quinta-feira, 4 de maio de 2017

Sicko e o SUS

Se um dia aparecer pra vocês algum filhinho de papai de classe média, com nariz empinado, que nunca passou qualquer necessidade na vida, dizendo que o SUS é insustentável e tem que acabar e que cada um deve pagar os seus próprios gastos com saúde, cuidado!, saiba desde logo que essa pessoa é sua inimiga. Não é exagero nem radicalismo meu. Ela quer, de fato, que você morra se ficar doente, não só você como todas as outras pessoas que não tenham condições de bancar atendimentos e tratamentos médicos.

Em países onde não existe sistema universal e gratuito de saúde nos moldes do nosso SUS, é isso que acontece. Doente que não tem dinheiro morre. E se você está no hospital e não paga a conta, eles despejam você ou na rua, ou num táxi que o leve embora para longe. Isso sim é exageradamente radical e desumano, não eu, eu até que sou de boa.

A esse respeito, recomendo fortemente que todos assistam ao documentário Sicko, que é brilhante do começo ao fim.

Muitas cenas são interessantíssimas e bem reveladoras, como as histórias de vários pacientes nos EUA que morrem porque o seguro nega cobertura (já que o governo não regula a atuação dos planos de saúde), o bônus que os médicos recebem para negar tratamento aos segurados, o lobby intenso das seguradoras contra a gratuidade da saúde, os sistemas universais da Inglaterra e da França, os quais inclusive pagam o transporte dos pacientes a consultas e atendem a domicílio, as declarações de médicos de outros países no sentido de que jamais aceitariam trabalhar tendo que atender só quem pode pagar, e o caso dos voluntários do 11 de setembro que foram abandonados pelo governo dos EUA e acabaram indo a Cuba para se curar, gratuitamente, das doenças pulmonares que contraíram. Mas a minha cena preferida e mais enigmática é quando Michael Moore entrevista um canadense que numa de suas férias foi para os EUA e machucou o braço.

Quando o cara soube que se ele não pagasse U$ 24 mil para o hospital ele não seria atendido, preferiu voltar para o Canadá com o braço deslocado e ser cuidado gratuitamente. Moore pergunta se não é injusto que quem está saudável pague, via impostos, pelo tratamento de saúde de quem está doente e, mais do que imediatamente, o cara responde que não, porque tem muita gente que não poderia pagar por um tratamento de saúde caro e alguém precisa cuidar dessas pessoas, já que, inclusive, elas fariam o mesmo se quem precisasse fosse ele. Completou dizendo que é isso que se faz no Canadá, uma pessoa ajuda a outra, e que esse valor da solidariedade foi o que os canadenses escolheram para reger as questões relacionadas à saúde. Detalhe: esse cara é de classe média alta e membro do Partido Conservador do Canadá.

É isso mesmo. Tudo são escolhas de valores. Ou baseamos a sociedade no egoísmo e pessoas morrem, ou baseamos em solidariedade e todo mundo vive bem. E os defensores do egoísmo merecem ser esculachados a cada oportunidade que tivermos, porque no fim das contas o que eles querem é estragar a vida de todos nós e os poucos passos que damos rumo à convivência civilizada.

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