quarta-feira, 25 de abril de 2012

Nomeação das salas da Faculdade de Direito – posição favorável


Posto aqui outro texto muito interessante do meu amigo Guilherme Kamitsuji a respeito do debate acerca da nomeação das salas de aula "doadas" por ex-alunos.

                Nesta última semana, a Justiça Estadual determinou que a USP devolvesse R$ 1 milhão, quantia que a família do falecido banqueiro Pedro Conde doou à Faculdade de Direito do Largo São Francisco para a reforma e modernização de uma sala de aula, que é hoje, ao lado da sala reformada com a doação do escritório Pinheiro Neto, a mais moderna da Faculdade.
                Isto porque a doação estava condicionada à nomeação da sala como o nome do patriarca (Pedro Conde), o que foi posteriormente vetado pela Congregação, órgão deliberativo máximo da Faculdade de Direito.
                Ao que tudo indica, a doação, do jeito que foi realizada pelo ex-diretor e hoje reitor da USP, o professor João Grandino Rodas (titular de direito internacional), operou-se de modo arbitrário, pois seriam prerrogativas incompatíveis com seus poderes, sendo que muitos defendem não ser possível haver condições como as defendidas pela família do senhor Pedro Conde, pelo menos em uma universidade pública.
                Não pretendo adentrar o mérito da legalidade e do modus operandi do Reitor, pois seria necessário um grande conhecimento sobre os regimentos da Faculdade de Direito e da própria Universidade de São Paulo, bem como a legislação referente às universidades estaduais, o que de fato não conheço.
                Fato é que, ressalvado o modo peculiar com que o ex-diretor conduziu a questão, o argumento recorrente de que as salas não poderiam receber o nome dos doadores seria de que isso constituiria verdadeira privatização do espaço de uma universidade pública, o que seria condenável por si só.
                Discordo frontalmente desse argumento, e este singelo artigo busca demonstrar que a nomeação das salas com o nome de doadores não é privatização e não abala o mais importante, a independência e a credibilidade da USP.
                Inicialmente, no caso da Faculdade de Direito, se olharmos para a grade curricular, veremos que disciplinas que não são obrigatórias, de acordo com as diretrizes no MEC, possuem grande peso. Muitas não refletem os interesses do mercado, em especial as do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social e do Departamento de Teoria e Filosofia do Direito.
                E mesmo se ficarmos nas obrigatórias, veremos que a Faculdade de Direito possui uma carga horária muito superior em disciplinas como Teoria do Estado, Sociologia Jurídica, Filosofia e Direitos Humanos, por exemplo. A Faculdade de Direito também é uma das poucas que oferece a pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direitos Humanos.
                Outro fato que devemos destacar é que o grande prestígio que a USP possui decorre do grande volume e da qualidade das pesquisas realizadas, quase que em sua totalidade financiada por instituições públicas, como o Cnpq, Pibic, Fapesp, entre outros. Ao que me consta, não há banco privado ou escritório de advocacia que patrocine pesquisadores.
                As doações do escritório Pinheiro Neto e da família do senhor Pedro Conde foram utilizadas na reforma de salas de aula e banheiros. Dinheiro utilizado somente para a melhoria e manutenção da estrutura física da Faculdade.
                Parte da essência da universidade pública está na liberdade que seus professores e pesquisadores têm em desenvolver pesquisas com independência, bem como na liberdade que cada faculdade tem em montar a grade curricular com base em aspectos humanistas, sem ser subserviente a interesses mercadológicos.
                E no episódio Pedro Conde, essa essência passou muito longe de ser atingida. Aceitar o nome de um doador para uma sala de aula não altera esse núcleo duro da universidade pública. Quem doou o dinheiro não passou a ditar as regras na universidade, não definiu linhas de pesquisa a serem seguidas, não alterou grade curricular de nenhum curso.
                O espaço da USP não está à venda para quem quiser pagar mais. Os doadores não têm o direito de utilizar os espaços que foram melhorados com seu dinheiro para fazerem o que bem entenderem, na hora que quiserem e do jeito que acharem melhor. Uma sala que ostenta uma placa com o nome Pedro Conde não é propriedade de sua família.
                A USP só tem a ganhar com isso. Ela vai deixar de gastar dinheiro com pisos, janelas, azulejos, lâmpadas e cimento para informatizar suas salas e bibliotecas, para comprar equipamentos mais modernos, adquirir livros novos, e quem sabe, mais bolsas para pesquisadores, em suma, em coisas que efetivamente podem contribuir para a melhoria do ensino.
                A publicidade advinda das placas (que nem logotipo de empresa têm, é uma escrita padrão para todas) não acaba com a liberdade de pesquisa da Faculdade de Direito ou de qualquer outra da USP, não confere aos doadores a propriedade da sala  e muito menos poderes para influenciar seus rumos, estes sempre decididos pelas instâncias deliberativas próprias de cada unidade (não vou entrar no mérito da participação dos alunos nestas deliberações, antes que alguém queira argumentar, não é este o tema proposto).
                Se haverá alguém que doará apenas por capricho, apenas para ter seu ego alimentado? Não duvido. Mas independente disso, a USP nada tem a perder. Sua independência estará preservada, pois as doações, ainda que condicionadas, não funcionam como ações na bolsa de valores. O retorno é unicamente em publicidade (limitada aos alunos que passaram pelas salas reformadas, no caso da São Francisco), e não confere “direito a voto” nas assembleias da Faculdade.
                Se tivesse dado certo a tentativa de nomeação das salas, estaria aberta uma verdadeira concorrência entre bancos, editoras e escritórios de advocacia para terem seus nomes nos corredores da São Francisco. E a comunidade, acadêmica ou não, só teria a ganhar com isso. Tudo isto sem abalar a independência e credibilidade da instituição.
                Mas enquanto isso, corremos o risco de milhões de reais serem desviados em licitações para a compra de material de construção e contratação de construtoras, em vez de gastarem com mais livros, periódicos internacionais, mais computadores, laboratórios, acesso à internet etc. E claro, sempre com os Reitores da USP, Unesp e Unicamp entrando com o chapéu na mão, na sala do senhor Geraldo Alckmin.
                (Concordo que R$ 1 milhão para a família do senhor Pedro Conde é dinheiro de pinga. Deviam deixar isso de lado e tocarem a vida)

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