sexta-feira, 2 de março de 2012

A vaquinha, a manipulação e a ética

O Palmeiras está organizando uma "vaquinha" para contratar o jogador Wesley, que atualmente defende o Werden Bremen, da Alemanha. O preço do jogador pode ultrapassar R$ 21 milhões.

Certo, que o Brasil não valoriza qualquer outro esporte além do futebol já é notório desde que o primeiro colonizador português chutou um côco vazio. Agora, que tinha chegado nesse ponto a cultura que gira em torno desse esporte é algo que ultrapassa qualquer limite do razoável!

A única coisa que realmente importa por aqui parece ser mesmo o futebol. Ele sim move multidões e por ele as pessoas matam e morrem. 

Infelizmente, porém, trata-se de um excelente modo de distrair as pessoas, para que dispendam suas energias preocupadas com algo que passa longe de mudar algo da sua própria condição miserável. Corrupção, má gestão pública, falta investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, segurança, transporte público, saneamento, políticas de habitação, de emprego e de distribuição de renda, nada disso importa. O que importa mesmo é que o Corinthians ganhe (ou não) a Libertadores.

Já disse isso e vou dizer sempre que considerar oportuno, por mais que doa nos inteligentinhos que idolatram esse esporte: Futebol, assim como as novelas, o BBB, o carnaval, e todas essas porcarias que nos são empurradas goela abaixo diariamente pela grande mídia constroem, sim, a política do 'pão e circo' atualizada para os nossos tempos. Substituem-se os valentes gladiadores romanos por jogadores multi-milionários, atores, marqueteiros, roteiristas, etc. 

Não estou dizendo que as pessoas não podem ter diversão, e nem que todo entretenimento disponível é condenável. Pelo contrário. O que estou afirmando é que, sobretudo àqueles que não têm condições - nem culturais-educacionais, nem econômicas - de escolher devidamente o tipo de lazer que quer praticar, leia-se, os mais pobres, só são ofertadas porcarias alienantes. A quem não teve educação minimamente adequada e, mais importante, tampouco possui recurso para autônoma e discernidamente fazer a opção pelo melhor divertimento, resta apenas o futebol, as novelas, o BBB, etc.

Nesse contexto de dominação involuntária, provida pela imersão nessa cultura emburrecedora, surge inocentemente essa "vaquinha" para a contratação de um jogador. Pode-se alegar que tal "vaquinha" não tem nada de mal, pois ninguém é obrigado a contribuir e, além disso, o doador certamente ficará feliz por de alguma forma, dada sua contribuição, fazer parte daquele time vencedor. Pode até ser, mas resta uma pergunta: é ético? 

Um time milionário como o Palmeiras pode pretender tirar dinheiro dos seus torcedores, sobretudo os mais pobres, para fazer uma contratação que as próprias "leis do mercado" (futebolístico, no caso) rejeitaram? Essa nova variável dessas "leis do mercado", qual seja, o dinheiro dos mais frágeis torcedores, é realmente ética? Ou será apenas mais uma aplicação da velha socialização das perdas?

Antes de tudo convém deixar claro. Quem contribuirá serão os palmeirenses mais fanáticos. Porém, não todo e qualquer torcedor do time, mas apenas os mais pobres e menos informados. Os que tiveram uma boa educação, que primou pelo nascimento de um senso crítico aguçado, dificilmente tirarão dinheiro do próprio bolso para ajudar nos milhões de reais necessários à contratação de um jogador de futebol, por melhor que ele seja.

Pois bem. A meu ver, é só mais uma peça na engrenagem da alienação. Não que essa alienação seja algo orquestrado, mas um olhar atento ao que ocorre na sociedade consegue perceber que as pessoas estão sendo consumidas pelo consumo, ou seja, tratadas como apenas consumidoras, não como pessoas, e realmente acreditando que se resumem a isso. Quanto maior o poder de consumo, maior a respeitabilidade. 

