Posto aqui outro texto muito interessante do meu amigo Guilherme Kamitsuji a respeito do debate acerca da nomeação das salas de aula "doadas" por ex-alunos.
Nesta última semana, a Justiça
Estadual determinou que a USP devolvesse R$ 1 milhão, quantia que a família do
falecido banqueiro Pedro Conde doou à Faculdade de Direito do Largo São Francisco
para a reforma e modernização de uma sala de aula, que é hoje, ao lado da sala
reformada com a doação do escritório Pinheiro Neto, a mais moderna da
Faculdade.
Isto porque a doação estava
condicionada à nomeação da sala como o nome do patriarca (Pedro Conde), o que
foi posteriormente vetado pela Congregação, órgão deliberativo máximo da
Faculdade de Direito.
Ao que tudo indica, a doação, do
jeito que foi realizada pelo ex-diretor e hoje reitor da USP, o professor João
Grandino Rodas (titular de direito internacional), operou-se de modo
arbitrário, pois seriam prerrogativas incompatíveis com seus poderes, sendo que
muitos defendem não ser possível haver condições como as defendidas pela
família do senhor Pedro Conde, pelo menos em uma universidade pública.
Não pretendo adentrar o mérito
da legalidade e do modus operandi do Reitor, pois seria necessário um grande
conhecimento sobre os regimentos da Faculdade de Direito e da própria
Universidade de São Paulo, bem como a legislação referente às universidades
estaduais, o que de fato não conheço.
Fato é que, ressalvado o modo
peculiar com que o ex-diretor conduziu a questão, o argumento recorrente de que
as salas não poderiam receber o nome dos doadores seria de que isso
constituiria verdadeira privatização do espaço de uma universidade pública, o
que seria condenável por si só.
Discordo frontalmente desse
argumento, e este singelo artigo busca demonstrar que a nomeação das salas com
o nome de doadores não é privatização e não abala o mais importante, a
independência e a credibilidade da USP.
Inicialmente, no caso da
Faculdade de Direito, se olharmos para a grade curricular, veremos que
disciplinas que não são obrigatórias, de acordo com as diretrizes no MEC,
possuem grande peso. Muitas não refletem os interesses do mercado, em especial
as do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social e do Departamento
de Teoria e Filosofia do Direito.
E mesmo se ficarmos nas
obrigatórias, veremos que a Faculdade de Direito possui uma carga horária muito
superior em disciplinas como Teoria do Estado, Sociologia Jurídica, Filosofia e
Direitos Humanos, por exemplo. A Faculdade de Direito também é uma das poucas
que oferece a pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direitos Humanos.
Outro fato que devemos destacar
é que o grande prestígio que a USP possui decorre do grande volume e da
qualidade das pesquisas realizadas, quase que em sua totalidade financiada por
instituições públicas, como o Cnpq, Pibic, Fapesp, entre outros. Ao que me
consta, não há banco privado ou escritório de advocacia que patrocine
pesquisadores.
As doações do escritório
Pinheiro Neto e da família do senhor Pedro Conde foram utilizadas na reforma de
salas de aula e banheiros. Dinheiro utilizado somente para a melhoria e
manutenção da estrutura física da Faculdade.
Parte da essência da
universidade pública está na liberdade que seus professores e pesquisadores têm
em desenvolver pesquisas com independência, bem como na liberdade que cada
faculdade tem em montar a grade curricular com base em aspectos humanistas, sem
ser subserviente a interesses mercadológicos.
E no episódio Pedro Conde, essa
essência passou muito longe de ser atingida. Aceitar o nome de um doador para
uma sala de aula não altera esse núcleo duro da universidade pública. Quem doou
o dinheiro não passou a ditar as regras na universidade, não definiu linhas de
pesquisa a serem seguidas, não alterou grade curricular de nenhum curso.
O espaço da USP não está à venda
para quem quiser pagar mais. Os doadores não têm o direito de utilizar os
espaços que foram melhorados com seu dinheiro para fazerem o que bem
entenderem, na hora que quiserem e do jeito que acharem melhor. Uma sala que
ostenta uma placa com o nome Pedro Conde não é propriedade de sua família.
A USP só tem a ganhar com isso.
Ela vai deixar de gastar dinheiro com pisos, janelas, azulejos, lâmpadas e
cimento para informatizar suas salas e bibliotecas, para comprar equipamentos
mais modernos, adquirir livros novos, e quem sabe, mais bolsas para
pesquisadores, em suma, em coisas que efetivamente podem contribuir para a
melhoria do ensino.
A publicidade advinda das placas
(que nem logotipo de empresa têm, é uma escrita padrão para todas) não acaba
com a liberdade de pesquisa da Faculdade de Direito ou de qualquer outra da
USP, não confere aos doadores a propriedade da sala e muito menos poderes para influenciar seus
rumos, estes sempre decididos pelas instâncias deliberativas próprias de cada
unidade (não vou entrar no mérito da participação dos alunos nestas deliberações,
antes que alguém queira argumentar, não é este o tema proposto).
Se haverá alguém que doará
apenas por capricho, apenas para ter seu ego alimentado? Não duvido. Mas
independente disso, a USP nada tem a perder. Sua independência estará
preservada, pois as doações, ainda que condicionadas, não funcionam como ações
na bolsa de valores. O retorno é unicamente em publicidade (limitada aos alunos
que passaram pelas salas reformadas, no caso da São Francisco), e não confere
“direito a voto” nas assembleias da Faculdade.
Se tivesse dado certo a
tentativa de nomeação das salas, estaria aberta uma verdadeira concorrência
entre bancos, editoras e escritórios de advocacia para terem seus nomes nos
corredores da São Francisco. E a comunidade, acadêmica ou não, só teria a
ganhar com isso. Tudo isto sem abalar a independência e credibilidade da
instituição.
Mas enquanto isso, corremos o
risco de milhões de reais serem desviados em licitações para a compra de
material de construção e contratação de construtoras, em vez
de gastarem com mais livros, periódicos internacionais, mais computadores,
laboratórios, acesso à internet etc. E claro, sempre com os Reitores da USP,
Unesp e Unicamp entrando com o chapéu na mão, na sala do senhor Geraldo
Alckmin.
(Concordo que R$ 1 milhão para a
família do senhor Pedro Conde é dinheiro de pinga. Deviam deixar isso de lado e
tocarem a vida)
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