Sou assumidamente um otimista e, apesar de alguns acontecimentos
lamentáveis, acho triste que nem todo mundo perceba o quão maravilhoso é o que
está acontecendo em São Paulo e em outras cidades, com os protestos contra o
aumento do valor da passagem de ônibus.
A pluralidade se mostra como nunca e as ideologias despontam:
(a)
Aquele
mesmo cara que reclama da alienação dos jovens, que “hoje em dia não lutam mais
por nenhuma causa”, se enraivesse contra os “baderneiros” que fazem “arruaça” e
atrapalham o trânsito.
(b)
O outro,
que é um pouco mais politizado, fica irritado porque os protestos deveriam ser
a respeito de outros fatos, como a corrupção ou a falta de investimento em
educação, como se ele estivesse mais apto que o próprio povo para escolher a
razão certa para ir às ruas lutar.
(c)
O conservador,
segundo o qual toda a esquerda é comunista e comunistas comem criancinhas,
brada aos quatro ventos que é uma manifestação ridícula e violenta, afinal, o
preço do ônibus teria subido abaixo da inflação, poucos centavos, e “o que são
poucos centavos?”, nem passando pela cabeça dele que para quem recebe um
salário mínimo, ou mesmo pouco mais do que isso, aquele valor é a diferença
entre refeições que serão ou não feitas ao longo do mês.
(d)
O
pró-governo que é a favor de manifestações populares, abstém-se do debate ou
procura achar que tudo é obra de uma minoria oposicionista que arranjou um jeito
de destruir a popularidade do governante, que não se comove, e nem deveria,
diante do clamor da multidão.
(e)
O bom e
velho social-democrata, aquele que procura obstinadamente sempre o meio-termo,
afirma que os protestos são legítimos, MAS se atrapalhar o direito de ir e vir
alheio e houver atos de vandalismo por parte dos manifestantes (nada diz a
respeito da truculência da polícia), o movimento deve ser sim reprimido “pela
força da lei”.
Assinalou alguma alternativa?
Enfim, o que não se pode negar é que esses protestos, mesmo que não
atinjam o objetivo final de reduzir a tarifa do transporte público a zero e nem
mesmo de impedir o aumento recente, já são um sucesso.
Sim, porque mostra que as pessoas estão reaprendendo a ir às ruas e lutar
pelo que acham certo.
Sim, porque o povo está reaprendendo que democracia não se resume a
votar de dois em dois anos e que política não se faz só nos gabinetes dos
chefes de governos, mas nas ruas.
Sim, porque deixa claro quem tem interesse em ver o povo caladinho
assistindo à novela e ao jogo e quem realmente quer um povo politizado que sai
às ruas quando se sente injustiçado.
Sim, por mostrar que as pessoas apóiam sim, como indicam as pesquisas,
protestos, e inclusive com baderna, se necessária para responder aos desmandos
da polícia e do Estado.
Sim, porque mostra que o direito de ir e vir de quem é prejudicado pelo
trânsito causado pelas manifestações não é, nunca foi e nunca será mais
importante do que o direito de ir e vir das pessoas que utilizam o transporte
público por falta de opção e que, quando o preço aumenta, se vêm obrigadas a
sacrificar maior parte de seu já minguado orçamento para simplesmente chegar ao
trabalho ou a outro ponto da cidade onde queiram ou precisem ir.
Sim, por evidenciar que as pessoas não vão se resignar e assistir passivamente
que os impostos pagos não se traduzam em serviços públicos de qualidade.
Sim, porque faz transparecer o quanto a grande mídia é hipócrita de
mostrar os protestos que ocorrem em outros países como algo positivo, trazendo
à luz informações da perspectiva dos manifestantes, chamados de “ativistas”,
que dão a cara a tapa e querem mudanças, enquanto as nossas manifestações, que
acontecem nas ruas em que passamos todos os dias, são colocadas pelos como um
câncer a ser extirpado a qualquer custo, pois são acentuados apenas os pontos fracos,
os atos impensados de uma minoria que apenas quer radicalizar, de modo a
transformar todos em vândalos, deixando claro de que lado essa mídia podre realmente
está.
Sim, porque daqui para frente os governantes vão pensar senão duas,
três, dez, um milhão de vezes, sob pena de criar um problemão e colocar a
própria popularidade em cheque, antes de encarecer e dificultar o acesso dos
mais pobres aos serviços públicos básicos, como é o caso do transporte (em
Campinas, Natal, Porto Alegre e Goiânia, por exemplo, os prefeitos, com medo de
manifestações, desistiram de aumentar o valor da passagem).
Sim, porque deixa em parafuso aquele que criticava as massas no Brasil por
não terem voz, mas agora, quando elas recuperam o grito perdido, atrapalhando a
volta para a casa depois de um longo e estafante dia de trabalho, no fim das
contas percebe que os interesses dele dependem da alienação e da passividade
agonizante do povo, qualidades que ele antes criticava.
Sim, pois os registros documentados das forças policiais batendo em
manifestantes e jornalistas escancaram o quanto a polícia, que sequer tem
preparo adequado para conter delinqüentes, não está apta para lidar com
movimentos sociais e manifestações legítimas do povo no espaço público, servindo
apenas aos interesses dos poderosos, ávidos por manter a situação como está, da
qual extrai seu poder.
Sim, porque todos vêm que os argumentos formais dos reacionários são
fracos diante da realidade, afinal, fica nítido quanta burrice há por trás de pensamentos
como o de que se alguns manifestantes cometem atos de vandalismo, então, todo
protestante é vândalo, mas se alguns policiais cometem abusos, agindo de forma
truculenta, agredindo gratuitamente os participantes do movimento, prendendo
pessoas que portavam garrafas de vinagre (que reduz os efeitos de gás
lacrimogênio) e alvejando manifestantes de joelhos e jornalistas com tiros de
borracha, esse é um problema pontual que não pode ser generalizado para toda a
polícia.
Sim, porque a falácia de que o aumento da passagem se deu abaixo da
inflação é desmascarada, pois se realmente não tivesse havido aumento real acima
da inflação de 1994 para cá, a passagem de ônibus em São Paulo custaria no
máximo R$ 2,16 e a de metrô, R$ 2,59.
Sim, por nos mostrar que um novo paradigma de transporte público, e por
que não dizer?, de serviços públicos em geral, é possível se houver vontade
política.
Sim, por deixar claríssimo que a “Primavera Brasileira” é possível
Sim, por tornar incontestável que ainda faltam muitos protestos como
esses para vivermos em algo que se possa realmente chamar de democracia.
Cabe, agora, a cada um de nós, especialmente aos jovens, decidir se esse
momento será levado aos livros de História em um enorme e fascinante capítulo
ou em uma frustrante nota de rodapé.
Gostaria de convidá-lo pra uma Palestra em nossa Escola.
ResponderExcluirSoraia Spolidório
Professora de Ética/Cidadania/Filosofia/Sociologia e TEATRO.
Colégio Integral Campinas.