terça-feira, 29 de abril de 2014

Estopim da Nova Consciência


Eu sou filho da classe média, e, como tal, cresci com muitos preconceitos infundados em relação aos mais pobres, preconceitos esses cuidadosamente instalados em mim por todas as estruturas sociais, desde a mídia, a igreja, até a escola.

Deu trabalho pra me libertar disso tudo, se é que inconscientemente ainda não restam alguns vestígios. Fato é que chegou um determinado momento em que eu percebi que a "neutralidade" que eu tentava manter era, na verdade, uma posição covarde, extremamente útil a um dos lados da batalha, sempre o lado mais forte, que estava ganhando de lavada. Portanto, não tinha nada de “neutro”. 

Precisou de muita leitura, muito estudo, muitas conversas, muitas discussões, muita reflexão pra eu definitivamente tomar uma posição. Como diz Renato Russo:

“Depois de 20 anos na escola
Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser”

Uma das coisas que eu não entendia dos mais pobres era por que muitos deles não gostavam de polícia. Pra mim, que era branco, pertencia à classe média e ouvia rock (e não funk), a polícia estava lá para nos proteger dos bandidos, e se a pessoa não gosta dos policias, só podia ser bandida. Mas eu via pessoas próximas, muito boas, que odiavam a polícia, especialmente a PM. Por que? 

Essa questão, eu vejo hoje, é de suma importância, porque entendendo esse ponto de partida se consegue compreender inúmeras questões sociais. Pelo menos foi ela quem despertou em mim a curiosidade pra saber o que de fato acontecia, indo além do que as mídias mostram de forma extremamente tendenciosa, condizente com seu projeto ideológico de dominação.

Achei o comentário abaixo perdido numa notícia do Estadão, de um morador de favela sobre o assassinato do dançarino da Globo, que resume tudo: 

"Sera que vcs classe média alta ainda não perceberam que quem mora na favela não tem medo de traficante, pois os traficantes só mexem com quem mexe com eles, aki o nosso medo é contra esses malditos policias ai que invade nossas casas e bota terror em todo mundo aki só porque é favela, o que eles fazem com nóis aki é tipo abaixa a cabeça e fica quieto e deixa nóis fazer o que quiser, aki na favela toda a noite trancamos nossas portas e fechamos nossas janelas não por causa de ladrão ou traficante, aki o medo é outro nóis tracamos tudo pra não correr o risco de acordar com um fúzil ou uma ponto 40 apontado na cara e levando esculacho na frente do filho e da esposa, mesmo sem ter uma passagem seqer, mesmo vc sendo trabalhador, eles não querem saber de nada disso, a única coisa que importa pra eles é que vc mora na favela e por isso vc não presta, essa é a nossa realidade aki."

Esse era o único comentário que não defendia a polícia e as suas execuções sumárias ao qual nenhum conservador raivoso respondeu, talvez por saberem, pelo menos inconscientemente, que o texto só diz a verdade, muito mais verdades que muito texto de articulistas, sociólogos, antropólogos, e demais "especialistas".

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