Pincei algumas alterações que dão uma noção da devastação dos direitos que ela promove.
Ficou bem clara a intenção do governo. Desproteger o trabalhador, acabar com toda a principiologia do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, tornar proibitiva, sob diversos prismas, a propositura de reclamações trabalhistas, bem como o êxito dos empregados prejudicados, atar as mãos dos magistrados trabalhistas e revogar, via lei, diversas conquistas jurisprudencias das últimas décadas.
Observem e confiram:
1) A lei prevê a prevalência do negociado sobre legislado: Convenção Coletiva vai ter força de lei. Talvez essa seja a pior mudança, e observem abaixo que a disputa é acirrada. A Justiça só poderá aferir a constitucionalidade das normas coletivas, não a legalidade. Isso só faria algum sentido se houvesse liberdade sindical, se não houvesse imposto sindical e, portanto, se os sindicatos funcionassem de verdade, para defender os interesses dos trabalhadores.
2) Autônomos poderão ser contratados, em qualquer caso, sem vínculo de emprego. Essa também está no topo das piores mudanças. A médio prazo, as empresas vão estar cheias desses "autônomos".
3) Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são mais consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. Essa é forte também. Acabaram com a própria topologia da CLT.
4) A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Parece zoeira.
5) Fim das horas in itinere remuneradas. Sim, é isso mesmo. Ainda que a empresa esteja localizada no fim do mundo e, por isso mesmo, a fim de viabilizar o negócio, ela forneça transporte para os empregados, não haverá mais pagamento dessas horas de trajeto. Tal como na reforma previdenciária, os rurais são os que mais vão sair perdendo.
6) Agora, ações que visam ao reconhecimento do vínculo e anotações em CTPS prescrevem. Revolucionaram o Direito. Ação declaratória, relacionada a direitos indisponíveis, agora prescreve.
7) As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho. Ou seja, não existe mais o princípio fundamental da norma mais favorável. Quer dizer, existe, mas antes era a mais favorável ao empregado, agora é ao empregador.
8) O preposto não precisa ser empregado da parte reclamada. Ou seja, volta à cena a figura nefasta do “preposto profissional”, que não sabe nada do que acontece na empresa, mas é treinado para falar tudo o que o juiz quer ouvir a favor do patrão.
9) Pedido de demissão não precisa mais de homologação nem do sindicato, nem do Ministério do Trabalho.
10) Revogaram a regra de proteção à saúde da mulher do artigo 384: Ou seja, agora o empregador não é obrigado a permitir uma pausa de 15 minutos para a mulher iniciar as horas extras.
11) Empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a aproximadamente R$ 11.000,00 pode negociar livremente quaisquer cláusulas no seu contrato de trabalho, como se a Constituição e a Lei não existissem.
12) No caso desses empregados, ainda, abriu-se a possibilidade de ARBITRAGEM, como se direitos trabalhistas fossem como qualquer tipo de direito meramente disponível.
13) Trabalho intermitente, o famoso contrato de "Zero Hora". Através dele, o empregador só chama o empregado quando precisa. TOTAL insegurança para o trabalhador. O empregado fica de sobreaviso o tempo todo. Foi esse tipo de contrato que precarizou as relações de trabalho em Portugal e na Inglaterra, gerando empobrecimento da população. Também uma das piores medidas que se poderia imaginar. Mais nefasto que o aumento da jornada de trabalho é o fim da jornada de trabalho.
14) Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. Querem, obviamente, que os tribunais trabalhistas não interpretem a lei conforme a Constituição e os princípios de proteção ao trabalhador. Esqueceram aqui do Novo Código de Processo Civil, que prevê justamente o contrário.
15) Prêmios, abonos e diárias de qualquer valor (mesmo que ultrapasse 50% do salário), mesmo que pagos habitualmente, não integrarão mais a remuneração do empregado, não se incorporarão ao contrato de trabalho e não constituirão base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
16) A empregada gestante ou lactante poderá trabalhar em ambiente insalubre mediante a mera apresentação de atestado médico. Olha o nível de preocupação do legislador com as grávidas, os fetos e as crianças.
