quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Repulsa aos EUA e ideologia


Incrível como hoje ainda há pessoas que defendem os Estados Unidos de forma aguerrida, como se  eles tivessem uma história invejável, uma sociedade exemplar, uma política externa excelente e uma economia poderosa e livre, como manda a cartilha.

Para quem pensa dessa forma, o antiamericanismo parece ser uma infantilidade, coisa de moleque, uma idéia que se tornou antiquada e contraproducente. Em vez de ficar reclamando disso e daquilo, deveríamos tentar imitá-los para atingir o crescimento e desenvolvimento econômico, pois os EUA são o exemplo máximo de nação bem sucedida. Será? E o antiamericanismo sentimento de repulsa aos EUA é só um preconceito bobo?

Pois bem. Dia desses eu estava navegando no Facebook e me deparei com uma foto do Ronald Reagan e uma citação sua: 

I believe the Best social program is a job.

A legenda (não sei como, em português mesmo) dizia:

"Putz, isso devia ser implantado aqui."

Consternado com o que via, pois foi justamente o Reagan quem implementou o neoliberalismo nos EUA e, por conseqüência, no mundo inteiro, desmontando aos poucos o Estado de Bem Estar Social arduamente conquistado pela humanidade às custas de muito suor e sangue - que levou a uma evolução na racionalidade internacional a fim de evitar a repetição dos desastres das guerras, sabidamente causadas pelas inconsequentes desventuras econômicas e sociais das nações mais ricas - não resisti e teci algum comentário crítico. Iniciou-se um debate a respeito da política, economia e sociedade dos Estados Unidos e sua repercussão no Brasil e no mundo. Confesso que fiquei chateado de ver que pessoas esclarecidas vêem nesse homem, conservador ao extremo, um herói.

O responsável pelo post chegou a afirmar também, como todo bom representante da classe média paulista, que os programas sociais servem mesmo é para sustentar os vagabundos, e, expressamente, bradou que a culpa é mesmo do pobre que não se esforçou (sim, foi uma conversa memorável), além de fazer questão de afirmar que está na faixa de renda que paga mais impostos.

Em determinada altura da discussão, o meu colega e a essa altura adversário disse que os EUA estavam certos em invadir países alheios, que se fosse qualquer outra nação que tivesse o poder que eles têm o resultado não seria diferente, e que qualquer um toma providências "quando tem o quintal invadido". Disse, ainda, que não se referia com aquela afirmação ao Iraque, mas ao Afeganistão, e que, de qualquer maneira, o Saddan não era santo e que é a favor hoje a uma invasão do Irã(!).

A esse comentário último eu não resisti e precisei responder resumindo os motivos pelos quais eu não simpatizo nem um pouco com os Estados Unidos. Nada contra os cidadãos e as pessoas propriamente, mas a história, a cultura, a forma de pensar e de agir deles, enfim, o "espírito estadunidense", são o que incomoda.

Respondi, então, da seguinte maneira:

Se um líder não é santo, então, surge automaticamente o direito unilateral da maior potência econômica, política e militar do mundo invadir o país e liberá-lo do mal. Lógico que isso não vale para eles próprios nem para os aliados Israel, Arábia Saudita, Paquistão, Iêmem, Jordânia, Uzbequistão, Baharein, Cazaquistão, China, etc., afinal, dinheiro não tem cheiro. Aliás, santo mesmo foi o Mubarak, o Kadaffi ou o Assad, que não mereceram o mesmo destino de Saddan apesar de terem aberto fogo contra seu próprio povo.
Mas tem razão. Se prestarmos bem atenção nos filmes hollywoodianos os EUA são sempre os mocinhos. E eu não tinha percebido! Acho infantilidade minha ficar com essa bobagem antiquada de antiamericanismo em plena era da globalização.
Eu estava, na verdade, superestimando alguns fatos como:
  • A crença no "destino manifesto", segundo o qual os EUA são o povo escolhido por deus para comandar a humanidade. Aqui reside o erro da argumentação de que “qualquer nação faria o mesmo” (como se o fato de todo mundo fazer tornasse algo correto). Aliás, o próprio nome do país já indica uma pretensão absurda, pois indica que eles se consideram toda a América, os estados unidos da América, como se não existisse mais nada ao sul ou ao norte.
  • As doutrinas políticas imperialistas, de dominação dos países mais pobres, como a Doutrina Monroe, a Diplomacia Missioneira, a Diplomacia do Dolar, a Política da Boa Vizinhança, a Doutrina da Segurança Nacional, a Segurança Hemisférica (todos decorrência do “destino manifesto”).
  • O roubo do terreno mexicano (Texas).
  • As políticas de extermínio dos indígenas e nativos. (Benjamim Franklin falava em "estirpar esses selvagens para abrir espaço aos cultivadores de terra").
  • A existência de bases militares espalhadas por todo o mundo, o que indica a mentalidade bélica e as pretensões imperialistas.
  • As bombas atômicas (que foram extremamente necessárias em locais habitados, para livrar o mundo dos loucos japoneses).
  • Os embargos econômicos avassaladores. 
  • A invasão pura e simples ou intervenção, já no Século XX, sobretudo para depor líderes legítimos, na América Latina (Caribe, Cuba, Panamá (onde forjaram uma guerra separatista), República Dominicana, Nicarágua (onde invadiram), Haiti, Guatemala, México).
  • A implantação e o apoio a ditaduras no Chile, Paraguai, Argentina, Uruguai.
  • A aprovação de armas nucleares obtidas por seus aliados e o ataque a qualquer sinal de enriquecimento de material nuclear nos demais países.
  • A não intervenção na Líbia e na Síria, deixando milhares morrerem (pactos internacionais autorizam a intervenção humanitária, nesses casos).
  • A ameaça ao Irã e a invasão do Iraque, paralelas a alianças com os Talebãs (depois desfeita convenientemente), com a Arábia Saudita, Iêmem, Jordânia, Uzbequistão, Baharein e Cazaquistão, todas ditaduras tão ou mais cruéis que a daqueles dois países.
  • A negação a ratificar diversos tratados de direitos humanos.
  • O cerceamento reiterado do direito de greve e à liberdade sindical dos trabalhadores.
  • A Promiscuidade entre igreja e Estado.
  • O Patriot Act, que cerceou direitos civil individuais.
  • A crise de 2008, que teve origem nos EUA, pela falta de regulação da atividade dos bancos.
  • A presença da maior indústria bélica do mundo.
  • As fraudes nas eleições, respaldadas pela Suprema Corte.
  • A mídia comprada, manipulada pelos conservadores. 
  • A base de Guantánamo (que envergonha toda a raça humana).
  • A inexistência de programas sociais.
  • A maior população carcerária do mundo. (0,8% da população está atrás das grades).
  • A não assinatura do Protocolo de Kyoto.
  • O fato de serem, disparados, o país desenvolvido mais desigual do mundo.

