"Que fará um trabalhador braçal durante quinze dias de ócios?
Elle não tem o culto do lar, como ocorre nos paizes de climas inhospitos e padrão de vida elevado. Para o nosso proletario, para o geral do nosso povo, o lar é um acampamento - sem conforto e sem doçura. O lar não pode prendel-o e elle procurará matar as suas longas horas de inacção nas ruas.
A rua provoca com frequencia o desabrochar de vícios latentes e não vamos insistir nos perigos que ela representa para o trabalhador inactivo, inculto, presa facil dos instinctos subalternos que sempre dormem na alma humana, mas que o trabalho jamais desperta.
Não nos alongaremos sobre a influencia da rua na alma das creanças que mourejam nas industria e nos cifraremos a dizer que as férias operarias virão quebrar o equilibrio moral de toda uma classe social da Nação, mercê de uma floração de vicios e talvez, de crimes que esta mesma classe não conhece no presente.Repitamos como o inclito Ford: - Não podereis fazer maior mal a uma homem do que permitir que folgue nas horas de trabalho.O proletário é, pois, um elemento da collectividade social que as féias estragarão."(NOGUEIRA, Otávio Pupo. A Indústria em face das leis do trabalho. São Paulo: Salesianas, 1935, p. 70)
Assustador ver o que pensavam os nossos industriais da década de 20
sobre o direito de férias. Resumindo, para eles, as casas dos operários eram
muito ruins, por isso, se lhes fossem concedidas férias, eles passariam o tempo na
rua, o que poderia levar-lhes a vícios e à quebra do “equilíbrio moral da
sociedade” (não consigo escrever isso sem aspas)... Pior ainda é observar
que a mentalidade não mudou. Simples assim. Não mudou em nada.
Os empresários continuam achando que férias é um favor da empresa, e não
um direito do trabalhador. Não serve esse tempo de ausência ao trabalho para o obreiro ter
seu momento de lazer e descanso, mas trata-se, sim, de um lapso para que ele recupere
as energias para poder produzir mais em seguida. Mas havendo algum jeitinho que
possibilite a não concessão das férias, imediatamente o patrão mais
irresponsável vai colocá-lo em prática sem pestanejar.
A mentalidade escravocrata ainda não foi eliminada do nosso DNA,
infelizmente. E pior, parece que cada vez mais se tenta retomá-la, mas sob
novas roupagens.
É comum ainda hoje que se demita o empregado sem pagar um mísero tostão, sem o
devido pagamento das famigeradas “verbas rescisórias”. Quer dizer, é normal que
o obreiro trabalhe - que sua força de trabalho dê lucro para a empresa, portanto - e esta simplesmente deixe de cumprir a sua parte do acordo, mesmo tendo tais verbas natureza inegavelmente alimentar. Trata-se,
novamente, de um "favor" do empregador que foi suficientemente benevolente para "permitir" que aquele empregado para ele trabalhasse.
É ainda mais comum que se contrate autônomo, PJ, cooperativado ou estagiário,
que na verdade fazem o mesmíssimo trabalho que os empregados efetivos, afim
única e exclusivamente de fraudar a legislação trabalhista, reduzindo os custos
e retirando do trabalhador quase todos os direitos que arduamente conquistara
ao longo da história, como férias, descanso semanal remunerado, limitação de jornada, fundo de garantia, seguro-desemprego, seguro previdenciário, fora os danos sociais pelo prejuízo direto da Previdência Social (INSS).
O Direito do Trabalho como um todo é visto, mesmo por profissionais do Direito,
como um Direito menor, um “direitinho”, um não‑direito. Se quem compra e revende esse tipo
de pensamento soubesse o tamanho da besteira que está falando, e a que tipo de gente
serve essas idéias porcas, certamente não as repetiria, ou pelo menos não o faria a vozes tão altas e peitos tão estufados.
O que me incomoda não é o Eike Batista ou as Mulheres Ricas não entenderem o Direito do
Trabalho, afinal, o capitalismo é avesso a qualquer intervenção estatal nas relações privadas, já que isso quase sempre representa menos lucro, menos dinheiro, menos poder. O frustrante mesmo é o trabalhador incorporar o
espírito capitalista da empresa, sendo complacente com a (e por vezes partidário da) não aplicação dos seus
próprios direitos.
E não estou falando dos mais humildes, que realmente nunca ouviram falar
de direitos trabalhistas. Estou me referindo à classe média e à nova classe média, que não se
sentem exploradas pelo patrão, mas só pelo “governo” e a sua “estratosférica
carga tributária”, que teoricamente a impede de comprar barato o novo iPad, um carro conversível ou o apartamento mais alto do prédio, já que felicidade se mede em megabytes, cavalos de potência e metros quadrados no terraço. Esses sabem muito bem dos seus direitos, mas mesmo assim
aceitam os argumentos de que “os custos são altos para os empresários”, de que “assim
não haverá mais investimentos no Brasil”, de que “a ‘modernidade’ exige a flexibilização
de leis protetivas”, de que “o direito tem que se adequar à dinâmica da realidade
social” (como se o direito não fizesse parte e não se somasse a outros fatores na construção da sociedade),
etc. etc. etc. Todas alegações muito bem construídas pelos neoliberais, desde o
Consenso de Washington, para impor globalmente o capitalismo sem rédeas, que engole
pessoas, domina almas, e, sobretudo, destrói a dignidade humana e afasta a
igualdade e a justiça social.
Isso me lembra muito a situação que ocorria quando, na época escravista, um negro liberto ganhava a vida e comprava escravos. Novamente, nada mudou. Quer dizer, de lá para cá mudaram os tempos, as formas, os meios e os nomes, mas as mentes continuam precisamente as mesmas.
Mudar a mentalidade é certamente o passo mais difícil e trabalhoso de
qualquer revolução. A classe dominante se mantém sempre unida e na defensiva, enquanto os que
desejam mudar se dividem e subdividem, lutando uns contra os outros a respeito de diferenças ideais irrelevantes.
Digo mais: enquanto o meio‑termo, o centro, for tido como a posição mais
sensata, nada vai mudar de verdade.