Quando eu era adolescente, com uns 14 ou 15 anos, eu queria saber se deus existia ou não. Pesquisando a respeito, descobri um negócio chamado Sociedade da Terra Redonda (STR). Tratava-se de uma associação de cientistas e entusiastas da ciência que se dedicava, entre outros objetivos, a levar ao público conteúdo de qualidade sobre ateísmo, divulgação da ciência, luta pelo estado laico e refutação de charlatanismos. A STR tinha diversos artigos extremamente bem fundamentados e com muitas fontes sobre todos esses assuntos. E sempre eles faziam referência às ideias de Carl Sagan, maior divulgador científico do Século XX e, para mim, uma das pessoas mais inteligentes que o mundo já conheceu.
Devorar por horas a fio aqueles textos me ajudou a descobrir muitas coisas, desde a inexistência de divindades, a ineficácia da homeopatia, o devaneio da astrologia, até a falta de base científica da psicanálise. Foi naquele momento que eu aprendi a importância da ciência – não, não foi na escola e nem poderia ser, porque a escola só me ensinava a passar no vestibular. E o engraçado é que naquela época eu achava que saber aquilo estava me tornando um adulto, pois os adultos já saberiam aquelas coisas que eu estava descobrindo. Mal sabia eu que os mais velhos em geral escolhem deliberadamente negar verdades e acreditar em qualquer besteira que se lhes contam. Infelizmente a STR encerrou suas atividades já faz um tempo e até hoje não conheço outras entidades que tenham preenchido o vácuo deixado por ela.
Mas o fato é que desde então eu aprendi a questionar o mundo, reverenciar a ciência e refutar falácias. Por isso não tenho muitas papas na língua para atacar pseudo-ciências como o criacionismo ou a astrologia. Eu acho extremamente importante que esses engodos sejam desmascarados sempre, por duas razões principais.
A primeira, de ordem filosófica pessoal, é porque por mais que a gente queira relativizar e dizer que a ciência não nos dá todas as respostas e que é só um modo de ver o mundo, a ciência se baseia nos nossos sentidos e é com base nesses sentidos que a gente toma praticamente todas as decisões de nossa vida. Simplesmente não há razão para mudar de comportamento e ultra-relativizar as coisas só porque as questões são mais profundas, como “existe vida após a morte?” ou “a posição da Terra no momento do meu nascimento influencia minha personalidade?”. Até o ceticismo precisa ser exercido com inteligência. A busca pelas respostas a essas questões complexas devem ser dadas com as mesmas ferramentas que usamos para responder perguntas banais como “devo tomar tal remédio?” ou “eu devo acelerar ou frear o carro?”, ou seja, os nossos sentidos, que se instrumentalizam no método científico.
A segunda razão é social. No momento em que uma pessoa dá crédito a uma pseudo-ciência ela está golpeando a ciência, a verdadeira ciência. Sim. Essa ciência que nos trouxe as técnicas agrícolas, a luz elétrica, a penicilina, o satélite, o computador, a internet, etc. Não só a ciência como os cientistas. Pessoas viveram e morreram pela ciência e pelos avanços científicos ao longo da história. E nós, em 2017, vamos continuar dando bananas para o trabalho delas? Não contem comigo. Além disso, como condenar quem defende o machismo e a homofobia com base na Bíblia, quem diz que o aquecimento global não tem nada a ver com a emissão de carbono, e quem não dá vacina para os filhos por crenças religiosas se, na primeira oportunidade, a gente fala que tal pessoa sofre porque fez coisa errada na vida passada ou que a outra é difícil de lidar porque é de áries? Pior: Como exigir que as pessoas não acreditem que o filho do Lula é dono da Friboi, que Hitler era socialista, que o impeachment foi legítimo, que a PEC do Teto vai ser ótima, que a Reforma da Previdência é inevitável e que a Reforma Trabalhista é necessária se nós mesmos engolimos qualquer coisa e incentivamos a crença sem nenhuma reflexão ou crítica sobre a veracidade? Não ajudemos a pós-verdade a se proliferar e vencer! Não à toa a página Fatos Desconhecidos, que se dedica a inventar notícias e teorias da conspiração, tem o triplo dos seguidores da Superinteressante (apesar desta não ser lá muito confiável). Sério que é nesse mundo que vocês querem viver? Eu não, obrigado de novo.
O combate à irracionalidade deveria interessar a todos, é verdade. Mas... (Acharam mesmo que eu não iria enfiar política no meio?) Da direita, que defende o egoísmo como fundamento maior da vida social, a gente realmente não espera nada bom. Complicado é ver a esquerda despreocupada com essa questão, justo nós que nos lastreamos no materialismo histórico! É no mínimo um pouco incoerente e no máximo radicalmente paradoxal. Em todo o caso, desanimador.
Vejam bem, boa parte do que nós fazemos é desmistificar parte da realidade, desmascarar e denunciar mitos, apontar a relatividade de construções sociais que o senso comum vê como verdades absolutas. Isso tudo é fruto da racionalidade. Um povo que não usa a lógica está fadado à dominação eterna. Não estou propondo uma volta ao positivismo ortodoxo do Século XIX, mas sim oferecendo uma reflexão sobre o nosso modo de pensar e a sua consequência social. E também não estou falando que todo mundo deveria ser ateu, porque a religiosidade, exercida de forma moderada, por alguma razão que eu sinceramente desconheço, não tem tanta influência no ceticismo em relação às outras áreas.
Não ao obscurantismo! Não às crendices! Não às superstições! Viva a ciência! Por uma esquerda realmente materialista! Se querem uma sugestão, um bom começo seria todo mundo ler o livro “O mundo assombrado pelos demônios”, do grande e eterno mestre Carl Sagan.
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