Estava em um restaurante onde as paredes tinham
enormes janelas de vidro. Em determinado momento, percebi que, na verdade, se tratava de uma
redoma de zoológico e os animas nos viam de fora, observando atentamente
aquelas cenas a fim de conhecer melhor nossa espécie.
De pronto, os bichos ficaram maravilhados imaginando que éramos
muito pacíficos e civilizados, afinal, além de nos equilibrarmos apenas sobre
duas patas, algo raro em bichos sem asas, não havia nenhum tipo de desordem ou
agitação naquele ambiente, que parecia um lugar agradável para todos.
Apesar de sermos muitos humanos lá dentro, cada um de nós interagia
apenas com quem estava próximo, os mesmos com quem se dividia a comida. Não devíamos
ser uma espécie muito sociável. Aqueles que não comiam, nitidamente estavam
esperando a comida chegar, sempre distraídos com um objeto retangular que ora
era apertado freneticamente, ora ia para uma das orelhas, algumas vezes era mostrado
para quem estava ao lado, raramente era deixado de lado. Os gatos mais sábios
se identificaram e perceberam que aquela coisa seria equivalente aos novelos de
lã. Quem comia, mal olhava para o lado e interagia ainda menos com os outros.
Mas um fato chamou muito a atenção dos visitantes. Havia alguns humanos que ficavam em pé o tempo todo, vestindo
roupas idênticas entre si, apenas servindo os outros humanos que permaneciam sentados e comiam.
Aquilo era muito intrigante. O que teria levado àquela situação
estranha, em que uns apenas serviam e outros apenas comiam?
As formigas, que já nascem operárias, soldados
ou rainha, imediatamente disseram ser uma predeterminação natural, mas os demais
bichos protestaram, afirmando que aqueles humanos eram todos muito parecidos
para estarem diferenciados biologicamente desde o nascimento. Os cachorros sugeriram que havia um acordo entre as partes, em que livremente uns aceitam servir e
outros aceitam ser servidos. Improvável, refutaram os outros. Aquela espécie era de humanos, não de
burros ou jumentos. O abutre, então, demonstrou plena convicção de que se tratava de uma imposição dos que são
servidos, que por alguma razão têm poder para forçar os que servem a servirem,
sob pena de ficarem sem comida. Não, essa última hipótese estava descartada para os demais, pois
aquela espécie era notoriamente muito civilizada para um sistema tão rude de
sobrevivência.
Após longas discussões, os visitantes, desde a
menor das aranhas até a mais gigante baleia, chegaram a um consenso de que os humanos fazem uma espécie de revezamento da seguinte maneira: em uma parte do tempo
um grupo serve e o outro é servido; em outra parte, as funções dos grupos se invertem; na
parte do tempo que sobra, muito maior do que as duas outras, todos descansam,
se divertem ou fazem o que mais lhes agrade. Dessa forma, não falta nada para
ninguém e todos, sendo verdadeiramente livres, aproveitam o tempo para existir
em sua plenitude. Essa hipótese era, definitivamente, a mais provável, já que
aquela espécie maravilhosa realmente parecia ser muito superior, esperta e
organizada. Apenas o abutre, com seu faro implacável, continuava desconfiado.
Os animais que haviam nos estudado em outras
redomas e conheciam melhor nossos modos de vida, ou se indignavam, ou não
conseguiam conter o riso diante da ingenuidade dos demais.
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