Publico o texto de um amigo meu, Guilherme Kamitsuji, sobre os experimentos com animais, com o qual eu não necessariamente concordo, mas acho a discussão muito relevante.
"Ganhou grande
repercussão na mídia o grupo que invadiu o instituto Royal para libertar os
cães da raça Beagle utilizados em experimentos. E mais uma vez, foi novamente
aberto o debate sobre a utilização de animais em pesquisas científicas,
evidenciando muitas vezes que por trás de argumentos supostamente a favor da
bioética, se escondem apenas visões apaixonadas e desconhecimento científico.
Um argumento
aceito sem nenhuma contestação, quase uma verdade absoluta, utilizado pelos
ativistas dos direitos dos animais, é o de que os países “civilizados” estão
abolindo de vez o uso de animais em experimentos.
Antes de mais nada, o que não levam em
consideração é a amplitude das pesquisas em saúde. Temos pesquisas sobre doenças
causadas por parasitas, vírus, fungos, bactérias e tumores, doenças auto imunes,
doenças tropicais (ex. malária, doença de Chagas), doenças decorrentes do
estilo de vida moderno, como é o caso do diabetes e a hipertensão, e das
relativas ao aumento da longevidade. E claro, existem as pesquisas sobre a
eficácia de medicamentos para todas essas doenças. Pergunto: todas essas
doenças utilizam o mesmo tipo de experimento? São todas pesquisadas da mesma
forma. A resposta, obviamente, é não, cada uma delas possui peculiaridades que
podem afastar, ou não, o uso de animais.
Existem muitos
tipos de pesquisa em que o uso de animais já está sendo dispensado, como no
caso de alguns cosméticos. Mas não é verdade que o uso dos animais é
dispensável para todos os tipos de experimentos. Infelizmente isso ainda não é
possível. A diversidade de doenças e remédios é tão grande que não existe um
modelo de experimento comum a todos eles. Cada tipo de doença, cada classe de
medicamentos possui especificidades que podem, ou não, exigir que animais sejam
utilizados nos testes.
Outro argumento
utilizado é o de que apenas 6% (alguns dizem 10%, outros 1%, aí a manipulação
de dados rola solta) desses experimentos tem algum resultado conclusivo,
chegando, de fato, a testes clínicos em humanos, o que levaria à conclusão de
que os testes em animais deveriam ser abolidos.
Ocorre que o que
eles não se dão conta é que a ciência se
faz com base em tentativas e em observação, principalmente quando se trata
das biomédicas. E sempre ocorrem muito mais erros do que acertos, porque não
são ciências exatas. Os animais – nós incluídos – têm uma infinidade de
características que podem levar a respostas diferentes a um determinado
medicamento. Apenas para exemplificar: os cães têm alguns tipos de anticorpos
que não temos, o mesmo para os ratos, os bovinos etc. E seu organismo pode
metabolizar ou não algumas substâncias. Isso sem contar que as características
individuais, como idade, peso, tamanho, tipo sanguíneo, entre outros, podem
influenciar no resultado do experimento.
Só com base
nessas variáveis descritas já é possível ver que para chegar a uma conclusão
simples, como a de que para tratar uma infecção é necessário tomar dois
comprimidos de 1 mg, duas vezes ao dia, por uma semana, é necessário um número
enorme de experimentos e testes, antes de se chegar a um dado seguro. Isso sem
contar os testes que foram feitos para chegar à conclusão de que um determinado
fármaco é eficiente para combater uma determinada doença.
É por isso que aquela porcentagem, embora
pequena, em nada serve para abolir o uso de animais. Para se chegar a um dado
conclusivo é preciso uma quantidade enorme de testes, que em sua maioria vai
dar errado. Seria ótimo se houvesse outro jeito. O que os ativistas não
conseguem é mostrar alternativas. Só dizem que a porcentagem é baixa e que por
isso deve acabar. Ponto.
A todo instante
nos deparamos com novas doenças. Quem há dez anos achava que teríamos uma gripe
nova, como foi a gripe suína e a aviária? Há 40 anos não conhecíamos a AIDS.
Não é questão de colocar o dinheiro em primeiro lugar. Medicamentos
importantes, vacinas e outros tipos de tratamentos são desenvolvidos com base
em testes em animais. Drogas para câncer, AIDS, pesquisas com células tronco,
tudo isso hoje é pesquisado com animais.
A todo momento
nós temos que lidar com doenças novas, novas drogas são descobertas, podem
aparecer novos tipos de neoplasias, os microorganismos estão em constante
mutação, enfim, não se pode generalizar, nem todos os testes dispensam o uso de
animais, infelizmente. Seria ótimo se fosse desse jeito, mas não é.
E mais: quem
disse que conhecemos tudo sobre fisiologia, biologia molecular, genética,
imunologia, farmacologia etc? Ainda há muito a ser descoberto e pesquisado. E
os animais ainda terão muito a contribuir nessas descobertas. Descobertas que
um dia podem ser a diferença para a cura da AIDS, da dengue, do mal de
Alzheimer, entre tantos outros males que matam milhões de pessoas todos os
anos.
Causa muita
comoção ver animais serem utilizados em experimentos. Mas antes de criticar, de
chamar os cientistas de mercenários, os ativistas precisam entender como se faz
pesquisa, quais são as variáveis envolvidas, o que dispensa e o que não
dispensa o uso de animais, antes de chegar a posicionamentos radicais como o de
que os testes devem ser abolidos por completo. Ciência se constrói com base em
tentativas e, principalmente, em somatória de conhecimentos, das contribuições
de todos os pesquisadores. Seria muito mais útil se apontassem alternativas factíveis,
e não argumentos rasos como “os países europeus já estão abolindo”, sem levar
em conta qual tipo de medicamento ou doença está se levando em conta."