A transformação de pessoas em objetos é muito clara ao se perceber que a tendência musical hoje trata basicamente de "Ai, se eu te pego", baladas, "mulheres gostosas", sexo a noite inteira, etc. 

E para se ter uma mentalidade dessa, que fecha os olhos à exploração alheia nessa filosofia de mercantilização da vida, é um erro fornecer meios para que os mais pobres mudem a sua condição.

Imaginemos que a mesma disposição para se obter tal jogador fosse canalizada para obras sociais, para melhoria de escolas, de hospitais, de instituições de caridade. Mas, como se disse, o cidadão é bombardeado 24h por dia com a cultura do consumismo, do individualismo, do capitalismo sem rédeas. Acha, portanto, que aqueles referidos problemas sociais são exclusivamente do "governo", já que paga mais de 40% em tributos.

Devo fazer um alerta. Responsabilidade social, distribuição de renda, justiça social, caridade etc. não são só metas dos atos governamentais. O país está assim, afundado no mar da corrupção, exatamente devido a esse pensamento egoísta, reflexo da falta de educação, do sofrível nível cultural e da visão de mundo obtusa, construídos ao longo dos séculos de nossa não-existência como nação. As pessoas não sabem votar por não ter educação, e não têm educação por não saber votar. Os políticos eleitos não têm qualquer compromisso nem interesse em que desponte um senso crítico mínimo no povo, que é, pois, facilmente manipulado para acreditar em qualquer coisa, inclusive que dar dinheiro para a contratação de um jogador de futebol é melhor do que direcioná-los à caridade, à transformação de vidas (ou simplesmente ao consumo de algo que faça um bem diretamente à própria pessoa!). 

O dinheiro é meu e eu gasto como quiser, certo? Claro, mas o fato é que se todos tivessem um mínimo de pensamento voltado para o social (o que exige uma drástica mudança de mentalidade, concordo), as coisas seriam totalmente diferentes.

Adicione-se, ainda, a tudo isso o fato de que a empresa organizadora da "vaquinha" ficará com 10% de todo o valor arrecadado. Ou seja, o torcedor, que já perdera uma excelente oportunidade de usar bem o seu dinheiro, ou em benefício próprio ou ajudando alguém que precise mais do que ele, ainda terá de bancar uma espécie de "dízimo capitalista" para a empresa. Para dar menos na cara a imoralidade dessas atitudes o Palmeiras poderia, se não fazer por conta própria a arrecadação, pelo menos pagar um valor fixo à empresa responsável.

Trata-se de mais um exemplo de distribuição de renda às avessas, do Robin Wood de trás para a frente.

Enfim, as pessoas menos atentas estão afundadas nessa mentalidade futebolística e não se dão conta de que podem facilmente ser manipuladas. Exigir dinheiro dos mais frágeis - ou alguém acha que algum ricasso vai dar grandes quantias? - para fazer uma contratação milionária é completamente despropositado. 

O fato é que essa cultura futebolística alienada é manipuladora e perniciosa, podendo ter conseqüências imprevisíveis e astronômicas, ao sabor da maré mercadológica. Tira a atenção de fatos realmente relevantes e canaliza mal energias que poderiam ser socialmente muito mais bem aproveitadas, afastando-nos mais a possibilidade de grandes mudanças.

Os R$ 21 milhões possivelmente arrecadados não seriam melhor aplicados na ajuda às vítimas das chuvas em Minas Gerais ou no Acre, ou, quem sabe, se fossem canalizados para ofertar, por exemplo, aulas de inglês em comunidades carentes? Quem sabe simplesmente doar para asilos ou orfanatos que estão em petição de miséria? 

Tantas coisas poderiam ser feitas se essa disposição em ajudar o seu time do coração fosse direcionada a ajudar outras pessoas a conquistar e preservar a própria dignidade. Se a mentalidade fosse outra...

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