessa, que fecha os olhos à exploração alheia nessa filosofia de mercantilização da vida, é um erro fornecer meios para que os mais pobres mudem a sua condição.

Imaginemos que a mesma disposição para se obter tal jogador fosse canalizada para obras sociais, para melhoria de escolas, de hospitais, de instituições de caridade. Mas, como se disse, o cidadão é bombardeado 24h por dia com a cultura do consumismo, do individualismo, do capitalismo sem rédeas. Acha, portanto, que aqueles referidos problemas sociais são exclusivamente do "governo", já que paga mais de 40% em tributos.

Devo fazer um alerta. Responsabilidade social, distribuição de renda, justiça social, caridade etc. não são só metas dos atos governamentais. O país está assim, afundado no mar da corrupção, exatamente devido a esse pensamento egoísta, reflexo da falta de educação, do sofrível nível cultural e da visão de mundo obtusa, construídos ao longo dos séculos de nossa não-existência como nação. As pessoas não sabem votar por não ter educação, e não têm educação por não saber votar. Os políticos eleitos não têm qualquer compromisso nem interesse em que desponte um senso crítico mínimo no povo, que é, pois, facilmente manipulado para acreditar em qualquer coisa, inclusive que dar dinheiro para a contratação de um jogador de futebol é melhor do que direcioná-los à caridade, à transformação de vidas (ou simplesmente ao consumo de algo que faça um bem diretamente à própria pessoa!). 

O dinheiro é meu e eu gasto como quiser, certo? Claro, mas o fato é que se todos tivessem um mínimo de pensamento voltado para o social (o que exige uma drástica mudança de mentalidade, concordo), as coisas seriam totalmente diferentes.

Adicione-se, ainda, a tudo isso o fato de que a empresa organizadora da "vaquinha" ficará com 10% de todo o valor arrecadado. Ou seja, o torcedor, que já perdera uma excelente oportunidade de usar bem o seu dinheiro, ou em benefício próprio ou ajudando alguém que precise mais do que ele, ainda terá de bancar uma espécie de "dízimo capitalista" para a empresa. Para dar menos na cara a imoralidade dessas atitudes o Palmeiras poderia, se não fazer por conta própria a arrecadação, pelo menos pagar um valor fixo à empresa responsável.

Trata-se de mais um exemplo de distribuição de renda às avessas, do Robin Wood de trás para a frente.

Enfim, as pessoas menos atentas estão afundadas nessa mentalidade futebolística e não se dão conta de que podem facilmente ser manipuladas. Exigir dinheiro dos mais frágeis - ou alguém acha que algum ricasso vai dar grandes quantias? - para fazer uma contratação milionária é completamente despropositado. 

O fato é que essa cultura futebolística alienada é manipuladora e perniciosa, podendo ter conseqüências imprevisíveis e astronômicas, ao sabor da maré mercadológica. Tira a atenção de fatos realmente relevantes e canaliza mal energias que poderiam ser socialmente muito mais bem aproveitadas, afastando-nos mais a possibilidade de grandes mudanças.

Os R$ 21 milhões possivelmente arrecadados não seriam melhor aplicados na ajuda às vítimas das chuvas em Minas Gerais ou no Acre, ou, quem sabe, se fossem canalizados para ofertar, por exemplo, aulas de inglês em comunidades carentes? Quem sabe simplesmente doar para asilos ou orfanatos que estão em petição de miséria? 

Tantas coisas poderiam ser feitas se essa disposição em ajudar o seu time do coração fosse direcionada a ajudar outras pessoas a conquistar e preservar a própria dignidade. Se a mentalidade fosse outra...

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