quarta-feira, 1 de abril de 2015

POR QUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL NÃO VAI ADIANTAR NADA

POR QUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL NÃO VAI ADIANTAR NADA

Lembrando das minhas aulas e estudos de Direito Penal e Criminologia, listei alguns motivos para que NÃO seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 171 (número sugestivo), que, sob o pretexto de diminuir a criminalidade, pretende reduzir a maioridade penal para 16 anos.

1) A maturidade de adolescentes de 16 e 17 anos não é a mesma, biologicamente, daquela de uma pessoa de 18 anos ou mais. A maturação cerebral se completa, em regra, apenas perto dos vinte anos. Como diz o psicólogo Daniel Martins de Barros, “os avanços da neuroimagem comprovaram que o amadurecimento do cérebro segue uma ordem em que uma das últimas regiões a ficar 'pronta' é justamente o córtex pré-frontal, a área responsável pelo auto-controle refinado, pelo planejamento de longo prazo e pela capacidade de adiar gratificações. Não é por acaso que adolescentes são impulsivos e imediatistas – não só os hormônios estão em ebulição como seus freios não estão calibrados ainda” (http://bit.ly/1xY6aFd) . Assim, ao contrário do que prega o senso comum, faz total sentido tratar de forma diferente adolescentes e adultos, pois a situação inclusive biológica deles não é a mesma.

2) Hoje, adolescentes são punidos, muitas vezes da mesma forma que adultos, e, em algumas, de forma até pior, ficando mais tempo internados do que passariam na prisão. Então, a ideia de que há impunidade é totalmente incorreta. Há, sim, o cumprimento de medidas que equivalem à pena de prisão, mas de forma diferente, tendo em vista a condição peculiar do adolescente, pessoa ainda em desenvolvimento.

3) Atualmente, a maioria dos países membros da ONU, incluindo aqueles com índices baixíssimos de criminalidade, consideram a maioridade penal aos 18 anos.

4) Diversos países caíram nessa ladainha imediatista, reduziram a maioridade, e depois tiveram que voltar atrás e aumentar de novo, como foi o caso de Portugal, Espanha e Japão, onde a maioridade é 21 anos. Na Alemanha também é 21 anos. E mesmo na Inglaterra, onde todo mundo fala que a maioridade não existe e etc., até os 18 anos o adolescente não é punido da mesma forma que o adulto.

5) Desde o século XVIII, com a obra de Cesare Beccaria, sabe-se que o crime é inibido pela certeza de punição, e não a quantidade da pena. Então, obviamente, a possibilidade de punição maior não vai fazer efeito algum num adolescente que está em vias de cometer o crime. Ou alguém acha eles todos vão pensar: "Nossa, agora eu posso ser preso numa cadeia comum, e não na Fundação Casa (que é praticamente idêntica a uma cadeia comum), vou ficar de boa aqui e me comportar conforme a lei”? Se sim, ousaria dizer que estatisticamente são casos desprezíveis. A Lei de Crimes Hediondos, por exemplo, desde que começou a valer, em 1990, simplesmente não contribuiu em nada para a diminuição dos crimes hediondos, que na verdade cresceram desde então. Ou seja, além de imoral e inconstitucional, essa PEC é extremamente inútil.

6) Apenas em torno de 1% dos crimes são cometidos por adolescentes, proporção diminuta, não se justificando a adoção de medidas drásticas, que apostem no falido sistema de encarceramento, e não na (re)educação desses jovens.

7) Jogar um adolescente de 16 ou 17 anos na cadeia vai servir apenas para que ele aprenda melhor o ofício do crime com os mais velhos e mais perigosos, inclusive sendo muito mais facilmente capturados pelas facções criminosas. Farão a famosa “pós graduação no crime”. Qual a alternativa para isso? Aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sim, aplicar, fornecendo meios para que, por meio das medidas socioeducativas, os adolescentes de fato sejam ressocializados, estudem, se especializem e consigam emprego, etc. A Fundação Casa de São Carlos, por exemplo, fez uma experiência e aplicou o ECA do jeito que tem que ser, obtendo como resultado o fato de que pouquíssimos adolescente voltaram a cometer crimes. Então, o problema não é o ECA, o problema é justamente ele não ser aplicado como deveria.