17) Foram criados limites de indenização por danos morais e pessoais. O limite máximo são 50 salários contratuais do empregado: “I – ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até dez vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.” Finalmente a dignidade do trabalhador ganhou agora um valor máximo em dinheiro, para ficar claro que ele não passa de uma mercadoria como qualquer outra.
18) Sucessão de empresa. Só responde o sucessor. O sucedido apenas vai ser incomodado se houver fraude.
19) Limitação de jornada. Pode haver negociação a respeito. Adeus às constitucionais 8 horas diárias e 44 horas semanais. A lei só garante o limite de 220 horas mensais, mas não estipula qual seria a punição para o descumprimento, além de simplesmente pagar as horas extras correspondentes.
20) Permissão de acréscimo de duas horas extras diárias em qualquer hipótese, por negociação coletiva. Ou seja, a nova jornada será de 10 horas. Chegamos ainda mais perto dos tempos da época "áurea" da I Revolução Industrial.
21) O conceito de grupo econômico não poderá ser o mesmo da lei do rural. A ideia aqui é impedir que outras empresas do grupo econômico respondam pelas dívidas trabalhistas de uma das empresas do grupo. Grupo econômico, só vertical.
22) Se, antes ou depois da jornada de trabalho, o empregado fizer atividades pessoais, não será contado como jornada de trabalho. Mas isso nunca foi mesmo. O que eles querem com esse artigo, notoriamente, é dar margem para o empregador alegar que o empregado estava fazendo atividades pessoais quando de fato estiver trabalhando.
23) O tempo gasto pelo empregado até seu posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, não será mais computado na jornada de trabalho, por “não ser tempo à disposição do empregador”. A lei só esqueceu de dizer que se o trabalhador receber uma ordem de serviço quando estiver entre a portaria e a escrivaninha ele pode ignorar.
24) A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas!
25) Contrato de trabalho por tempo parcial poderá ser tácito. Seria até cômico se não fosse tão trágico. A própria lei desdiz essa besteira em outro ponto.
26) Empregado pode ser obrigado a virar outdoor humano, sendo forçado a usar uniforme de logomarcas de empresas “parceiras” e de “outros itens”. Estou até curioso para saber o que são esses "outros itens".
27) A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria. Tacaram fogo em anos de evolução jurisprudencial.
28) Antes, o empregador tinha um dia para pagar as verbas rescisórias, quando havia cumprimento de aviso prévio. Agora, tem 10 dias.
29) As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
30) No mesmo sentido, Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.
31) O famoso acordo de demissão será pago com metade dos valores devidos. Imagina o quanto isso não vai incentivar a justa causa falsa.
32) Agora o empregado pode firmar o “termo de quitação anual” de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Esse termo terá eficácia liberatória das parcelas nele especificadas. Ou seja, deu quitação, nada de ir reclamar à Justiça.
33) A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico. Só rindo. Alguém já viu negociação contratual em que só uma parte tem benefícios? Agora vai ver.
34) Vedou-se a ultratividade das normas coletivas.
35) Ainda que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados.
36) Agora, menores de 18 anos e maiores de 50 anos de idade podem ter as férias divididas.
37) Trabalho em tempo parcial será por até 30 horas semanais. Se contratado por tempo inferior a 27 horas semanais, poderá fazer horas extras, chegando, na prática, a 32 horas semanais no todo. Pode, ainda, “vender férias”. O lado bom é que o período de férias foi igualado com o do empregado por tempo integral normal.
38) Intervalo intrajornada pode ser reduzido para o mínimo de até 30 minutos por negociação coletiva.
39) Enfiaram nessa proposta uma outra regulamentação da terceirização, dessa vez sem nenhuma brecha interpretativa que permita concluir que o procedimento não se aplica à atividade-fim.
Isso porque eu só selecionei as que realmente saltaram aos olhos. Leiam vocês mesmos e percebam que o texto está repleto de cascas de banana que, se aplicados, dificultam ou tornam impossível a proteção ao trabalhador.
Sobre a constitucionalidade, nem preciso falar nada. Praticamente tudo absolutamente inconstitucional.
Recomendo, por fim, que não leiam as colocações do relator - do PSDB, como não poderia deixar de ser - para evitar vômitos neste feriado. Deixem para amanhã...