terça-feira, 14 de maio de 2013

Esquerdismo e doença


Um amigo muito preocupado com a minha saúde me enviou um estudo afirmando que o esquerdismo é uma doença mental.

Em um primeiro momento, achei bom que esse estudo tenha atrasado tanto, pois se essa descoberta tivesse sido feita há alguns séculos, resultando em confinamento generalizado de esquerdistas em manicômios, estaríamos presos para sempre em algum ponto da Idade Média ou, no máximo, do Absolutismo Monárquico. Certamente ainda teríamos (ou seríamos) escravos, as mulheres seriam submissas, e ainda seria plenamente aceitável a exploração do trabalho exaustivo e desumano, de crianças e adultos. Falo em causa própria, inclusive, pois antes das lutas das esquerdas os doentes mentais, como eu acabo de me descobrir, eram degredados, espancados, torturados e mortos. Ufa!

Mas em relação ao estudo em si, nenhuma surpresa. Viver em um sistema absolutamente individualista se colocando em tempo integral no lugar do outro, do invisível, do mais frágil, daquele para quem a sociedade insiste em negar a condição humana, enfim, das minorias em geral, sempre analisando criticamente as causas e consequências sociais de cada dado da realidade, só poderia mesmo ser doença.

Afinal, como se observa por aí, normal mesmo é apoiar as grandes corporações monopolistas e as políticas de concentração de renda, achar que a ditadura militar brasileira não cometeu atrocidades, acreditar que os médicos cubanos, que prestam auxílio humanitário com sucesso pelo mundo inteiro, irão concretizar uma revolução comunista por aqui e concluir que programas sociais e a legislação social geram “vagabundos” e “aproveitadores”, mesmo que os fatos demonstrem precisamente o contrário a tudo isso. Minha doença é tão grave que me impede de invejar essas mentes sadias.

Aliás, devo estar em fase terminal, pois fiquei pensando no quão positivo seria se essa doença fosse infecto-contagiosa, afinal, contaminando todas as pessoas do mundo, talvez não teríamos mais tanta exploração do homem pelo o homem, tanta dominação, miséria, violência, desigualdade e injustiça. Não é o caso, infelizmente... O modo mais comum de contraí-la é observando acuradamente a realidade, pensando, conversando, contestando, discutindo, refletindo, lendo, estudando de forma mais aprofundada as ciências humanas em seus diversos ramos.

Claro que esse estudo que meu amigo me enviou apenas maquia de pseudo-argumentos técnicos o bom e velho mantra do “se você não concorda com a minha visão de mundo, obviamente a única correta, você só pode ser louco”, tendo sido provavelmente concebido para de alguma forma responder a diversos outros trabalhos que concluem serem os esquerdistas mais inteligentes ou que afirmam ter o conservadorismo caráter patológico, os quais, por sua vez, também têm questionável credibilidade científica.

Mas em todo o caso, eu, agora um doente convicto, fiquei contente em saber que sempre que eu acordar “de esquerda” poderei obter um atestado médico e faltar do trabalho; também terei direito a prestar concurso público dentro da quota para pessoas com deficiência; por fim, poderei estacionar o carro nas vagas para deficientes e ser atendido nos caixas preferenciais, sempre ganhando tempo para gastar com as ideias que me ocorrem devido a essa assustadora doença da qual sou um portador em estágio avançado, que me faz acreditar em absurdos como a emancipação humana face a qualquer tipo de dominação e a vitória da solidariedade sobre o egoísmo.

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