Recentemente aconteceram greves de policiais em diversos Estados. Por conta desses movimentos, na Bahia e no Rio de Janeiro, por exemplo, o carnaval quase foi cancelado, pois sem o aparato policial público as festas trariam imensuráveis riscos à segurança e saúde da população.
O que se leu na grande mídia é que a greve de policiais militares é inconstitucional. E de fato a nossa Constituição, em seu artigo 142, § 3º, combinado com o artigo 42, § 1º, expressamente proíbe a sindicalização e o exercício de greve para os militares, incluindo os policiais e bombeiros.
Porém, o direito é dinâmico e nunca se pode descolá-lo da dinâmica social. Ler a letra fria da lei nunca deve encerrar um assunto jurídico por completo. No caso da greve policial, então, é necessário averiguar se essa vedação se justifica, se é legítima e se condiz com as finalidades do Estado.
A história mostra que qualquer categoria deve ter o direito de batalhar por melhores condições de trabalho. E o exercício da greve é sem dúvidas o único meio realmente efetivo que os trabalhadores possuem para lutar contra os desmandos do “patrão”, de modo a evitar que a exploração humana seja levada a seu extremo, ceifando parte da dignidade dos mais frágeis. Muito sangue e suor foram derramados para que se aprendesse esta lição: Em uma democracia, o direito de greve é essencial e sempre desejável.
Feliz ou infelizmente, o direito não briga com fatos. No século XVIII, Inglaterra e França proibiram a greve, mas mesmo assim elas continuavam acontecendo, cada vez com mais razão e com mais força. O Estado, então, foi forçado a, em um primeiro momento, permitir e, posteriormente, garantir o exercício da greve como direito fundamental. E a Constituição do Brasil atual, de 1988, sensível a esse fato, colocou no seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, o seguinte mandamento (artigo 9º): “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”
Com isso não estou dizendo que à população resta apenas aceitar tornar-se reféns de grevistas. Pelo contrário, a permissão e regulamentação adequada do direito de greve impõe aos paredistas uma série de restrições, dentre as quais a manutenção dos serviços essenciais, que serve de escudo para a sociedade proteger seus direitos fundamentais, sua liberdade, saúde e segurança. O consagrado direito de greve, como todos os outros, não é absoluto. Deve ser exercido com moderação, respeitando, como já se disse, os direitos dos demais cidadãos, conforme os §§ 2º e 3º do artigo 9º da Constituição Federal. E no caso dos militares não é diferente.
Como dito, a proibição teve efeito contrário ao desejado, e assim será enquanto não for revogada. Por não serem sindicalizados e não estarem habituados a fazer greves, os policiais acabam se excedendo e usando meios absolutamente reprováveis, até criminosos. Com o uso de métodos extremos, perdem toda a legitimidade de seu movimento.
Caso a greve fosse permitida e garantia para os policiais, como para todos os demais trabalhadores, haveria muito mais moderação e, para o bem estar e alegria de todos, foliões ou não, a população pagaria um preço muito menor pelo descaso dos governantes com a situação dos policiais.
Convém registrar ainda que não é de se ignorar que a melhora das condições de vida do policial beneficia a toda sociedade, que terá pessoas mais selecionadas, preparadas e motivadas e, ainda, menos corruptíveis exercendo a função tão essencial de assegurar ao povo a paz e a segurança.
Claro que no caso dos policiais deve haver um cuidado especial, uma vez que eles são o braço armado do Estado, tendo um poder de coação do qual não se vê nem rastro em outras categorias. O movimento deve ser pacífico. O uso de armas, por exemplo, está totalmente fora de questão, posto que uma greve bélica nunca é pacífica e jamais pode ser legítima. Assim, seria justo retirar dos militares o único instrumento do qual dispõem para conseguir melhorar seus salários, seus benefícios, suas jornadas, suas férias e licenças, seus equipamentos de proteção, seus veículos, enfim, seus direitos e suas condições de trabalho? A meu ver, apesar de a Constituição responder com um estridente sim, a resposta só pode ser não.