Eu acordei, sim, mas não foi agora.
Acordei quando estudei mais a fundo a História, sobretudo a
partir do Século XVIII, quando a humanidade deu um basta ao poder absoluto do
monarca e o colocou nas mãos da nova classe social ascendente, a burguesia, que
desde então, embora tenha feito algumas concessões, nunca largou o osso.
Acordei quando percebi que o grito por liberdade deve ser
necessariamente acompanhado pelo de igualdade, caso contrário serve apenas ao
opressor.
Acordei quando vi que a “fraternidade” que os franceses
tinham por lema em sua Revolução se transformou em “propriedade”.
Acordei quando passei a questionar as baboseiras que meus
professores da faculdade diziam a respeito da imparcialidade do Direito, do caráter
meramente “programático” das normas de direito social, da manutenção da ordem
como valor em si.
Acordei quando notei que o Direito é apenas uma técnica de
dominação como tantas outras que a elite usa para se manter no poder esmagando
os mais pobres, que cinicamente se costuma chamar de “hipossuficientes”.
Acordei quando percebi que o poder econômico das grandes
empresas engoliu o poder político, liberando caminho para devorar todo o resto.
Acordei quando me dei conta de que os relatos de exploração
extrema dos trabalhadores à época da Primeira Revolução Industrial não estão,
na verdade, nem um pouco longe de mim, pois presentes nas cabines dos ônibus e
caminhões, nas tecelarias, nos frigoríficos, nos bancos, nas lojas de magazine.
Acordei quando me veio à luz que apesar do fim do feudalismo
a sociedade continua, com raríssimas exceções, estamental e, sobretudo,
estratificada.
Acordei quando ficou claro que os grandes veículos de mídia
são podres, mostram apenas o que não lhes contrarie os interesses: manter a
situação como está, alienando as pessoas e aumentando seus lucros, nunca formar
ou informar devidamente o povo.
Acordei quando percebi que o filho da minha empregada sofria
“batidas” pela polícia quase diariamente e eu, com vinte e poucos anos, nunca
havia sido revistado.
Acordei quando me dei conta que um cortador de cana ou
colhedor de laranja, que sofrem para pagar aluguel de um barraco e manter os
filhos alimentados, trabalha muito mais do que a esmagadora maioria das pessoas
do topo da pirâmide social, que compram jóias no Iguatemi numa tarde de
quarta-feira.
Acordei quando percebi que o trabalho assalariado nada mais
é do que a expropriação da força vital humana do empregado, que fica com o
fruto do seu próprio trabalho.
Acordei quando passei a ver o mundo com os olhos das
minorias - como os negros, os gays, os índios, as mulheres, os ateus, os
moradores de rua -, que são diariamente violentadas de todas as maneiras e nós
fingimos que não vemos, pois no fundo sabemos que nos beneficiamos da situação.
Esses são exemplos do que, para mim, significa acordar.
Dizer que acordou colocando de repente a culpa de todas as
mazelas em entes abstratos como “governo”, “corrupção” e “altos impostos” é
fácil. O buraco é muito mais em baixo. Eu quero é ver o gigante acordar de
verdade.
(Postagem em 20.6.2013)
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