Quanto ao Brasil, tenho dó mesmo da classe média brasileira. Vou esquecer das minhas aulas de Direito Tributário, em que aprendi que no Brasil quem paga mais impostos proporcionalmente à renda são as pessoas mais carentes, afinal, os impostos nos produtos básicos de subsistência, como arroz, detergente e sabonete, são extremamente maiores do que dos bens duráveis. (só pra exemplificar: dados de 2008 do IPEA: quem ganha até 2 salários mínimos destinou 54% a tributos. Quem ganha 30 salários mínimos ou mais, destinou em média 29%).
Dar dinheiro pra montadora (reduzindo o IPI) pode (pois estimula o consumo!). Dar dinheiro para universidades particulares alienarem ainda mais os seus alunos (o governo perdoou a dívida dessas instituições) pode. Bolsa Família, que muitas vezes significa a diferença entre a fome extrema, a morte, e a vida, além de fomentar o desenvolvimento econômico nas áreas mais pobres, não pode (pois “apenas” garante a subsistência dos mais necessitados). Certo mesmo é dar dinheiro para os bancos que estão falindo, como fez os EUA com o Brothers. Afinal, o banco faliu não porque é incompetente, mas a pessoa que nasceu na miséria e não arruma emprego, essa sim é incompetente. E outra, o milionário que inventa pirotecnias tributárias para sonegar impostos não está, por razões muito menos nobres (diga-se, que não envolvam o sustento direto seu e de sua família), também mamando nas tetas do "governo", gozando do seu rico dinheirinho pago em impostos?
Esse senhor da foto, e da frase “genial”, é um herói, juntamente com os Bush e a Margaret inglesa. Afinal, ele diminuiu a importância do Estado, favorecendo o crescimento de empresas monopolistas, bancos altamente especulativos (o que desencadeou a crise de 2008), em detrimento da chamada economia real, multiplicou por 15 a desigualdade social em 10 anos, transferiu a maior carga tribútária dos ricos para os pobres (ler o Nobel de Economia Paul Krugman), etc. Hoje, 400 pessoas sozinhas têm a mesma renda de metade (50%) do povo dos EUA graças a esse visionário! A diferença entre o salário do operário e do patrão cresceu de 42 vezes (em 1982) para 325 vezes (em 2010 e subindo). O individualismo e o consumismo floresceram como nunca. Enfim, sucesso absoluto! Isso realmente deveria ser aplicado aqui, como você comentou! 
Pensando bem, acho que eu vou me mudar para os EUA, porque a simples adoção impensada do American Way of Life pelos meus compatriotas não está bastando à minha sede de "vencer na vida", ou seja, ter dinheiro para comprar uma mansão, um iate e dois ou três Bugattis.
Sem zoeira, você disse que o neoliberalismo tem defeitos mas é o melhor que se tem. Eu, por minha vez, digo que não há dúvidas de que esse seja o pior sistema sócio-econômico já forjado para a humanidade - e podemos incluir a escravidão (pesquisas revelam que as diferenças de condições de vida nos estados escravistas entre o escravo e o senhor eram muito menores do que hoje) e a servidão (ao contrário do que se pensa, o senhor feudal nunca foi rico) neste bolo. Só espero que isso seja percebido logo, porque, como se vê nos jornais diariamente, nem o capitalismo o está aguentando mais."
Obviamente, nenhum de nós dois se convenceu de nada do que o outro disse, mas pelo menos foi uma discussão que valeu a pena, pois me fez reavivar na memória a maioria dos motivos pelos quais os EUA, enquanto país, são tão amados e odiados. E também me fez entender um pouco mais qual a força da ideologia tanto nas atitudes mais importantes das nações como em atitudes corriqueiras como um mero post  ou comentário no Facebook.

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