8) Ao se reduzir para 16 anos a maioridade penal, a criminalidade vai recrutar adolescentes de 15, 14 anos ou menos, que possuem ainda menos discernimento do que é certo e errado do que os de 16 e 17 anos, adiantando a entrada deles no mundo da criminalidade. Sério, adianta alguma coisa?

9) Mesmo nas Fundações Casa existentes hoje, o adolescente que está internado conclui os estudos, pois há ensino regular lá dentro. Resultado: Números oficiais de 2010 apontam que o índice de reincidência dos adolescentes infratores das Fundações Casa não chegou a 13%, enquanto o das prisões comuns gira em torno dos 60% (http://bit.ly/1GgQNsA). Ao ser trancafiado numa cadeia comum, o adolescente certamente vai perder sua vida escolar, tendo ainda menos oportunidades de se reintegrar ao sair da cadeia.

10) Os adolescentes vão ser os alvos preferidos para os estupros pelos mais velhos. Ser rotineiramente estuprado vai ressocializar alguém ou deixar mais revoltado? A resposta parece óbvia.

11) A idade penal de 18 anos é um direito fundamental individual, esculpido na nossa Constituição Federal (artigo 228). Até hoje, desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, nenhum direito fundamental foi retirado do texto constitucional. Esse está para ser o primeiro. Mas será o único? O que virá depois? A revogação do direito à intimidade, à privacidade, à liberdade de expressão? Vamos pagar para ver ou acabar de vez com essa possibilidade nefasta de abrir um precedente? “Ah, mas que exagero!” Exagero de cu é rola. Regimes ditatoriais são implantadas ceifando direitos aos poucos, sempre tem o primeiro para abrir precedentes.

12) A maioria da população ser a favor não significa que seja correto. No século XIX, a esmagadora maioria da população era a favor à escravidão e a que mulheres não votassem. Aliás, o nazismo era celebrado pela grande maioria da população alemã da década de 30. O que deve ser levado em conta, então, é se há ou não argumentos bons e racionais para justificar essa quase-unanimidade. E nesse caso não há. O efeito vai ser contrário ao pretendido.

13) Embora a nossa mente seja programada para pensar em delinquentes como apenas sendo assaltantes, assassinos e estupradores, grande parte dos presos cometeu apenas pequenos furtos e pequenos tráficos de droga.

14) Os presos atualmente existentes já não cabem nas cadeias. Vamos construir mais presídios, apenas por sede de vingança, e deixar de investir na educação desses adolescentes, na ressocialização dos adolescentes infratores, por meio da Fundação Casa e da aplicação do ECA? As empreiteiras, aquelas da Lava Jato, vão adorar.

As pessoas, por serem bombardeadas com programas policiais sensacionalistas como o do Datena, podem até querer se vingar do adolescente que comete algum crime, mas do ponto de vista racional, como visto, isso vai ter um reflexo extremamente danoso na sociedade, inclusive com o natural aumento da criminalidade. Trata-se de uma medida meramente populista e contraproducente, como é típico das “soluções” da direita para os problemas sociais.

Na verdade, nem a direita, de fato, acredita que a redução da maioridade penal vai melhorar alguma coisa na situação da segurança pública. Racionalmente não dá pra crer nisso. Mas se trata de uma questão de honra, para eles, ganhar da esquerda nessa queda de braço, para mostrar poder. Tipo: "Já que os petralhas e comunistas estão defendendo isso, sou contra e pronto e acabou."

O Brasil merece um debate mais maduro do que essa briga de torcidas sobre essa questão, para que as pessoas de fato visualizassem que em jogo está a escolha entre a vingança, de um lado, e a justiça e educação, de outro. Infelizmente, não é o que está acontecendo. A irracionalidade está vencendo de lavada.

Leituras: 
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/…/18-razoes-para-…/
http://vida-estilo.estadao.com.br/…/para-que-serve-alterar…/
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1430
http://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-volte-sete-casas-15749175?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/31/politica/1427836708_419980.html

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