terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Natal de um ateu


O ateísmo é simplesmente a descrença em toda e qualquer entidade religiosa. Entretanto, muitos pensam que a postura ateia é a negação de qualquer tipo de influência das religiões na vida das pessoas. Acham, pois, que os descrentes não podem ou não devem participar das festividades nem tampouco aproveitar os feriados religiosos, como o Natal e a Páscoa. Há, porém, alguns defeitos sérios nesse raciocínio.

Primeiramente, somos todos, feliz ou infelizmente, sobretudo em um país de absoluto predomínio do cristianismo, imersos na cultura fundada pelos cristãos. É impossível querer se livrar de algo que está profundamente enraizado no pensamento e nas atitudes de um povo. O modo de vida católico-cristão está cravado no DNA de todo o ocidente, com ênfase especial no Brasil, um dos países mais religiosos do mundo.

No calendário não poderia ser diferente. Começando pelo Carnaval, passando pela Páscoa, Paixão de Cristo, Corpus Christi e Nossa Senhora Aparecida, até chegar ao Natal, percebemos que essas datas não são mais, se é que um dia foram, meras datas comemorativas dos cristãos, mas parte da nossa tradição. Ateus, agnósticos, panteístas, deístas, budistas, xintoístas, até mesmo judeus, todos estamos submersos nesse caldo cultural.

Em segundo lugar, dizer que os ateus não podem aproveitar o Natal é deveras injusto. Se assim fosse, somente os patriotas convictos e praticantes poderiam aproveitar o 21 de abril, o 7 de setembro e o 15 de novembro; apenas os trabalhadores se beneficiariam do 1º de maio; o dia de finados aproveitaria só os cristãos que têm ente querido falecido.

Os não cristãos deveriam, ainda, para evitar qualquer contato com a religião predominante, mudar-se de estados como São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo, ou de cidades como Salvador, São Carlos, Aparecida, Santos, etc. Não poderiam, também, se estabelecer em bairros como Sé, Paraíso ou Santa Cruz e nunca passar por ruas como a Santa Ifigênia, São Luis ou Consolação.

Não. Esse jogo tardio de esconde-esconde não faz nenhum sentido. Pessoas de bom senso devem aceitar a crença e a descrença dos outros, bem como entender a origem histórica da própria cultura. Hoje o Estado é laico e, por isso, é contra a lei e a Constituição o estabelecimento de comunicação privilegiada entre ele e qualquer religião. Mas nem sempre foi desse jeito, e nosso povo nasceu e cresceu na época em que não era assim. Querer negar essa parte de nossa cultura é uma batalha totalmente ingrata, a velha luta contra moinhos de vento.

Especificamente a respeito do Natal, alguém já viu alguma criança ficar ansiosa para a "noite feliz" a fim de simplesmente comemorar o nascimento do Menino Jesus? O que elas querem mesmo, tendo aprendido direitinho com os adultos, são os brinquedos novos!

Aliás, a tradição de trocar presentes, que me parece uma excelente jogada de marketing, veio dos pagãos saturninos, adoradores de Saturno, que davam presentes uns aos outros (e também faziam longas e calorosas orgias) entre 17 a 23 de dezembro de cada ano, tradição que foi incorporada e modificada pelo cristianismo como estratégia para não conflitar com aqueles pagãos e espalhar mais facilmente a crença no deus Javé. As orgias foram eliminadas e a data foi empurrada para o solstício de inverno, em 25 de dezembro, data mítica e festiva para vários povos da antiguidade.

É bom lembrar também que a própria imagem do Papai Noel, que hoje satisfaz tanto crianças como adultos, nada tem a ver com as mensagens de caridade, perdão e arrependimento que o cristianismo visava a promover. Pelo contrário, a finalidade é promover o consumismo, uma das bases para a exclusão social.


E o que dizer, ainda, do nosso famoso Carnaval, que virou desculpa para as pessoas suspenderem por quatro ou cinco dias o próprio pudor, não poupando nem as crianças, que já desde logo são moldadas para o “liberou geral” que as aguarda ansiosamente?

Para uma enorme parcela das pessoas, mesmo as religiosas, a data é simplesmente – por tradição, e não por religião – um momento de reunir a família, trocar presentes e dizer o quanto somos importantes uns para os outros. Nesse sentido, pessoalmente, o meu Natal, apesar de eu ser ateu, é igual ao de todo mundo, exceto na hora protocolar e formal do “Pai Nosso”, quando eu, mais do que todo mundo, me espanto em lembrar qual era para ser o sentido daquilo tudo.

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