quarta-feira, 26 de junho de 2013

Eu acordei

Eu acordei, sim, mas não foi agora.

Acordei quando estudei mais a fundo a História, sobretudo a partir do Século XVIII, quando a humanidade deu um basta ao poder absoluto do monarca e o colocou nas mãos da nova classe social ascendente, a burguesia, que desde então, embora tenha feito algumas concessões, nunca largou o osso.

Acordei quando percebi que o grito por liberdade deve ser necessariamente acompanhado pelo de igualdade, caso contrário serve apenas ao opressor.

Acordei quando vi que a “fraternidade” que os franceses tinham por lema em sua Revolução se transformou em “propriedade”.

Acordei quando passei a questionar as baboseiras que meus professores da faculdade diziam a respeito da imparcialidade do Direito, do caráter meramente “programático” das normas de direito social, da manutenção da ordem como valor em si.

Acordei quando notei que o Direito é apenas uma técnica de dominação como tantas outras que a elite usa para se manter no poder esmagando os mais pobres, que cinicamente se costuma chamar de “hipossuficientes”.

Acordei quando percebi que o poder econômico das grandes empresas engoliu o poder político, liberando caminho para devorar todo o resto.

Acordei quando me dei conta de que os relatos de exploração extrema dos trabalhadores à época da Primeira Revolução Industrial não estão, na verdade, nem um pouco longe de mim, pois presentes nas cabines dos ônibus e caminhões, nas tecelarias, nos frigoríficos, nos bancos, nas lojas de magazine.

Acordei quando me veio à luz que apesar do fim do feudalismo a sociedade continua, com raríssimas exceções, estamental e, sobretudo, estratificada.

Acordei quando ficou claro que os grandes veículos de mídia são podres, mostram apenas o que não lhes contrarie os interesses: manter a situação como está, alienando as pessoas e aumentando seus lucros, nunca formar ou informar devidamente o povo.

Acordei quando percebi que o filho da minha empregada sofria “batidas” pela polícia quase diariamente e eu, com vinte e poucos anos, nunca havia sido revistado.

Acordei quando me dei conta que um cortador de cana ou colhedor de laranja, que sofrem para pagar aluguel de um barraco e manter os filhos alimentados, trabalha muito mais do que a esmagadora maioria das pessoas do topo da pirâmide social, que compram jóias no Iguatemi numa tarde de quarta-feira.

Acordei quando percebi que o trabalho assalariado nada mais é do que a expropriação da força vital humana do empregado, que fica com o fruto do seu próprio trabalho.

Acordei quando passei a ver o mundo com os olhos das minorias - como os negros, os gays, os índios, as mulheres, os ateus, os moradores de rua -, que são diariamente violentadas de todas as maneiras e nós fingimos que não vemos, pois no fundo sabemos que nos beneficiamos da situação.

Esses são exemplos do que, para mim, significa acordar.

Dizer que acordou colocando de repente a culpa de todas as mazelas em entes abstratos como “governo”, “corrupção” e “altos impostos” é fácil. O buraco é muito mais em baixo. Eu quero é ver o gigante acordar de verdade.


(Postagem em 20.6.2013)

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