terça-feira, 18 de novembro de 2014

Vai Cair!

É sempre a mesma coisa. Eu me acho tranqüilo, até que o trem de pouso descola do chão. Quando sobe, muda tudo. Imediatamente me dou conta da besteira que fiz por não ter preferido qualquer meio terrestre de transporte, por mais longa que a viagem seja. E não consigo sossegar enquanto não explodir, cair ou, em último caso, aterrissar normalmente.

Totalmente cético, não tenho nada sobrenatural em que me apegar, e, por melhores que sejam as estatísticas, as explicações e a minha confiança nas leis da física, simplesmente não é possível achar normal que toneladas de metal voem tão rápido, e, pior, me levando junto. Não tem nada de normal nisso! Estamos numa altura acima do Everest e ninguém parece ligar. "Será que só eu aqui tenho amor à vida?", me pergunto.

Em viagem mais longa, tenho certeza, não há NENHUM tipo de tragédia que eu não tenha imaginado. Desde o choque com outra aeronave, até a turbina falhando, a asa quebrando, o combustível vazando, parafusos mal apertados se soltando, pouso na água com explosão, piloto com "mal súbito" ou suicida, looping mal executado, controlador de vôo preguiçoso, meteoros, infarte, crise de apendicite, e por aí vai.

Tento dormir para relaxar, mas o efeito é logicamente o oposto. Fecho os olhos e começo a desenhar em minha mente a trajetória em espiral da queda, a ouvir com nitidez o grito desesperado de todos os passageiros, a sentir o calor da turbina em chamas. Eu me convenço de que da próxima vez vou levar na bagagem de mão um paraquedas, muito mais útil que o assento flutuador.

Cada curva e cada microturbulência são, para mim, o prenúncio do fim, pois mostram que estamos sem controle e que em breve o piloto anunciará a tentativa de pouso de emergência numa planície qualquer, que procuro lá embaixo mas não encontro. Inspiro. Expiro. Enquanto isso, os outros passageiros estão como na sala de casa, lendo, assistindo, conversando, digitando, batucando. O inconformismo é maior que a inveja. "Será que só eu aqui tenho amor à vida?", dessa vez me dá vontade de gritar. Mas fico firme na minha inevitável e incansável auto-tortura silenciosa.

Mudanças mínimas no som das turbinas me fazem já ler o meu próprio atestado de óbito em cópia autenticada. Aliás, desconfio mais quando o barulho é pouco, porque algo tão grandioso quanto ter a vida por um fio não pode ser silencioso.

Durante toda a viagem relembro os roteiros de O Náufrago, Lost, Premonição. Lembro do World Trade Center, do Malasyan Airlines, do Fokker 100. Nem Dilma, nem Aécio: todos os pensamentos mais próximos a política que consigo ter são relacionados a Eduardo Campos. Música? Apenas ouço a voz de Raul Seixas cantando Dentadura Postiça. Eu praguejo contra Santos Dumont, Irmãos White, até Leonardo Da Vinci e todos que contribuíram para essa barbaridade.

As mãos doem de tanto apertar os plásticos da poltrona, o que por alguma razão causa um pequeníssimo conforto.

Finalmente, anos-luz depois, pousamos com perfeição e segurança. Apesar de não ter havido nenhum tipo de incidente, por menor que seja, me sinto um sobrevivente, orgulhoso. Com os pés no chão, penso no quanto viajar é bom e vejo nessa insanidade um preço pequeno a ser pago. Começo a pensar e programar a próxima vez.

Talvez por não acreditar nele, deus tenha pregado em mim uma peça: me deu muita vontade de sair para conhecer o mundo, mas transformou justamente o céu em meu inferno na Terra.

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